Roche e A.C.Camargo firmam acordo de risco compartilhado em projeto de tratamento com imunoterapia

Roche e A.C.Camargo firmam acordo de risco compartilhado em projeto de tratamento com imunoterapia

A farmacêutica Roche e o hospital A.C.Camargo firmaram um contrato

By Published On: 09/11/2022

Antonio Silva, da Roche, e Helano Freitas, do A.C.Camargo / Crédito: Divulgação

A farmacêutica Roche e o hospital A.C.Camargo firmaram um contrato de risco compartilhado em um tratamento de imunoterapia para câncer de pulmão. Trata-se do primeiro modelo de risco compartilhado da empresa suíça no país. Os detalhes da parceria foram debatidos na semana passada, em sala científica, durante o XXII Congresso da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

O risco compartilhado, também chamado no setor de risk sharing agreement, é um modelo em que, no caso deste acordo, por exemplo, a farmacêutica disponibiliza novas técnicas ou terapias sob condições específicas, sujeitas a avaliação de resultados e atreladas a um pagamento. É uma estratégia que tem como objetivo oferecer valor em saúde, garantindo o acesso aos pacientes e equilibrando a equação financeira – o que pode trazer impactos para a sustentabilidade do sistema.

O acordo foi montado para funcionar de forma simples. Basicamente, é observado se o paciente se beneficia do tratamento e se houve faturamento da medicação para aquela pessoa. Para aqueles pacientes que não foram beneficiados em até 3 ciclos de tratamento, a Roche se compromete a ressarcir ao hospital a mesma quantidade utilizada. Dessa forma, o hospital é reembolsado com novas terapias pela farmacêutica, reduzindo os custos e pagando somente por aqueles tratamentos que tiveram êxito. 

“O preço do medicamento é fixo, definido por uma regulação da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), e não tem como fazer preços diferentes, então temos que achar um meio termo para isso. Esse compartilhamento de risco considera que quem respondeu ao tratamento vai ser pago, e quem não respondeu, vamos devolver”, complementa Antonio Silva, diretor de estratégia e acesso à saúde da Roche.

Do lado do hospital, ele retém a cobrança às operadoras de saúde por 3 meses, período em que é possível checar se houve de fato benefício, e, caso haja o reembolso das medicações, não enviará a conta aos planos.

Detalhes da parceria de risco compartilhado

A parceria envolve a comercialização do Tecentriq (atezolizumabe), medicamento de imunoterapia para o tratamento de câncer de pulmão de pequenas células, que representa cerca de 12% dos tumores nesse órgão. Quando utilizado junto à quimioterapia, esse tratamento pode colaborar com o controle da progressão do tumor e um aumento da sobrevida global.

No entanto, nem todos os pacientes se beneficiam. Entre 15% e 20% dos pacientes com esse tipo de tumor não respondem adequadamente ao tratamento, o que fez com que as duas empresas buscassem equilibrar essa relação para o hospital não ser onerado sozinho – no modelo de fee for service, o hospital arcaria com 100% do medicamento, independentemente se o tratamento não é efetivo em sua totalidade.

Existem alguns critérios estabelecidos de quais pacientes são elegíveis ao programa, levando em consideração a saúde do paciente e o estágio da doença, como explica Helano Freitas, oncologista e vice-líder do Centro de Referência de Tumores de Pulmão e Tórax do A.C.Camargo:

“A gente propôs esse modelo em que aqueles que depois de 4 meses de tratamento estiverem usando a medicação e se beneficiando, não são elegíveis para um programa de compartilhamento de risco. Aqueles que pararam, seriam elegíveis. As equipes de custo-efetividade do A.C.Camargo e da Roche chegaram a esse modelo de reembolso”.

Helano Freitas esclarece que para os médicos do hospital a parceria não provoca qualquer alteração na prática clínica. O oncologista realiza o acompanhamento do paciente normalmente, com exames que ocorrem em média a cada 3 meses, verificando se as terapias utilizadas estão trazendo ganhos à saúde. Caso não esteja, ele apenas suspende ou troca o tratamento, como habitual.

Inicialmente, o acordo tem um prazo de 12 meses, mas as duas empresas possuem grandes expectativas com a parceria.

Perspectivas de novos acordos

A iniciativa partiu da Roche, que tem como uma de suas bandeiras ampliar o acesso da população a medicamentos, sendo uma alternativa para equilibrar as negociações e torná-las mais justas. “O sistema de saúde não vai suportar novas terapias se não tiver esse meio termo. O desafio é como fazer isso”, analisa Antonio Silva, diretor da Roche.

A parceria de compartilhamento de risco também é uma das formas de mostrar que a indústria farmacêutica pode participar mais ativamente das discussões sobre a sustentabilidade financeira da saúde, deixando a imagem de que está apenas em busca do lucro a todo custo.

Silva observa que, pela boa relação com o hospital, o A.C.Camargo estava mais aberto às negociações e propostas. No entanto, ele ainda enxerga um certo ceticismo no mercado. “Dizem que pode ser que não funcione e vão sempre para um lado mais pragmático, de que a relação tem que ser comercial, e não para gerar um novo modelo”, aponta. Em sua visão, é possível fazer muito mais que isso.

Já existem outros hospitais que estão em negociação com a Roche, que se mostra aberta a ouvir e criar modelos de reembolso personalizados e que atendam às demandas de diferentes envolvidos. A imunoterapia para câncer de pulmão de pequenas células foi um primeiro passo, mas tratamentos para outros tipos de tumores e doenças podem fazer parte de um acordo de compartilhamento de risco.

Da mesma forma, esse projeto-piloto com o hospital A.C.Camargo deve nortear novas parcerias do centro de referência de tratamento oncológico, tanto com a Roche como com outras indústrias farmacêuticas. De acordo com Helano Freitas, rediscutir os modelos de negócios entre hospitais, operadoras e farmacêuticas é necessário neste momento em que se debate o acesso e a economia:

“É preciso criar modelos e ideias que possam ajudar o que todo mundo já sabe que precisa ter. Precisamos sair desse sistema atual de fee for service para algum sistema que envolva tipos de pagamento relacionado ao valor. Que a gente possa pagar o justo aos tratamentos e evitar pagar tratamentos desnecessários, que não tragam benefícios ao paciente. O dinheiro que você não usa aqui pode permitir o acesso de outros pacientes, que hoje não têm”.

O diretor de estratégia e acesso à saúde da Roche explica que estar aberto ao diálogo é o primeiro passo, mas é preciso uma estrutura mínima de organização de dados para conseguir compilar as informações de forma estrutura e ter um canal de comunicação com a farmacêutica, para solicitar possíveis reembolsos. Outro ponto defendido é que o acordo precisa ser “triple win”, onde hospital, farmacêutica e pacientes ganhem com a parceria, e não só as entidades envolvidas.

“Queremos que mais empresas se juntem para que, quanto mais massa crítica a gente tiver, talvez a gente molde o sistema brasileiro e isso vire uma prática. Daqui 5 anos as conversas talvez sejam sobre efetividade, com mais informação clínica e que comecemos a ter melhores decisões, tornando o sistema sustentável”, conclui Silva.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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