Como um acelerador de partículas pode contribuir para o avanço da medicina?

Como um acelerador de partículas pode contribuir para o avanço da medicina?

Parceria entre Einstein e CNPEM engloba o estudo de novos vírus, engenharia de tecidos, terapia gênica e outros temas relacionados ao futuro da biomedicina

Conteúdo oferecido por

By Published On: 15/05/2024
Como um acelerador de partículas pode contribuir para o avanço da medicina?

Prédio do Sirius no campus do CNPEM em Campinas/SP. Foto: Divulgação CNPEM

Em 2012 a ciência provou a existência do bóson de Higgs, apelidada de “partícula de Deus”. De forma simplificada, uma teoria formulada por Peter Higgs na década de 60 indicava a existência de partículas menores que os átomos e que seriam as pontes responsáveis pela formação da matéria. A comprovação aconteceu em um acelerador de partículas em formato de anel localizado na Europa, na fronteira entre a França e a Suíça, que possui mais de 27 quilômetros de extensão e está enterrado a cerca de 100 metros de profundidade. O gigantesco equipamento acelerou partículas em direções opostas, praticamente na velocidade da luz, e as colidiu de frente. Com o impacto e a tecnologia presente no acelerador, foi possível atestar a existência do bóson.

O fato ganhou destaque e, de certa forma, ajudou a popularizar este tipo de equipamento, mas eles existem já há algum tempo. De diferentes tamanhos e funções, eles ajudam cientistas de todo o mundo a aprofundarem o conhecimento sobre átomos e materiais. E também sobre células, moléculas e vírus.

Desde 2018, o Brasil possui um dos aceleradores de partículas mais modernos do mundo. Trata-se do Sirius, um complexo formado por quatro laboratórios localizado em Campinas, que abriga a única fonte de luz síncrotron da América Latina. Ele possui um anel de 518,4 metros de circunferência e mais de mil ímãs. Ao utilizar a radiação eletromagnética composta por diversos tipos de luz, ele permite que a matéria investigada seja penetrada e tenha as características de sua estrutura molecular e atômica desvendadas em uma escala de nanômetros – para nível de comparação, um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro.

“Essa construção representa um marco na pesquisa biomédica”, afirma Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). “Não é apenas sobre ciência de ponta, mas também sobre transformar vidas por meio da inovação e da pesquisa.”

Com o propósito de ampliar e aprofundar pesquisas na saúde, o Einstein e o CNPEM firmaram uma parceria científica que engloba o estudo de novos vírus, engenharia de tecidos, terapia gênica e outros temas relacionados ao futuro da biomedicina. “O CNPEM é uma ilha de excelência científica, tecnológica e de inovação no Brasil. É um dos poucos centros no mundo que têm essa capacidade de produção científica, de gerar conhecimento na área”, afirma Fernando Bacal, vice-presidente de pesquisa e inovação da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

Antes mesmo de a colaboração ser formalizada, as duas organizações já mantinham uma relação de troca científica, mas a expectativa é de expansão. “Essa união abre caminhos promissores para novas descobertas, como no estudo de doenças genéticas, vírus emergentes e testes de novos medicamentos”, destaca Silva.

Tecnologia de ponta com acelerador de partículas

Seja em relação a novos vírus, como foi o caso da Covid-19, ou a vírus já conhecidos que estão voltando a circular, como o do sarampo, aprimorar a capacidade de detecção e prevenção é uma preocupação global. Os desafios que dificultam essa empreitada são muitos, como a própria natureza altamente contagiosa desses agentes patógenos, que exige ambientes equipados com o que há de mais atualizado em termos de biossegurança, além de tecnologias que permitam esmiuçar a estrutura molecular do vírus em questão.

O complexo do CNPEM, onde está o Sirius, pretende endereçar parte desses desafios, com a construção do primeiro complexo de laboratórios no país com nível quatro de biossegurança (NB4) – o mais elevado na escala. Será também o primeiro no mundo com essa estrutura de segurança a ser conectado a uma fonte de luz síncrotron.

E a ideia é que o Einstein, que detém experiência no isolamento e manejo de vírus de classe NB4, entre com a expertise dos profissionais no trabalho com novas amostras, como explica Luiz Vicente Rizzo, diretor de pesquisa do Einstein: “O acelerador com fonte de luz síncrotron vai permitir que se façam imagens da interação entre os vírus e as células humanas em uma resolução que não se encontra em nenhum outro lugar.”

Esse fato, segundo ele, “aliado ao nível de biossegurança do laboratório e ao trabalho que o Einstein já realizou com outros patógenos altamente infecciosos, como o vírus da Covid-19 e o Sabiá [Arenavírus], é de um potencial muito interessante.”

Acelerando a genômica brasileira

Outro ponto de interesse é o desenvolvimento de projetos ligados à genômica, que podem resultar em novas vacinas e terapias. Para Bacal, uma das grandes apostas é o desenvolvimento de partículas VLP (Virus Like Particles, em inglês), uma das tendências na produção de vacinas cada vez mais seguras, usadas inclusive na imunização contra o HPV. “São partículas baseadas em vírus que têm a possibilidade de entregar moléculas, porém sem carregar DNA viral, característica que as tornam consequentemente mais seguras. É uma tecnologia fundamental para os novos modelos de vacina, de terapia gênica, que tem um impacto muito grande e revolucionário”, detalha.

Diante de um cenário que prevê a possibilidade de novas pandemias, o investimento neste tipo de pesquisa, em profissionais especializados e em uma infraestrutura que possibilite o desenvolvimento de uma nova vacina em um curto intervalo de tempo é tida como um dos pilares dos futuros planos de prevenção.

Segundo Rizzo, a colaboração entre CNPEM e Einstein é um modelo que, se replicado, pode trazer ganhos significativos para a saúde pública nesse sentido: “Enquanto nós temos o conhecimento humano-biológico, eles têm um conhecimento e uma capacidade de processamento de dados gigantesca. Por isso é um casamento perfeito.”

Ele aponta ainda que, considerando o encolhimento dos ecossistemas, a tendência é que, com o passar dos anos, aumente o número de vírus que conseguem romper a barreira de sua espécie, gerando potencial risco aos humanos. “Se você é capaz de rapidamente isolar, sequenciar o vírus, olhar suas interações através da luz síncrotron e processar esse dado, você tem chance de produzir uma vacina com muito mais agilidade”, avalia Rizzo.

Além da contribuição para o avanço da ciência produzida no Brasil, a parceria tem no seu cerne outro objetivo: construir novas soluções que tenham impacto positivo na saúde e no acesso para a população. “A nossa colaboração visa avançar o conhecimento e as práticas que possam impactar a população da forma mais ampla possível”, afirma o diretor-geral do CNPEM.

Por isso, um dos pontos de sinergia para que o projeto acontecesse foi a valorização de uma ciência feita a muitas mãos, múltipla e aberta. O objetivo é compartilhar não apenas equipamentos e infraestrutura, mas também conhecimento e profissionais pesquisadores. “A ciência é um esporte coletivo, a pandemia escancarou isso e temos percebido essa característica cada vez mais. Eu não vejo a ciência brasileira avançando se a gente não entender que essas colaborações são absolutamente necessárias”, diz Rizzo.

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

About the Author: Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.