Vitor Asseituno, presidente da Sami: “Para mexer em custos, é preciso conhecer a jornada do paciente”
Vitor Asseituno, presidente da Sami: “Para mexer em custos, é preciso conhecer a jornada do paciente”
No mais recente episódio de Futuro Talks, Vitor Asseituno, presidente da Sami, explora o papel da tecnologia e dos dados para a busca por eficiência
Um dos pilares de atuação das startups, em qualquer indústria, está em desenvolver o negócio apoiado fortemente em tecnologia e em dados. Na saúde, contudo, até pela complexidade de lidar com a vida de pessoas, o desafio é mais complexo. Isto não impede as empresas de buscarem avanços contínuos, mas muitas optam por uma evolução mais natural e menos disruptiva, que provoque uma mudança no modelo de atuação no setor. Mas na saúde suplementar, a quebra de paradigma se faz por uma simples razão: não há outra opção. Esta é uma das visões compartilhadas por Vitor Asseituno, co-fundador e presidente da Sami, no mais recente episódio de Futuro Talks.
Médico de formação e com experiências anteriores em gestão, Asseituno afirmou que, em sua visão, para alterar os desafios de custo dos planos de saúde – que envolve a alta sinistralidade e a tendência de envelhecimento da população – é preciso olhar para toda a jornada do paciente e não apenas para o momento de utilização do serviço. Neste sentido, ele destaca que a Sami se mantém fiel ao seu princípio inicial de atuar com foco na coordenação de cuidado e atenção primária por meio do médico de família. Isso envolve uma mudança cultural tanto dos consumidores quanto dos profissionais de saúde, mas segundo ele um dos principais pontos de melhoria levantado em pesquisas nunca foi a obrigatoriedade de passar primeiro com um médico de família, mas sim com o tempo de resposta para iniciar um atendimento. Após um trabalho feito nesse sentido, atualmente ele afirma que este tempo está próximo de 5 minutos.
Durante a conversa, ele também reforçou a importância de buscar a todo o momento a eficiência em toda a jornada e de como os dados desempenham um papel preponderante para auxiliar as análises e tomada de decisão. De acordo com Asseituno, o objetivo da Sami hoje está muito mais ligado em como intensificar a interoperabilidade com os parceiros e gerar mais dados e evidências, do que para a expansão no número de beneficiários ou até mesmo geográfica – apesar de que a empresa está sim expandindo aos poucos seus negócios para empresa de grande porte e até a oferta de serviços voltado para soluções corporativas, como para executivos de liderança de empresas.
Confira a entrevista a seguir:
De modo geral, a saúde suplementar não está tão bem assim. Embora tenha espaço para crescimento, também é uma área bastante consolidada, com players que já estão bem estabelecidos no mercado. A pergunta: por que apostar num plano de saúde novo?
Vitor Asseituno – Com certeza foi pela missão, não pela lucratividade. Acho que, como médico e sempre passando por tecnologia, comecei a ver que a tecnologia mudou todas as indústrias, como a de mobilidade, alimentação e entretenimento. Só que a indústria de saúde mudou pouco. Hoje você vai em qualquer grande hospital ou grande operadora. Você vai olhar o sistema, parece o Windows 95. Experiência de tecnologia muito ruim. Enquanto em casa as pessoas estão com o iPad, Netflix, comprando na Amazon, pedindo Uber. E não só as tecnologias melhoraram a experiência das pessoas, como elas possibilitam coisas novas. O Uber, por exemplo, pegou a capacidade ociosa dos motoristas que ficavam no ponto esperando um táxi e jogou isso para rua. A tecnologia, quando passa a acessar informações diferentes, passa a criar modelos de negócios diferentes. Só que na saúde a gente não cria coisas diferentes ou não estava utilizando essas capacidades. Ao mesmo tempo, o setor da saúde suplementar e o setor de saúde em geral vinha sofrendo com aumento de custo, envelhecimento populacional, a não capacidade de incluir tecnologias novas ou incluir tecnologias novas demais que a gente não conseguia pagar. O setor de saúde precisa de disrupção. A missão da Sami vem muito nessa linha. Listamos uma série de tecnologias novas, de tendências que a gente acredita para o setor, que seriam boas para o paciente, empresas contratantes de planos de saúde, médicos, hospitais, e desenhamos o negócio.
A saúde suplementar está vivendo um momento desafiador, mas a Sami, por outro lado, anunciou a captação de 90 milhões de reais e uma expectativa de dobrar a receita em 2023. Vocês estão remando contra a maré?
Vitor Asseituno – Acho que sim. As operadoras este ano estão na missão de perder clientes e recuperar a margem. Então, quando a Sami está trazendo clientes, crescendo o faturamento, acho que sim, está remando contra a maré. A provocação que a gente tenta trazer para o setor é que eles vejam isso. Por que a Sami está remando contra a maré? O que a gente está fazendo diferente? Que apostas fundamentais a gente está fazendo que são apostas do futuro do setor? Acho que uma delas, por exemplo, muito forte desde o começo, foi a figura do médico de família, do time de saúde obrigatório. Desde o começo entendemos que era um setor tão difícil, mas tão difícil de corrigir, que a gente precisava mudar a dinâmica. Em um plano de saúde tradicional, há a figura do livrinho cheio de nomes. Esse modelo não é eficiente porque, primeiro, você está tomando decisão com pouca informação. Você não tem referência técnica, não tem NPS, não tem resultado cirúrgico, não tem custo-efetividade. Você tem uma lista que tem endereço, e-mail e telefone. Como é que você vai avaliar a qualidade médica por e-mail, endereço, telefone?
E segundo?
Vitor Asseituno – Segundo, se você toma a decisão com base em pouca informação, não tem como dar certo, não tem como ter uma jornada eficiente. A gente muda essa história. Tem um time de saúde, um modelo de médicos de família, de enfermagem, e eles são ponto de triagem. E, com informação, com conhecimento técnico, com informação sobre o que acontece na rede secundária e terciária, vão te direcionar como se fosse o Waze. Como melhoro o fluxo de atenção das pessoas hierarquizando com dados a jornada das pessoas? Porque o problema do custo da saúde é que, antes do custo, existe uma jornada. Não é que de repente essas contas chegam. Um dia alguém acordou com uma dor de barriga, com uma dor de cabeça. É o começo da jornada de alguém. Vou ligar para médico, vou procurar no Google, vou falar com a minha vizinha, vou tomar um remédio em casa. Então, essa jornada vai dizer o quanto vai custar o tratamento. Se ela decidir tomar remédio em casa e melhorar, ponto. Para a operadora não custou nada, para o SUS não custou nada. Ela comprou o medicamento da farmácia e tomou. Se ela decidir ir ao médico, isso vai ter um custo. Se este médico decidir pedir exame, vai ter um custo. Se vai no pronto-socorro, vai ter um custo. Se vai no SUS, vai ter um custo. E o que esses profissionais que atendem vão fazer, vai gerar custos secundários e terciários. Então, antes de olhar o custo, tem uma jornada, porque a jornada dá o custo.
Não adianta pensar em corrigir o custo sem corrigir a jornada. Até antes de a Sami virar operadora de saúde, ela começou como uma startup de jornada. E, com o volume de incentivos e falta de dados, entendemos que era mais fácil construir o banco digital do zero do que do que consertar o banco legado.
Como está a questão da resolutividade com a atenção primária? Já ouvi executivos dizerem que isso não se mostra na prática.
Vitor Asseituno – É engraçado, eu conversei com um CEO de um grande hospital essa semana exatamente sobre isso. Porque o que muitas operadoras estão fazendo é colocar atenção primária, só que os contratos que ela vendeu não são de atenção primária. Ela vendeu um contrato de rede aberta, fee for service. O brasileiro não está acostumado a ir ao médico de família. Se ele estiver com uma dor aqui, ele vai no especialista. Então, pouquíssimas pessoas, de fato, usam essa atenção primária. A expressão que ouvi é que virou um PA de médico de família e não atenção primária de fato. Então, continua uma operadora ineficiente, desorganizada, do ponto de vista de fluxo assistencial, e coloca um custo adicional, que é um pronto-socorro caro, que é um pronto-socorro com médico de família. O que precisa fazer é atenção primária de verdade, integrada desde o começo com a secundária, com atendimento especialista, com resolutividade, com referência e contrarreferência. É uma escolha dura que Sami fez. E muita gente fala “eu não quero, quero poder escolher meu especialista”. Ok, a gente está olhando para os 80% que não têm plano e para aquelas pessoas que estão nos 20% que têm plano, mas estão tomando reajuste de 30% e não têm alternativa. O que a gente acredita que vai ser o fator mais importante de empurrar as pessoas para o modelo da Sami é que não tem alternativa. Escolhemos um modelo para ser o mais eficiente que poderíamos ser e, depois, oferecer conveniências melhores. Se a gente estivesse nos Estados Unidos, que 60% a 90% dos americanos têm plano de saúde, é outro cenário. No Brasil, em que 75%, 80% não têm plano e os que têm estão tomando reajuste de 30%, não dá para ser meio eficiente. Acreditamos que vai dar certo porque não tem alternativa, não tem outra maneira de fazer.
Isso demanda uma curva da educação. Como é essa mudança de mentalidade?
Vitor Asseituno – Aprendemos todo dia. Mas já tem alguns data points que mostram um caminho. Primeiro, educação, sempre ensinando para as pessoas o porquê. Segundo, é uma mudança de cultura que vai ser forçada pelo custo. Quando você olha a Kaiser Permanente na Califórnia, por exemplo, que é um dos grandes exemplos desse modelo, ela chega a ser 30%, 40% mais barato do que uma operadora tradicional. Acho que a mudança de cultura vai ser forçada pelo custo. Ainda, a Sami é o primeiro plano de saúde, por exemplo, que eu conheço no mundo, com o Gympass incluso. Eu achava que o Gympass seria o que as pessoas mais iriam gostar. E quando eu olho o NPS [net promoter score] do time de saúde, é 92. Possivelmente, o feature que as pessoas mais gostam é a figura do médico de família. Porque o brasileiro médio não tem um médico à disposição no celular para falar a qualquer momento. E com histórico. A gente também foi o primeiro case público de interoperabilidade com a BP, trocando em tempo real com hospitais, recebemos os dados do Gympass também – eu brinco, você vai no crossfit na terça, ortopedista na quarta, toma anti-inflamatório na quinta. São médicos de família que vão saber disso. Então, o nível de atenção que o time médico de enfermagem que compõe o time de saúde dá para as pessoas, realmente é muito superior a praticamente qualquer coisa que as pessoas têm.
Teve alguma reclamação nessa evolução do time de saúde?
Vitor Asseituno – Em momentos de mais reclamação, em geral, não era pelo time. No começo, cresceu mais rápido do que a construção de capacidade e a gente escutou, lembro uma frase muito claro das pesquisas de NPS: “Eu tenho que passar pelo médico de família e ainda está demorando 10 dias para marcar”. Então, não era o médico de família, eram os 10 dias para marcar. Quando a gente construiu capacidade e rapidamente a pessoa podia falar com o médico no mesmo dia ou no dia seguinte, resolveu. Porque ninguém acorda de manhã com vontade de ir a um cardiologista, pegar um pronto-socorro lotado, pagar 50 no estacionamento e pegar uma virose. A pessoa acorda com o sintoma e quer resolver. Se tiver um médico de família dela, no mesmo dia ou no dia seguinte para falar e resolver, ela está feliz. Se o time de saúde resolver aquele problema no tempo que ela considera razoável, pronto. E é engraçado que hoje o SLA (service level agreement – tempo máximo de resposta combinado) do nosso time de saúde é 5 minutos. Na Kaiser Permanente esse sistema funciona por e-mail e é 48 horas, podendo chegar a 5 dias. E aqui no Brasil estamos entregando em 4 minutos. E ainda temos a possibilidade da telemedicina.
Vocês usam telemedicina?
Vitor Asseituno – 95% das consultas de atenção primária são em telemedicina. Esse é um número que a gente não viu no mundo. Não conhecemos uma operadora no mundo em que 19 das 20 consultas primárias são virtuais, só uma em cada 20 é física. A gente tem 2 clínicas físicas. É engraçado que eu falo com o nosso médico de família, eles falam que é difícil trazer as pessoas para o mundo físico. Eu brinco que quem paga boleto no celular não volta a pagar no banco. Então, a experiência de você passar por telemedicina com alguém que te conhece fica mais fácil ainda. Tinha um médico de família nosso comentando que as pessoas ligam do supermercado, fazem consulta do carro, do banheiro, dos lugares mais inusitados. As pessoas vão se acostumando a fazer consulta de pijama. Porque muita gente fala assim: “Nossa, eu vou ter que tomar banho, trocar de roupa, pegar o carro para lá. Eu acordei 8 horas da manhã, estou mal, estou doente, não estou bem para ir para o trabalho. Eu quero falar com meu médico de pijama”. A experiência é muito superior.
Agora, pensando no perfil dos clientes, quem a Sami atende no sentido de faixa etária?
Vitor Asseituno – Hoje a gente tem todas as idades. Até pela ANS, não podemos negar uma idade. Nossa maior faixa é entre 29 e 38. Então, é uma população em geral que já está casada. Às vezes tem um filho, às vezes não tem filho. Tem muito solteiro nessa faixa também. Mas é alguém que já está, provavelmente, há 5, 10 anos no mercado de trabalho. No primeiro momento em que as pessoas conseguem o primeiro emprego, não é plano de saúde que elas priorizam, mas sim viagem, educação, casa. Mas a partir de 5, 10 anos de vida profissional, talvez 15, as pessoas vão ter filho e/ou se casar. A partir dos 30 anos, todo mundo começa a sentir o joelho aqui, uma coisa ali, sempre aparece alguma coisa.
Nessa faixa as pessoas começam a ter a preocupação e a renda para poder contratar. Então, acaba sendo nosso público principal.
Há objetivo de diversificar?
Vitor Asseituno – Começamos no microempreendedor individual. Percebemos uma oportunidade de entrar no setor de saúde suplementar, como oportunidade inexplorada. Porque em 2010 foi criada uma lei do microempreendedor individual e antes de 2018 não estava claro se esse plano era individual ou empresarial. Só em 2018 que a ANS publicou uma norma dizendo que quem tem CNPJ, é plano empresarial. E mesmo assim, as empresas só vendiam planos a partir de 2 ou 3 vidas, tentando evitar riscos. Fomos os primeiros no Brasil a vender o MEI, uma vida. Nossa taxa de conversão de venda no primeiro ano foi o dobro do plano de negócio, porque realmente abrimos um oceano azul. A partir disso, passamos a vender 2 vidas, 5 vidas e começaram a surgir as empresas de 10, 20, 50 funcionários. Hoje a gente tem empresa de 700 funcionários como cliente. Para atender esse público de empresas maiores, a gente começou a expandir a oferta. Não bastava ter só em São Paulo. Hoje tem em Osasco, Guarulhos, Mauá, Diadema, ABC. A gente recentemente lançou coparticipação, que é um elemento importante nesta empresa. Lançamos recentemente um produto mais premium, com Sírio-Libanês, com Alta. Lançmos um produto para executivos, porque a gente entendeu que era importante para atender uma empresa de maneira completa, sem ele ter que contratar múltiplos planos, ainda no conceito de médico de família, ainda no conceito sem reembolso. Reembolso é um capítulo à parte, que a gente também não acredita no modelo, e as operadoras tradicionais aparentemente também não acreditam mais. Se não me engano, o reembolso é 14% do custo de um plano de saúde. Sem reembolso, de cara, conseguimos ser 14% mais barato, sendo que talvez 1/3 disso é fraude ou excessos. Então, é outro lugar que a gente ganha uma eficiência muito grande do começo. E a gente entende que a eficiência é o nome do jogo, especialmente num momento como esse, num país como o nosso.
Crescer para fora da região metropolitana de São Paulo está no radar?
Vitor Asseituno – A gente tem provocações, a gente já fez planejamentos. Todas as vezes que paramos para estudar modelos, entendemos que era melhor ser eficiente ao invés de ser grande. Eu brinco que ser uma operadora nacional que não controla sinistro, já tem várias. Ser uma operadora eficiente com sinistro controlado, com reajustes baixos, com uma jornada que faz sentido: esse é o desafio. É isso que no final do dia vai dar acesso para as pessoas poderem mudar a história da saúde que vão fazer o Brasil desafogar a fila do SUS, e ter acesso a um plano que entrega qualidade, a melhor evidência científica disponível num preço que ela pode ficar 10 anos no plano, sem preocupação.
Você trouxe exemplos de uso da tecnologia. Essa inteligência existe já dentro da Sami ou ela está começando?
Vitor Asseituno – Sempre procuramos os parceiros com essa visão de construir um ecossistema conectado. Quando eu falo parceiros, são os laboratórios, hospitais, clínicas, o próprio Gympass. Quando um parceiro não quer compartilhar, ele não acredita nisso. O que acontece muito é que o hospital não está preparado para fazer no primeiro momento. Mas quando chega o em que os dois estão no momento, aí casa. Com a BP foi assim. E a gente correu, deu um sprint de 3 meses e colocamos no ar. Hoje já tem mais 3 ou 4 hospitais conectados. E aí, no mesmo dia que a gente fez e concluiu o começo da troca de dados, eu lembro de mandar um WhatsApp para Lilian, que é a CIO, falando que estamos trocando dados e agora a gente vai descobrir para que serve isso, qual é o caso de uso, qual é de fato o retorno. De repente, a gente vai descobrir que é um dado que a gente troca, mas ninguém usa. O segredo agora é amadurecer esses modelos e os usos de dado, é entender para quê. E quando a gente começa a trocar dado, começamos também a voltar um passo atrás de questionar a qualidade dos dados trocados.
Por quê?
Vitor Asseituno – Porque quando ninguém está olhando o dado, ninguém sabe se é bom ou não. Quando você começa a olhar os dados, você questiona se está certo. E é preciso voltar um passo e treinar os médicos a imputar o dado corretamente. Eu lembro de um de um benchmark que a gente estudou. E quando eu perguntei para eles o qual que era o principal indicador de remuneração médica – e eu esperava que fosse reinternação, complicações, infecção – era usar o prontuário. Mas não é obrigatório? “Então, mas eles usam de qualquer jeito, eles usam depois, eles atendem de qualquer jeito e quando eles chegam em casa, preenche rapidinho, mas não de fato usam o sistema”. E se o sistema vai ser o seu guia, vai ser o seu Waze para guiar a coordenação de cuidado, a jornada, ele tem que usar o sistema completamente. Então, acho que há vários aprendizados e cada parceiro, em cada momento, a Sami também, está evoluindo nessa jornada um pouco mais. Queríamos tirar da frente a barreira mental de que ninguém troca. Todo mundo fala que determinado dado tem valor, mas não sabe quanto de valor tem. A própria LGPD, muitos parceiros falavam que não podiam compartilhar. Eu estudei bastante a LGPD nessa época e explicava que a LGPD dizia como fazer de maneira segura, não que não poderia trocar. Agora está descrito claramente como fazer. Cada etapa teve o seu aprendizado.
Como você pensa que isso vai beneficiar o ecossistema de saúde? Onde você vê mais potenciais?
Vitor Asseituno – Tem muita coisa. Acho que um dos aprendizados nossos como operadora é que a gente cuida de todas as especialidades. A gente paga todas as contas dos nossos membros, do ponto de vista de saúde. E cada especialidade é um mundo, então o que a gente tem feito muito é a jornada uma a uma. Pegamos, por exemplo, a ginecologia e percebemos que estava tendo, em algumas redes ambulatoriais, colocação de DIU intra-hospitalar mais do que deveria ser. Fomos lá com dados, comparamos com a literatura científica. E fomos corrigir. Em 3, 4 meses fizemos uma correção superlegal, rápida e custo-efetiva. Uma colocação de DIU intra-hospitalar está na média de 4 mil reais, enquanto uma ambulatorial está em 400 reais. Uma diferença de custo de 10 vezes. E a literatura diz que só 10% têm que ser feito intra-hospitalar. A indicação é para casos muito específicos. Só que se você não tem os incentivos corretos, se você não tem a literatura médica, sendo de fato cobrada dos médicos, você vai ver outras coisas. Outro exemplo do que a gente fez, por exemplo, foi em dermatologia. A gente tem hoje um parceiro de captação de dermatologia que está testando um modelo de jornada específica.
Então, acho que a troca de dados vem para que a gente possa entender a cadeia de valor de maneira mais ampla. E conseguir entrar em cada um desses casos e fazer essas melhorias.
Você acha que a gente está caminhando para que tenha mais espaço para esse tipo de conversa, com ação efetiva de fato? Ou você ainda sente uma resistência do setor de saúde?
Vitor Asseituno – Eu acho que o exemplo ajuda. A partir do momento que a gente está executando e as pessoas vejam os resultados, acho que mais gente vai perseguir o modelo. Uma grande vantagem que a gente teve no começo da estratégia de começar em São Paulo é porque em São Paulo a gente tinha mais oferta. Se eu não me engano, em São Paulo deve ter uns 80 hospitais. Então, a gente tinha 80 portas para bater e encontrar a pessoa que tivesse o mindset correto. No nosso caso foi a Denise [Santos, CEO] da BP, que é uma pessoa visionária que comprou a ideia, foi nosso primeiro hospital parceiro. E tem sido até hoje um grande parceiro. Outros hospitais não tiveram a mesma visão. E a partir do momento que isso vai ganhando volume, tinha no começo alguns hospitais que procuraram para credenciamento e falavam “só credenciamos operadora com CNPJ com mais de 5 anos”. Hoje é muito mais fácil porque a gente tem faturamento, vidas, histórico, imprensa. E mesmo quando a gente aborda parceiros atuais ou novos e traz as discussões muito para o nosso modelo, eles entendem com muito mais facilidade. Porque estão vendo esse modelo se materializar. Em todas as discussões com parceiros, sempre tentamos trazer para dentro para o valor. Eu preciso entregar uma medicina melhor, um custo menor, ou os dois. Porque no final do dia, tem que passar isso para o usuário. E às vezes as pessoas não entendem que 5% ou 10% de diferença no preço de uma coisa pode ser 5 milhões de pessoas a mais com plano de saúde. Então, nossa missão é ser muito eficiente sempre e se certificar que nossos parceiros estão entregando a melhor medicina no menor custo possível.
Você acha que a gente vai caminhar para esse cenário fora do fee for service? Ou você acha que vai ser uma coisa meio híbrida?
Vitor Asseituno – As pesquisas mais recentes e os especialistas não demonizam mais o fee for service. O próprio NHS, que é conhecido muito pelo modelo do médico de família e captation, recentemente está falando de captations mais fee for service. Porque ele percebeu, por exemplo, que os médicos de família não estavam colocando DIU, mas é uma função que o médico de família pode fazer. E aí começaram a colocar um fee for service para colocação de DIU, especificamente, para que o médico de família se estimulasse a colocar e não ter que passar tudo para o ginecologista. Então, o sistema se ajeita, o modelo de VHBC não é um modelo sempre evolutivo. Você vai lá, coloca um incentivo e começa a direcionar para onde quer. Acho que o segredo de uma estratégia de é com dados. Porque se não tiver dados, como vou checar se esse modelo está correto? Quando eu começo o modelo de remuneração diferente, eu já parto do pressuposto de que ele está errado, porque é impossível que a primeira vez que eu esteja fazendo eu acerte. Só que preciso dos dados para poder checar o modelo e fazer a melhoria contínua. E se eu não tenho isso, o hospital também deixa de melhorar. Muitas vezes o hospital prestador tenta melhorar com os próprios dados. Só que você não vê que você teve a reinternação em outro hospital, pessoas que vieram para o pronto-socorro. Você considerou que ela não voltou, isso foi taxa de resolutividade, só que foi para outro lugar. Quem vê isso? Essa parceria é fundamental. Se um hospital, um médico, quer ser o melhor na sua área de especialidade, na área de estratégia, ter um parceiro como a Sami, que está trocando o dado, está trazendo o feedback, está colocando incentivos na direção certa e evolutivos, é um ganho gigante para que ele possa ser o melhor hospital em sua estratégia.
Médico de família é um gargalo no Brasil?
Vitor Asseituno – Hoje nem tanto. Eu acho que essa onda aquece e desaquece. Mas há uma coisa que a gente tem que falar e repetir muito. Atenção primária é fortemente também um trabalho de enfermagem – isso se ela não for majoritariamente um trabalho de enfermagem. Então, uma coisa que precisamos mudar um pouco no brasileiro é a criação da consulta de enfermagem. Existe um código x, que é consulta de enfermagem, que resolve um monte de coisa, que tem orientação, que eventualmente prescreve. E o Brasil é um dos maiores países com enfermeiro do mundo. Então, a primeira coisa é que não é para ter falta de mão de obra. Segunda coisa é que não precisa ser só o médico de família. Eu acho que a gente conversou com médico de família para criar um pouco a cultura, conhecer um pouco o modelo, mas eu acho que qualquer médico, um clínico geral, um cárdio, endócrino e muitos modelos bem-sucedidos na atenção primária, trabalham com especialista na figura também de médico de família. Inclusive, alguns modelos trabalham com ele como médico de família em um período e especialista em outro. Então, é muito mais a mentalidade e o processo do que a formação em si.
Voltando aos dados, como vocês esperam utilizar isso cada vez mais?
Vitor Asseituno – Eu digo que, no futuro, todos estaremos em clinical trials. Porque quando você faz uma consulta médica, o dado colocado no prontuário tem que virar pesquisa. E boa parte dos dados hoje estão jogados numa gaveta. E a gente fica fazendo perguntas da medicina sobre se os medicamentos funcionam, se isso, aquilo… quando boa parte das respostas estão em prontuários escondidos em papel, numa gaveta ou num prontuário que não conversa com nada ou que ninguém olha. Então, todo dado de um atendimento tem que virar conhecimento, anonimizado, com todos os cuidados etc. Mas ele tem que virar conhecimento. Se deu medicamento para alguém, para uma doença e não funcionou, quem está olhando? Como essa vigilância após lançamento está acontecendo com drogas novas? A gente precisa investir muito mais em evidência científica.
Tem pesquisas que mostram que em alguns hospitais brasileiros, metade das pessoas não tinha que estar internada. Mas quem que está olhando evidência?
Tem um artigo do New England que diz que metade do que a gente faz na medicina está errado, desatualizado ou não tem evidência. O que significa talvez no Brasil que dos 240 bilhões de reais da saúde suplementar – que é a soma do faturamento das operadoras, basicamente o que elas gastam em contraprestação –, 120 bilhões de reais estamos usando em coisas que não tem evidência científica, estão errados ou desatualizados. Quem está medindo? Quem está checando evidência? E se metade do que a gente faz não tem evidência, quem está criando evidência para acabar com isso? Então, muito do nosso trabalho, presente e futuro tem que ser criação de evidência. Começar a fazer uma conta cada vez melhor para os nossos pacientes.
Nesse cenário de tendências e de envelhecimento da população, como ser custo efetivo?
Vitor Asseituno – Eu acho que o mistério do idoso, em parte, está parcialmente resolvido, na minha visão. Eu acho que quando a gente olha operadoras como Med Sênior, Prevent Sênior, operadoras verticalizadas, que é o modelo mais tradicional, focado em idoso, que fizeram um bom trabalho de gestão, elas têm um bom sinistro. As operadoras têm mais dificuldade em ter um bom sinistro em criança do que idoso. É mais difícil ter margem em crianças do que em idoso. Então, eu acho que a gente vai resolver isso. E eu acho que se uma pessoa ficar na Sami 30 anos, quando ela estiver com 60 provavelmente o perfil de saúde, o status de saúde dela vai ser muito melhor do que de uma operadora que não cuida dos membros de maneira ativa. Temos menos essa preocupação. A preocupação existe do ponto de vista da previdência no Brasil, claramente. Mas acho que isso também tende a se ajustar com os tíquetes ao longo dos anos. Porque a gente está envelhecendo rápido, sim, mas há reajustes altos para os clientes. Acho que essa combinação do mercado vai se encaixar, em que você vai ter, talvez, os jovens pagando um pouco a mais, porque serão menos jovens, em número menor, para conseguir cobrir mais do custo da carteira dos idosos, que é o tal do pacto intergeracional, que os mais novo cobrem o gasto de sinistro dos mais velhos.
Você sente que as outras operadoras também então trazendo esses contextos mais para o dia a dia delas?
Vitor Asseituno – Com certeza, não tenho dúvida. Quando eu comentei, por exemplo, que a Sami foi o primeiro plano a vender para MEI, uma vida, já não somos a única. Ainda são poucas, mas a gente foi a primeira. Quando a gente foi o primeiro a oferecer Gympass no plano, já não somos a única. A questão do médico de família, acho que todo mundo estava empurrando essa tendência e é positivo quando passam a fazer, porque é uma mudança cultural grande. Que bom que não é só o meu budget de marketing, porque sozinho é mais difícil, então que bom que está todo mundo gastando para educar o mercado nessa direção. Mas eu acho claramente que a Sami é um trendsetter, do ponto de vista das pessoas olharem para o que estamos fazendo. Tem muita coisa lá no forno que eu espero em breve lançar. Mas eu acho isso positivo e não tem como, o pessoal fala que teve uma ideia hoje, mas tiveram mais 10 pessoas na Índia, 15 na China que tiveram a mesma ideia sem execução. Por mais que a Sami queira ser uma empresa enorme e atender 10, 20 milhões de brasileiros, enquanto tiver brasileiros sem plano, a gente tem trabalho para fazer, não tem linha de chegada para o que a gente está fazendo. Mas quanto mais rápido o mercado for para essa direção, mais rápido a gente vai ajudar a sanar o problema que é muito grande.
Para onde estão os olhares da Sami no curto e médio prazo?
Vitor Asseituno – Eu acho que no curto prazo, a gente está olhando muito para dentro. E é uma operação complexa, operação de plano de saúde. Sempre tem muita coisa para fazer, muita ineficiência às vezes interna por coisas manuais, que começa a fazer no começo, depois tem que automatizar. Como não somos uma rede 100% verticalizada, trabalhamos com hospitais parceiros e laboratórios, a gente acaba carregando um pouco de ineficiência desses parceiros que eu preciso automatizar, preciso ajudar nesse processo. Sempre tem muito trabalho para fazer para melhorar a experiência dos clientes, tornar a jornada mais fluida. Tem muita coisa. Ainda tem muita especialidade, muita jornada para ser arrumada. E parceiros para a gente aprofundar. Não é porque lançamos uma coisa que ela está pronta. A gente lança para começar a fazer e aí tem muito aperfeiçoamento depois daquilo. É um negócio que esse ano deve dobrar e ano que vem deve seguir mais ou menos nesse ritmo. Tem muito a questão de acesso, trazer volume, criar canais de aquisição. Hoje, a Sami é uma empresa multicanal.
Verticalizar não está nos planos?
Vitor Asseituno – Não. O Brasil tem muito ativo. Tem déficit de leitos, acho que tem alguma questão de distribuição geográfica, de ter uma distribuição melhor. Mas o tamanho da ineficiência é tão grande que não acho que o problema está lá. Por exemplo, táxi, Uber o problema não era de qualidade de carro, o problema era o processo, era tecnologia, incentivo. Pensa nesse exemplo que eu dei antes, que em alguns hospitais, infelizmente, por falta de evidência ou incentivos errados, metade das pessoas internadas não precisavam estar internadas. Se eu corrigisse incentivos, vou ter metade dos hospitais vazios. Então, eu tenho tem espaço. Se eu tiver que investir um bilhão de dólares em tecnologia ou em tijolo, hoje a gente vai investir em tecnologia. Não por entender que tecnologia resolve tudo, você tem que ser muito preciso. Tem uma coisa que eu aprendi com o José Augusto, da Unimed BH, que agora está na Nacional: modelo assistencial correto, incentivos corretos e tecnologia para alavancar isso. A gente vê algumas empresas que falam para jogar tecnologia que vai resolver. Se você não tiver os incentivos corretos, se você não souber que desenho assistencial está construindo, vira um app, não vira uma operadora, uma jornada, um sistema de saúde eficiente, alavancado por tecnologia e incentivos. Então, acho que o grande trunfo da Sami foi ter escolhido o modelo assistencial correto e comprado a briga dele, está corrigindo incentivos e por ser uma operadora, naturalmente os incentivos alinhados para isso. E aí sim, está alavancando tecnologia nos lugares certos com muito foco onde tem que se investir em tecnologia.
Quais pautas a gente deve ficar de olho tanto para esse segundo semestre e até para o ano que vem?
Vitor Asseituno – Hoje, acho que falta no Brasil uma liderança que esteja olhando para a saúde, de fato, do ponto de vista político. Eu acho que a gente tem muitos mandos e desmandos de inclusões de coisas e de mudança de regras e não sei se tem alguém juntando essa colcha de retalhos e falando, “eu estou desenhando um sistema de saúde mais eficiente”. Quando a gente olha a história de Cingapura, por exemplo, teve um plano, uma liderança muito clara, com muita pesquisa, sabendo das limitações, e falou, “eu vou construir esse plano, que vai ser dessa forma e eu vou liderar a execução até isso acontecer”. No Brasil, a gente tem muitos poderes, muitos interesses, é um país grande e complexo, um envolvimento crescente da sociedade civil nas decisões, falta de conhecimento às vezes sobre o impacto das decisões que são feitas. E falta um líder com essa visão sistêmica. Outro dia uma empresa fez uma análise sobre a inclusão daquele medicamento de 9 milhões, e aumentaria 40 reais a mais por cabeça de plano de saúde para poder cobrir aquelas pessoas que precisam da droga. Num país em que o tíquete médio é 300 reais, estou falando da inclusão de uma droga que está aumentando em 15% o preço de todo mundo. A gente sabe que quando se aumenta preço, você exclui as pessoas. Então, quanto que o aumento de 15% de um plano de saúde para inclusão de uma droga exclui em pessoas do sistema de saúde? Essa é uma conta que talvez alguns países como Inglaterra fazem melhor do que nós. Eu acho que falta alguém, seja quem for, uma agência, um Ministério, um governo, mas alguém que esteja olhando e fazendo essa conta. Não tem inovação, se não tiver acesso. Eu acho que esse é o grande desafio.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Aqui é a Beatriz Correia, achei seu artigo excelente! Ele
contém um conteúdo extremamente valioso. Parabéns
pelo trabalho incrível! Nota 10.
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