Com pouca literatura disponível, e-book sobre dados de vida real traz sete artigos brasileiros inéditos

Com pouca literatura disponível, e-book sobre dados de vida real traz sete artigos brasileiros inéditos

Documento sobre dados de vida real explora o cenário e aponta interoperabilidade e padronização como alguns dos desafios para o avanço do conceito

By Published On: 04/09/2023

As discussões a respeito dos dados de vida real vêm ocorrendo a todo vapor no setor da saúde – tema que Futuro da Saúde tem acompanhado de perto em reportagens recentes e em episódio no Futuro Explica. Em um contexto em que as decisões são cada vez tomadas com base em dados, o conceito tem o potencial de enriquecer as análises com informações do que de fato acontece em uma determinada população – fora do ambiente de pesquisa clínica, ou seja, no dia a dia do paciente – e, portanto, possibilita não apenas a celeridade em análises, mas também mudanças de estratégias e até novas políticas públicas.

Dessa forma, os dados de vida real prometem trazer recursos analíticos mais sofisticados, explorando a efetividade e o impacto de determinados medicamentos ou ações na vida dos pacientes. Contudo, há uma série de desafios que precisam ser superados para que isso de fato se concretize no mundo e no Brasil. Esse cenário é retratado no ebook “Dados de Vida Real na América Latina – Ensaios e Percepções”, documento que traz sete artigos brasileiros inéditos que abordam o que esses dados representam na prática para o sistema, os avanços na área de regulamentação, diretrizes para uso adequado das informações, o desafio das base de dados no Brasil, as novas tecnologias como ferramenta para gerar dados e a necessidade de mudanças culturais para a efetividade do tema.

Ana Paula Etges, engenheira e co-fundadora da PEV Consultoria em Saúde – que desenvolveu o material -, foi uma das pesquisadoras encarregadas da coordenação científica. Para ela, o ensaio pode auxiliar ministérios e órgãos reguladores a definir orientações sobre o uso adequado e ético de dados, com a finalidade de utilizá-los para gerir uma melhor saúde populacional. “O nosso propósito com o desenvolvimento desse conteúdo é contribuir para que haja iniciativas aplicadas. E isso requer que as pessoas tenham um maior conhecimento de educação sobre o tema”, afirma.

Ela assina todos os artigos em conjunto com Carisi Polanczyk, pesquisadora e chefe do serviço de cardiologia do Hospital Moinhos de Vento. O e-book de 67 páginas é parte do projeto RWD Latam Initiative, criado pela Roche Farma para promover educação e conscientização sobre o uso de dados de vida real para diferentes fins na saúde. Com início em 2022, a iniciativa promoveu webinars e contou com a participação de especialistas em painéis no Brasil e no exterior.

Para Antonio Silva, diretor de Estratégia e Acesso da Roche, “os dados de vida real são o ponto de partida para que esse ecossistema de saúde possa convergir para um sistema mais sustentável”.

Melhorias na ciência de dados de saúde no Brasil 

Dentre diversas abordagens, os artigos trazem os desafios para a intensificação dos dados de vida real e sua implementação no dia-a-dia. Esse avanço demanda uma estrutura capaz de coletar as informações de maneira segura e transformá-la em conhecimento e, para isso, é preciso estabelecer diretrizes, padronizações e integração de sistemas.

O Brasil ainda tem um agravante, como traz um trecho de um dos artigos: “Nesse contexto, um aspecto crítico relacionado a organização e estruturação de dados de saúde no brasil se deve ao fato de que a maioria dos sistemas de informação com abrangência nacional foram criados com propósitos administrativos e financeiros, voltados ao monitoramento e gestão da interação dos pacientes com o sistema. Os dados são majoritariamente compostos por solicitações de reembolso, sinistro, prescrições, procedimentos terapêuticos e diagnósticos, hospitalizações e outros e não contemplam medidas de desfechos e características dos pacientes”.

Etges afirma também que o Brasil precisa evoluir tanto do ponto de vista de acesso ao dado como na qualidade das informações que disponibilizadas. “O SUS tem cerca de 37 bases de dados diferentes. O grande desafio é fazer com que elas conversem entre si. Por isso é muito difícil conseguir fazer a história completa do indivíduo”, revela a pesquisadora. Porém, ela se mostra otimista: “A interoperabilidade das bases de dados e torná-las de fácil acesso para pesquisadores, hoje, é um processo possível no Brasil, mas não simples”.

A autora ainda aponta outro desafio: o gargalo da formação de profissionais de ciência de dados em saúde. Segundo ela, esse tipo de profissional ainda é bem escasso no Brasil:

“É uma caminhada longa, tanto na questão educacional de preparar os profissionais para trabalhar com dados de vida real, quanto na questão cultural, do cidadão brasileiro entender o que representa usar dados de saúde com o propósito de se trazer melhores políticas de saúde e melhores decisões de saúde”. 

Para Etges, “os próximos passos são os dados de vida real serem implementados e a sociedade ser também ativa nesse processo para entender que as métricas que cada indivíduo eventualmente está gerando serão utilizadas para uma melhor sustentabilidade do sistema de saúde”. Ela reforça que o e-book discute o cenário internacional dos dados de vida real com documentos de órgãos de saúde importantes, como FDA e NICE, o que possibilita uma análise técnica mais aprofundada para análises econômicas e construção de modelos. 

Importância dos dados de vida real

As necessidades de avanços apontadas no documento são um elemento-chave para o conceito de dados de vida real de fato se reverter em benefícios na ponta. Segundo o diretor da Roche, a inovação tecnológica de medicamentos só é possível em colaboração com os sistemas de saúde locais: “Para a medicina personalizada acontecer, para todos os avanços chegarem, para que o governo tenha melhor alocação de recursos, precisamos começar a ter essas métricas, esses dados de vida real”.

Antonio destaca que a empresa está atenta às potenciais melhorias que os dados trariam ao setor de saúde: “A Roche está com olhar de como podemos construir novos modelos de reembolso, deixar o sistema mais equilibrado entre prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e monitoramento”. Em novembro do ano passado a farmacêutica iniciou um projeto de compartilhamento de risco com o A.C.Camargo e, mais recentemente, se uniu à Sociedade Brasileira de Informática de Saúde (SBIS) e a HL7 Brasil para criar um sistema padronizado de dados em saúde.

“Eu espero que, no futuro, possamos usar os dados de vida real para melhorar as tomadas de decisão e impactar verdadeiramente a saúde da população, não na doença, mas na prevenção”, completa Silva. “O e-book consolida o pensamento de diversos especialistas em torno da temática de dados de vida real”. Ele ressalta ainda que a transmissão do conhecimento científico para a comunidade é essencial para o desenvolvimento do setor da saúde. 

Ligia Moraes

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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