Flávia Camargo, do Einstein: “O futuro da experiência do cliente em saúde será figital”

Flávia Camargo, do Einstein: “O futuro da experiência do cliente em saúde será figital”

Experiência do consumidor e centralidade no cliente (conhecidos em inglês […]

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By Published On: 02/11/2022

Experiência do consumidor e centralidade no cliente (conhecidos em inglês como customer experience, CX e customer centricity) são termos que vêm ganhando força e notoriedade no meio corporativo. Empresas de diversos setores já trabalham esse conceito, mas agora ele começa a se intensificar na saúde, inclusive com a criação de áreas específicas. É o caso do Hospital Israelita Albert Einstein, que compôs um time de especialistas em experiência no setor de saúde, sob a direção de Flávia Camargo.

Essa tendência não é à toa. Em 2018, um relatório da PwC já apontava a experiência como o fator que realmente importava para o cliente e, em 2022, um recente levantamento da americana SupperOffice mostra que o tema será a grande prioridade das empresas para os próximos cinco anos. Pode até parecer óbvio, mas há uma diferença importante: uma coisa é simplesmente valorizar o cliente, outra é mudar a operação e cultura de uma companhia para, de fato, se imaginar no lugar deste consumidor e entender como melhorar sua jornada, seja para compra de um produto ou para usar um serviço.

Em entrevista ao Futuro da Saúde, a nova diretora, que é médica pediatra e migrou seu foco de carreira para gestão em saúde e CX há mais de 15 anos, explica o que é a experiência do cliente na saúde e como utilizar técnicas e ferramentas muito parecidas com aquelas utilizadas em outros mercados em uma instituição que lida com momentos cruciais e sensíveis da vida dos pacientes. Confira:

Como podemos definir o que é experiência do cliente?

Flávia Camargo – A experiência do cliente é tudo aquilo que é percebido ao longo dos contatos do indivíduo com a organização. Tudo o que o cliente percebe gera pontos de vista pessoais que são racionais, emocionais, sensoriais e físicas, que por sua vez são comparadas com as expectativas prévias àquela interação e o produto disso é a experiência.

O conceito ficou muito conhecido e ligado com compras, mas hoje já extrapola para praticamente todos os setores. Por que isso se disseminou?

Flávia Camargo – O cliente mudou seu relacionamento com as organizações com as quais interage e na saúde não é diferente.  Ele passou a ter mais possibilidades e modelos de consumo, o que permitiu que ele comparasse mais e, consequentemente, se tornasse mais exigente. Observando essa mudança no comportamento individual, as organizações passaram a estudar as necessidades e dores de seus consumidores, ou seja, adotaram o mindset de centralidade no cliente, aumentando a fidelidade e potencial de engajamento com seu portfólio de serviços. Hoje a experiência é entendida como todas as interações que o cliente tem com a instituição: desde o acesso ao site, a conversa no WhatsApp, a recepção no estacionamento, como aquele cliente é tratado pelos colaboradores, como transcorre seu processo assistencial, se o ambiente é agradável e organizado, tudo é percebido, é um conjunto de fatores.

Como a experiência do cliente é trabalhada no setor da saúde?

Flávia Camargo – Utilizamos os mesmo conceitos e ferramentas dos outros segmentos e mercados. Apesar disso, consideramos o fato de que a saúde lida com momentos da vida que podem ser nevrálgicos. O paciente pode estar ali por alguma doença grave, pode querer melhorar sua qualidade de vida ou apenas fazer um check-up. Essa pluralidade também torna a experiência do cliente desafiadora.

A experiência do cliente é uma preocupação que nasceu no Einstein junto com a nova área ou vem de antes?

Flávia Camargo – É uma atividade bastante antiga do Einstein, que acompanha a instituição desde a sua fundação. O tema foi evoluindo e entendemos que era o momento de montarmos uma área estruturada e horizontal, que, agora, tem três meses de existência. Nosso objetivo era aglutinar diferentes áreas que lidam com experiência. Afinal, o setor da saúde nasceu em um contexto de doença e de cuidado episódico em que o paciente vinha tratar uma condição e ia embora. Hoje este conceito mudou considerando o cuidado com o paciente como um ato contínuo, presente em todos os momentos de interação de saúde de sua vida com promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, desde cuidados simples até os mais complexos.

E como vocês enxergam a experiência do cliente no Einstein?

Flávia Camargo – O Einstein trabalha com o conceito do IHI (Institute for HealthCare Improvment) do Quintuple Aim que considera as 5 principais frentes para uma entrega de valor em saúde. Duas dessas frentes são relacionadas à experiência e estão presentes no nosso DNA e rotina diária: experiência do paciente e experiência do colaborador. A experiência do paciente considera tanto o paciente quanto seus familiares e acompanhantes e toda sua jornada relacionada à instituição. A experiência do colaborador é essencial ser considerada, pois não conseguimos entregar um cuidado adequado se não cuidamos de quem cuida. Na prática, trabalhamos essa cultura em todas as áreas que têm acesso ou influenciam os pacientes, engajamos os colaboradores, inovamos e criamos ambientes de segurança e hospitalidade.

O que faz essa área, especificamente?

Flávia Camargo – Ela é composta por três pilares. Um é formado pelos times de atendimento, que englobam o front de atendimento aos pacientes externos, nosso Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e contact center. Outro é composto pelos times de relacionamento, que englobam dados, Customer relationship management (CRM), desenho de réguas e melhores estratégias para engajar pacientes. O terceiro é a experiência em si, composta por um time de designers de serviço, que ajudam a mapear a jornada do paciente e desenhar melhores soluções e times que lidam com certificação, experiência, cultura e cuidado centrado na pessoa. Trata-se de uma atividade altamente colaborativa e, neste sentido, o time interage com várias outras áreas com o intuito de ofertar melhores experiências. Esta interação abrange não apenas equipes assistenciais como também parceria com times de backoffice, marketing, comunicação e outros setores. Enfim, a entrega da melhor experiência depende de muitos elementos e de todos os envolvidos na jornada de nossos pacientes e o time de experiência atua como catalizador e suporte neste processo.

Como a área funciona, na prática?

Flávia Camargo – Nós entendemos as reais necessidades dos pacientes e encontramos soluções para elas. Tradicionalmente, esse processo era invertido: criava-se uma solução para, só então, saber se ela resolvia alguma dor dos clientes. Hoje, nós mapeamos a jornada do paciente a partir de ferramentas de design estratégico e nos deparamos com um roadmap de soluções a serem desenvolvidas, que podem se relacionar com a capacitação, melhoria de processo ou estrutura, aprimoramento de uso de dados e processos, até soluções como um aplicativo ou integração de sistemas.

Como essas necessidades são mapeadas?

Flávia Camargo – Utilizamos uma série de ferramentas para isso. Coletamos dados na pesquisa de pós-alta dos pacientes, que conta com um NPS [Net Promoter Score], por exemplo. Cada pessoa que passa pelo Einstein pode responder a uma pesquisa, contando como foram suas percepções. Mas essa é só uma das fontes. Temos canais receptivos, que recebem elogios, queixas e sugestões, que são compilados. Fazemos benchmarks também, pesquisamos o mercado de saúde e outros, escolhemos alguns grupos específicos de pacientes, famílias e outros e entrevistamos representantes para entender as dores de suas jornadas. Trabalhamos com cliente oculto na instituição – em que uma pessoa da equipe passa por experiências como a dos pacientes para olhar cada detalhe – e circulamos muito nos espaços. Também temos conselhos consultivos de pacientes e médicos, que nos auxiliam no entendimento de problemas e validação de soluções, e contamos até mesmo com pessoas que, de forma voluntária, fazem reuniões recorrentes conosco para mapear problemas e cocriar melhores estratégias, além de um conselho consultivo de médicos que ajudam no desenvolvimento de soluções como aplicativos para os próprios profissionais da saúde.

A tecnologia se faz muito presente nesse processo?

Flávia Camargo – A melhoria da experiência em saúde não é só sobre tecnologia, mas a tecnologia é importante. Nos ajuda a ter omnicanalidade e uma visão 360º e entrega também uma jornada “figital” [mistura de físico com digital] mais fluida. A integração de sistemas, por exemplo, que estamos construindo, é crucial para termos uma visão individualizada dos pacientes. Ao longo dos últimos anos, eu venho sendo uma das lideranças do Einstein em transformação digital e usar a tecnologia para conseguir ganhar escala e mudar a forma como nos relacionamos e ofertamos serviços é muito importante.

Quais são os maiores desafios da experiência do cliente em uma grande instituição, como o Einstein?

Flávia Camargo – Uma instituição como o Einstein é muito complexa e tem muitas áreas envolvidas. Assim, encontrar uma forma de trabalho colaborativo que não gere burocracia e desperdício é desafiador. Outro desafio que temos é acompanhar a mudança do perfil das pessoas e como interagem com o serviço. No passado, os clientes, de forma geral, em qualquer mercado, eram mais passivos em relação ao que recebiam. A força estava mais nas mãos da empresa, que ditava como aquela experiência era feita. Um bom exemplo é aquela grande marca de carros, que achava que vender apenas carros pretos era suficiente, estava bom. Hoje, quem dita as necessidades são os clientes. No caso do Einstein, o cliente quer ser atendido na instituição e quer que o hospital o conheça, quer ser atendido de maneira personalizada. Tem quem goste de interagir com aplicativos, tem quem prefira o atendimento humano. Isso gera diferentes necessidades de soluções e precisamos atender a todos de forma eficiente, contínua e uniforme.

Quais são as expectativas para a nova área?

Flávia Camargo – Estamos no caminho para conseguir personalizar o cuidado, estar presente na vida dos pacientes e gerar engajamento do cuidado com a saúde. Temos uma gama cada vez maior de produtos e soluções, mas elas precisam ser utilizadas de forma ordenada. No mundo físico, oferecemos cada vez mais opções, como o Espaço Einstein, Esporte e Reabilitação e as Clínicas Einstein de Atenção Primaria à Saúde que proporcionam diferentes serviços para atender as necessidades dos pacientes. Todos esses espaços precisam ofertar uma boa experiência e nossa missão é essa.

O que podemos esperar do futuro da experiência do cliente em saúde?

Flávia Camargo – O futuro da experiência em saúde, a meu ver, será figital. Eu não acredito que será exclusivamente digital, pelo próprio contexto da saúde. Mas a tecnologia vai ajudar a tornar o contato mais humano. Um exemplo prático diz respeito à implantação de totens autoatendimento para realização de check-in nas unidades, que representam uma forma de simplificar esta etapa, mas isso não quer dizer que não haverá atendentes. Este canal digital está disponível para quem preferir navegar por eles e adiantar, por exemplo, a parte burocrática de preenchimento de dados. O time de atendimento continua ali para acolher, tirar dúvidas e atender às diversas necessidades de nossos clientes. Essas ferramentas diminuem a fricção e tornam o momento assistencial melhor e mais tranquilo, oferecendo uma melhor experiência para todos. Outros exemplos como expansão dos serviços de telemedicina, identificação dos pacientes por reconhecimento facial, interpretação de sentimentos pela leitura facial e de voz, monitoramento contínuo de fluxos de pacientes internos e externos em tempo real com intervenções imediatas, aumento da possibilidade de auto serviços e acesso a suas informações de saúde, evolução de estratégias de educação para auto cuidado, são evoluções importantes suportadas por tecnologias e que potencialmente melhoram a experiência através de jornadas físicas e digitais.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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