Heraldo Marchezini, CEO da Biomm: “Biossimilares tem potencial maior que genéricos no mercado brasileiro”
Heraldo Marchezini, CEO da Biomm: “Biossimilares tem potencial maior que genéricos no mercado brasileiro”
Com fábrica inaugurada, Biomm vai produzir 20 milhões de carpules de insulinas glargina por ano e quer suprir todo o mercado brasileiro.
Na última sexta-feira, 26 de abril, uma comitiva do Governo Federal foi até Nova Lima, município em Minas Gerais com menos de 100 mil habitantes e ao lado da capital Belo Horizonte, para inaugurar a primeira fábrica de insulina glargina do Brasil. Ela pertence a Biomm, empresa brasileira de biomedicamentos fundada em 2001 que passa a produzir localmente o tratamento para diabetes com duração de 24 horas.
O evento de inauguração, que contou com cerca de 500 pessoas, reuniu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dentre outros membros da gestão. Com a produção nacional de medicamentos como bandeira, em busca de uma menor dependência do mercado externo, o Governo se mostrou interessado em divulgar a iniciativa da Biomm, que contou com financiamento de R$ 100 milhões por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Com um investimento total de 800 milhões de reais, a fábrica deve produzir cerca de 20 milhões de carpules ao ano, além da expectativa para iniciar a produção de canetas de insulina. Atualmente, o produto está disponível na rede pública em alguns estados, ficando restrita às farmácias para a maior parte da população com diabetes. A meta é que haja uma maior inserção no mercado e amplie acesso à população, substituindo as insulinas tradicionais. “Por meio de parcerias com biofarmacêuticas internacionais, hoje contribuímos muito além das insulinas para diabetes. Estamos entrando na área GLP-1 em metabolismo, já temos anticorpos monoclonais na oncologia e, em breve, estaremos na oftalmologia. Não esquecendo a heparina, para cardiotrombose”, disse o CEO da Biomm, Heraldo Marchezini, durante a inauguração da fábrica.
Em entrevista exclusiva ao Futuro da Saúde, Marchezini contou sua visão para o mercado brasileiros, os passos iniciais da fábrica que produz o primeiro medicamento da Biomm no Brasil, as perspectivas de parcerias público-privada e expectativa de novos negócios. Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
O que a inauguração da fábrica significa para o mercado brasileiro?
Heraldo Marchezini – Significa de fato ter uma planta super moderna em biotecnologia, com um altíssimo padrão de qualidade e segurança que permite a produção de insulinas e outros medicamentos. Nessa primeira etapa será a insulina glargina, uma insulina basal que é utilizada por pacientes com diabetes e que tem uma limitação de uso público, no sentido de que está restrito a políticas de cada estado e não do Governo Federal. Ainda assim, já é aprovada pela Conitec. Cerca de 80% da insulina basal no mundo é glargina, mas no Brasil não chega nem a 10%. Então, existe um atraso de utilização de uma insulina basal que é muito mais segura, um análogo a insulina humana recombinante, que permite pelo desenho da molécula uma previsibilidade de 24 horas de cobertura basal. Então, ter a fábrica é um dos primeiros passos para acesso dos pacientes brasileiros que usam e, no caso dos pacientes do diabetes tipo 1, dependem da insulina para viver.
Um dos focos então é acesso, então?
Heraldo Marchezini – Tivemos na inauguração a presença de associações de pacientes que falaram ‘nós estamos emocionados porque lembramos de quando precisávamos importar o produto’. É uma pena que ainda não está com acesso para toda a população, só para aqueles que podem pagar. É um caminho também de promover o acesso de uma insulina basal muito mais segura e eficiente do que a utilizada hoje. Alguns dos estados brasileiros criaram protocolos que utilizam a insulina glargina, como Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio de Janeiro e Paraíba. Entendemos que os governos ou o governo federal podem equilibrar as coisas. O paciente tipo 1 tem uma demanda mais emergencial e então há uma um caminho para real introdução da insulina glargina com acesso à população. Somente 10% de consumo é uma fatia muito pequena da população.
Qual a expectativa em relação à receita e produção?
Heraldo Marchezini – A produção começa imediatamente. Toda planta industrial tem uma escala gradual, você não vai partir com capacidade plena. Temos compromissos de entrega, então este ano ainda vai conviver com uma parte importada, mas já a partir do meio do ano estaremos fornecendo alguns lotes já produzidos aqui. As relações de preço também mudaram. Existe uma falta de insulinas do mundo, isso é um elemento também novo por várias razões da cadeia de suprimentos global. Mas a Biomm e seu parceiro Gan&Lee estão habilitados e preparados para suprir essa falta e atender a demanda total de glargina, desde que haja ciclos de produção, que não são imediatos. Mas se todos os pacientes do tipo 1 usarem, a gente pode suprir todo mercado. Temos uma participação nos estados, de venda governamental por licitação. Somos o 2º, mas devemos ser líderes em breve. No mercado privado estamos com uma participação crescente, mas nossa fábrica tem capacidade de atender todo o mercado de glargina ou até para eventual troca de insulina humana por glargina, que é o caminho que deveria ser adotado para o Brasil ter o mesmo nível de tratamento dos outros países.
A Biomm vai produzir todo o processo do medicamento, menos o insumo farmacêutico ativo (IFA). Vocês já possuem planos para a produção do IFA?
Heraldo Marchezini – A produção do IFA é através de uma fermentação para gerar o cristal. Mas esse é outro nível de investimento. Temos a discussão da PDP de insulina humana na fase final para se concretizar. É necessário que haja elementos econômicos que sustentam o longo prazo. O grande dilema sobre a produção local é como a gente pode ter um investimento dessa ordem sem ter um mínimo de garantias sobre o consumo no país. Evidente que há grandes players no mercado, mas no lado de acesso e estratégia de produção local, é necessário. É uma possibilidade futura, mas depende de como vamos crescer em volume.
Existem planos de produzir outros medicamentos?
Heraldo Marchezini – Temos potencial para produzir outros medicamentos de acordo com a certificação técnica operacional que temos e desde que sejam adequados para esse tipo de planta. As salas têm pressões positivas ou negativas, e conforme o produto a necessidade de pressão inverte. Mas a classe do GLP-1, por exemplo, podemos produzir aqui. Não à toa os líderes de GLP-1 são líderes em diabetes. Tem uma correlação técnico-operacional com as moléculas e tipo de aplicação, que é injetável, uma solução e utilizado metabolismo. Tem uma série de sinergias de produção, comercialização e até logística, porque ambos necessitam permanecer em temperatura de 2 a 8 graus. Temos um armazém para manter estoque nessa temperatura, assim como nossa cadeia de transporte é qualificada para isso. Evidentemente, não vamos produzir para tudo que nós vendemos. Talvez esse é um elemento que na inauguração da fábrica pode parecer um contrassenso, mas nosso portfólio vai além das insulinas.
O que há no portfólio hoje?
Heraldo Marchezini – Temos anticorpos monoclonais em análise na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que devemos lançar em breve para oncologia e para oftalmologia. Teremos a submissão da teriparatida para uso ósseo e temos um acordo para ustequinumabe. Então, nem tudo faz sentido lógico e econômico para a produção local. Agora, insulinas e outros medicamentos com grande volumes, milhões de unidades e com preço unitário cada vez menor, é mais lógico ter produção local. Em especial para doenças tão críticas para a população, como o diabetes. Insulina, a partir do momento que toma, toma para a vida inteira. É muito mais complexo tornar economicamente viável em anticorpos monoclonais na oncologia, que tem um volume muito menor e são aplicados em cerca de 7 ou 8 ciclos, e o volume não é tão grande. Gostaríamos de produzir o máximo de coisas aqui e esse será o nosso objetivo, produzir o máximo de insulinas, seja glargina ou humana, e até outros medicamentos que poderão chegar em breve. É uma planta que tem utilidade para além das insulinas.
E a Biomm já possui um acordo em relação a um biossimilar do Ozempic?
Heraldo Marchezini – Temos um acordo de comercialização e distribuição no Brasil a partir de 2026, porque existe uma patente vigente e é o tempo necessário do ponto de vista regulatório. Isso ainda não incorpora a produção. No Brasil, mesmo com a patente vigente, não se impede o processo regulatório, impede a comercialização antes do fim do período de exclusividade. Vamos nos preparar, passar pelo rito regulatório e queremos chegar assim que a patente expirar, para também ampliar o acesso à semaglutida que, lembrando, é uma molécula desenvolvida e utilizada para pacientes com diabetes, que tem um efeito importante metabólico que reduz a glicemia.
A fábrica da Biomm já estava pronta há alguns anos e teve o processo de regulamentação da Anvisa. De alguma forma, esse processo impactou na inauguração? É possível ser mais ágil?
Heraldo Marchezini – Ele impacta em várias dimensões, mas é importante dizer que o processo regulatório em si é necessário e é bom que tenhamos no Brasil uma regra regulatória de 1º mundo. Isso assegura a qualidade, assegura à população a eficácia do que é aprovado. A Anvisa elevou o patamar. O que existe hoje é de certa forma um funil em relação à capacidade de análise da Anvisa. Não há questões, no nosso ponto de vista, em relação à regulamentação. Ela é um estímulo para o país ter excelência. A questão é a capacidade de dar conta, até por uma necessidade crescente de novos medicamentos. Cria-se filas dentro da Anvisa. Se discute como é a velocidade de entrar em análise.
O Walfrido Mares Guia, acionista da Biomm, fez um apelo sobre esse tema no discurso de inauguração.
Heraldo Marchezini – O Grupo FarmaBrasil fez um estudo, e o Walfrido fez uma menção sobre o tempo médio de aprovação. Tem uma questão, mas a diretoria da Anvisa é sensível e ciente disso, e estão trabalhando, independente de ter mais pessoas ou não, sobre os processos, análises e como se organizam as filas.
A Biomm possui outro projeto que está dentro de uma Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP). Vocês pretendem participar de outros acordos deste tipo?
Heraldo Marchezini – Esse processo da insulina humana é uma PDP que já está estabelecida, mas não está firmada. É feita entre a Biomm, a Wockhardt (empresa indiana), e a Fundação Ezequiel Dias (FUNED), laboratório do estado de Minas Gerais. Dentro da PDP esses 3 participantes tem que estar em harmonia para se realizar, então estamos na reta final dela. Essa PDP é muito importante. A insulina humana é mais utilizada que a glargina e tem uma falta mundial hoje. Então, é importante que haja um acordo de longo prazo. E temos a planta pronta. Precisaremos passar por todo processo de regulamentação desse produto específico. É claro, já avançamos muito com a validação da planta do ponto de vista técnico, mas temos que provar que o que será formulado e feito na nossa fábrica é equivalente ao dossiê aprovado hoje. Essa é a parte de documentação. Temos uma sala antifogo aqui na fábrica com toda documentação de todos os processos produtivos demandados pela Anvisa. Não é eletrônico, tem que estar em papel, descrever passo a passo. Medicamento não é uma receita de bolo, tem que produzir lotes sequenciais para comprovar que se consegue reproduzir aquilo que foi proposto. Teremos um tempo para fazer a transferência de tecnologia para cá, mas podemos importar o produto final do parceiro Wockhardt e atender metade ou até mais da demanda. Nesse caso, 80% do mercado podemos atender.
Qual a importância e a participação do Governo no financiamento e construção da fábrica?
Heraldo Marchezini – Devemos olhar os números. Temos aproximadamente 800 milhões investidos na planta, e 80% veio de investimentos dos acionistas privados ou da própria empresa. O financiamento que foi feito é de menos de 20%. É importante? É. Mas não é a maior parte, longe disso. É um complemento ao equity que foi feito aos acionistas, com risco.
Nessa parceria público-privada, o papel é mais como comprador?
Heraldo Marchezini – É, mas uma coisa não está ligada a outra. Não foi isso que aconteceu. O que acontece é que normalmente há um empréstimo para a produção de algo que é tecnologicamente importante ou um processo farmacêutico, mas que no nosso caso não representou a maior parte do investimento. O que tivemos de financiamento já pagamos boa parte, amortizamos muito. É algo positivo, mas poderá ser maior em coisas de maior inovação. A empresa também não tinha garantias para dar nesses empréstimos. A partir do momento que temos faturamento, começa a gerar possibilidades de ampliar as garantias. Tem que olhar o que há de crédito no mercado bancário nacional. O investimento do Governo é importante pela estratégia do setor, mas o que vale ressaltar é o que foi de fato: um caráter de empreendedorismo, de visão e sonho de concretizar algo, independente do que poderia vir de empréstimo. Muito pelos acionistas, que ao longo do tempo investiram, sejam os fundadores que correram maiores riscos ou mais recentemente novos acionistas que se juntaram porque viram potencial de negócio. Essa mistura público-privada de investimentos é importante, mas é bom que possamos mostrar que houve majoritariamente um investimento privado em um setor no Brasil que tem potencial de desenvolvimento grande.
Estamos acompanhando o desenvolvimento do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Qual a visão da Biomm sobre ele? Vocês estão atentos aos desdobramentos para participar dessa política?
Heraldo Marchezini – Ao estar na PDP da insulina humana estamos contribuindo nessa linha. Hoje assinamos um protocolo de intenção com a Fiocruz que pode gerar outras formas de transferência de tecnologia e acertos produtivos. Há uma sensibilidade global sobre produção local, não é só o Brasil que quer ter suas plantas. Tem iniciativas em todo o mundo, é um fator estratégico. A questão de investimentos em biotecnologia é considerada e descrita como um imperativo estratégico por questões geopolíticas. E a pandemia mostrou que sim. Como se equilibra isso ou como se forma opções do mercado, que não necessariamente sejam exclusivas públicas? Como esse mercado pode ser desenvolvido para atrair investidores privados e ter um bom mix das coisas?
Com a fábrica funcionando, novos medicamentos e acordos, a Biomm pensa em desenvolver pesquisa e desenvolvimento?
Heraldo Marchezini – Sim, pensamos. Mas ainda não temos nada para anunciar. Sem colocar qualquer dimensão de tempo ou comprometimento, mas o natural é seguir por esse caminho. Lembrando que, na biotecnologia, o processo produtivo em si já é P&D. É possível fazer um tipo de processo que chegue a um mesmo biossimilar de outro produto, utilizando diferentes processos produtivos, que pode gerar diferenças de rendimento de lote e velocidade de produção, que acabam gerando custos mais competitivos. De certa maneira, já estamos fazendo isso nos processos produtivos. Mas sim, pensamos em P&D e temos a visão que devemos caminhar para algum tipo. Mas é algo mais a longo prazo e que tem visão estratégica a ser feita.
Como você vê o mercado farmacêutico em geral e qual o potencial para os próximos 5 anos?
Heraldo Marchezini – Se a gente olhar para análises do IQVIA, o Brasil tem uma onda de biossimilares de vários bilhões de reais, incluindo GLP-1 e outras moléculas de oncologia, que terão sua expiração de patentes. No horizonte de 5 anos, teremos um crescimento significativo em biossimilares no mercado brasileiro, que é muito maior o potencial de genéricos no mundo farmaquímico. Vai se acentuar o tema da biotecnologia através dos biossimilares, mas eles não são os fins. Não é o objetivo final da Biomm e outras empresas. O objetivo é ter evolução de processos e produtos, que gradualmente vão trazer mais inovação para o país.
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.