Mais Médicos é relançado em meio a críticas de entidades médicas e Atenção Primária em foco

Mais Médicos é relançado em meio a críticas de entidades médicas e Atenção Primária em foco

O Governo Federal anunciou na segunda-feira, 20, o retorno do […]

By Published On: 22/03/2023
Novo programa Mais Médicos quer colocar 28 mil profissionais na atenção primária do SUS.

Presidente Lula e ministra Nísia Trindade, junto a outros membros do Governo, durante o lançamento do novo Mais Médicos. Foto: Lula Marques/ Agência Brasil

O Governo Federal anunciou na segunda-feira, 20, o retorno do Programa Mais Médicos. A proposta é retomar o foco na atuação da atenção primária à saúde, com a contratação de 28 mil profissionais da saúde para o SUS até o fim de 2023 e um investimento de 712 milhões de reais para garantir o atendimento de mais de 96 milhões de brasileiros. O primeiro edital está previsto ainda para esta semana.

A prioridade para preenchimento das vagas encerra uma polêmica do passado, quando médicos cubanos, através de uma parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), vieram ao país e se tornaram alvo de protestos. Médicos brasileiros formados no país terão preferência para ocupar os postos, seguidos por brasileiros formados no exterior e depois estrangeiros.

Contudo, entidades representantes da categoria apontam problemas na construção do programa, como a ausência de um plano de carreira para médicos e a falta de obrigatoriedade para validação do diploma de médicos formados no exterior e estrangeiros, através do Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos (Revalida).

Da mesma forma, o novo modelo do programa não requer que os médicos tenham registro no Conselho Federal de Medicina (CFM), necessário para atuação profissional fora do Mais Médicos. O Governo concederá o RMS (Registro Único do Ministério da Saúde) a esses médicos, o que reacende o debate sobre a formação e a qualidade técnica, e consequentemente sobre a segurança e a saúde da população.

Entidades se posicionam sobre Mais Médicos

Em posicionamento oficial sobre o novo Mais Médicos, o CFM afirma que “está elaborando propostas que serão encaminhadas ao Congresso Nacional visando seu aperfeiçoamento. Assim, interessado em auxiliar com respostas efetivas aos desafios assistenciais, o CFM mais uma vez se coloca à disposição para contribuir com essa agenda pública, reiterando o compromisso da categoria que congrega com a defesa da saúde, da vida e da assistência médica de qualidade para todos os brasileiros”.

Para César Eduardo Fernandes, presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), “o novo Mais Médicos comete um equívoco que já cometeu no passado. Ele trouxe no passado médicos cujas competências não eram comprovadas e traziam dúvidas em relação às competências. A comprovação pode ser feita pelo Revalida, e é assim no mundo todo. É uma questão de segurança. O nosso ofício é para o paciente e a segurança do paciente está em primeiro lugar. Uma política de provisionamento é necessária, mas não às custas de médicos que não tenham Revalida”.

De acordo com o diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina (APM), Marun David Cury, as entidades médicas não foram consultadas para a elaboração do programa. Ele aponta que existem cerca de 90 mil médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior que não conseguiram passar no Revalida nos últimos exames. “O que a gente fica preocupado é que eles vão dar autorização temporária e depois vão efetivar isso, esses médicos vão ficar atendendo pelo Brasil sem ter uma formação adequada. É um risco para a população”, afirma

Dados do Ministério da Educação apontam que o Revalida de 2017 teve 7.380 inscritos, dos quais apenas 393 foram aprovados. Já em 2020, foram 15.580 candidatos inscritos, e somente 1.085 aprovados, cerca de 7% do total. O resultado do 2º Revalida de 2022 será divulgado na próxima sexta-feira, 24. Para estimular que os médicos participantes do novo Mais Médicos façam o Revalida ao longo da permanência no programa, o MEC promete um desconto de 50% na inscrição.

Pontos positivos do Mais Médicos

O novo Mais Médicos traz mudanças consideradas importantes para aqueles profissionais que querem atuar junto ao programa. A Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC) contribuiu com propostas junto ao Governo Federal e tem visto com bons olhos esse relançamento, segundo Marco Túlio Aguiar Mourão Ribeiro, vice-presidente da entidade:

“Há uma uma valorização da atenção primária para de fato levar médicos para onde a população precisa, principalmente as pessoas mais vulneráveis. Tivemos várias medidas, inclusive com o programa anterior, o Médicos pelo Brasil, mas só que em alguns lugares apenas 30% da necessidade foi contemplada”.

O novo programa promete incluir profissionais de outras áreas, como dentistas, enfermeiros e assistentes sociais. Os médicos voltam a ser bolsistas, com a possibilidade de vagas de mestrado e aperfeiçoamento para os candidatos. No entanto, a remuneração não sofreu reajuste, com salário de 12 mil reais, com o acréscimo de um auxílio moradia. Ainda, passa a incluir licença-maternidade e paternidade, que não havia na versão anterior.

Também está previsto um incentivo para formandos que se utilizaram do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) para completar a graduação, com o intuito de quitar a dívida com as faculdades. Aqueles que permanecerem por pelo menos 12 meses no programa terão um acréscimo na bolsa de 40% a 80% do valor total de remuneração que receberam ao longo do contrato, que passou de 3 para 4 anos, renováveis por mais 4 anos.

O programa prevê vagas de residência em Medicina de Família e Comunidade e incentivos para os profissionais que optarem por fazê-la. No entanto, Marco Túlio explica que mesmo aqueles que não fizerem a residência podem tirar o título por tempo de atuação, pelo dobro do período da resistência, ou seja, 4 anos.

“Vejo o programa com o eixo de provimento, que é importantíssimo para levar a saúde onde as pessoas mais precisam, seguindo um dos princípios do SUS que é a equidade. Outro eixo favorece a formação e aquisição de competências para o médico atuar na atenção primária, com um processo de educação permanente com os cursos especialização e monitoramento com tutores, e um terceiro eixo que é o fortalecimento da residência, para que ao final de 4 ou 8 anos a gente consiga expandir de forma qualitativa o número de médicos de Família e Comunidade”, observa o vice-presidente SBMFC.

Não temos médicos no Brasil?

De acordo com a Demografia Médica no Brasil 2023, elaborada pela AMB e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), o país passou de 500 mil médicos com registro. No entanto, a má distribuição e a falta de especialistas em Medicina da Família e Comunidade são os principais entraves para que a assistência básica à saúde chegue à população.

Esse é o argumento utilizado por aqueles que defendem que o país deve contratar médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior, mesmo que não tenham a revalidação do seu diploma feito pelo processo convencional. No entanto, as entidades médicas brasileiras defendem que não existem condições de trabalho e de bem-estar que estimulem os profissionais a irem e se fixarem em regiões remotas, que carecem de médicos.

“O médico brasileiro não está indo porque não há atrativo. Talvez não tenha todas as condições necessárias para ele fazer um atendimento de qualidade, exitoso e resolutivo. Não dá para ele ir sozinho, precisa toda uma equipe de saúde e uma estrutura física, com as dependências necessárias para que você faça esse atendimento. E precisa ter uma condição razoável de segurança para o trabalho e uma qualidade de vida digna, particularmente se vai levar a família”, defende César Eduardo Fernandes, presidente AMB.

No posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), a entidade argumenta que é possível aproveitar os profissionais que se inscreveram para o Médicos pelo Brasil. “Neste sentido, com mais de 16 mil profissionais aprovados em processo de seleção pública pela Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde (ADAPS), a contratação imediata desses médicos seria alternativa viável para ampliar o acesso dos brasileiros à assistência”, defende em nota.

A AMB tem se aproximado do Ministério da Saúde e está disposta a contribuir com alternativas para essas questões, e prefere não indicar os caminhos, mas sim, conversar e construir junto às instituições. No entanto, a criação de uma carreira de Estado para médicos, como ocorre com juízes, em que são direcionados para cidades menores para depois ir para outras regiões, é uma bandeira defendida por diversas entidades.

“A demografia médica provou que a maior parte dos médicos estão nos grandes centros porque oferecem condição de trabalho. Se o governo oferecer condições de trabalho para esses médicos nas periferias das grandes cidades e nesses rincões longínquos, com apoio das universidades federais, se interioriza o médico remunerando corretamente”, defende Marun David Cury, Associação Paulista de Medicina (APM).

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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