Velhice é doença? Entenda a nova classificação da OMS

Velhice é doença? Entenda a nova classificação da OMS

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) optou por

By Published On: 21/06/2021

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) optou por alterar a palavra “senilidade” por “velhice” na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). A nomenclatura tem até o ano de 2022 para entrar em vigor pela organização e começou a ser discutida pela sociedade nas últimas semanas, mas a adoção do termo é opcional para cada país. 

Segundo a advogada, pesquisadora e bioeticista Luciana Dadalto, a alteração tem sido interpretada erroneamente: “Tecnicamente falando, o que a OMS fez na nova classificação não foi tornar a velhice uma doença, mas sim substituir uma nomenclatura que já existia, para falar de sintomas e condições. Como o termo foi muito criticado na atualização anterior, a OMS optou por substituir por velhice. Não é o melhor termo, mas não se trata de uma nova doença e sim de uma condição”.

A discussão sobre a palavra velhice ser incluída na lista de doenças se iniciou em 2007 na OMS, mas passa pelos centros acadêmicos através dos tópicos de filosofia, ética, ciência e negócios desde os anos 1950. A questão toda parte dos conceitos de duas palavras.

Enquanto a senescência é normalmente definida como uma forma de envelhecer sem doenças, o seu real significado “tem a ver com o envelhecimento bem sucedido. O indivíduo até pode ter algum problema de saúde, mas ainda desempenha suas funções de forma adequada, se sentindo satisfeito e realizado”, explica o médico geriatra Maurício de Miranda Ventura, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo. Já a senilidade está atrelada ao envelhecer com condições patológicas e limitantes para a funcionalidade, fazendo com que o idoso passe a depender do auxílio de outras pessoas.

Controvérsia

Considerando o senso comum, de que os mais velhos possuem mais doenças, pode parecer que a alteração para “velhice” não seja um problema. Contudo, os especialistas não estão em consenso com a Organização Mundial da Saúde quanto a essa decisão. Por enquanto, ainda não se sabe o que a nova nomenclatura poderá causar para os planos de saúde, previdência social e demais políticas públicas para idosos.

Mesmo assim, um dos primeiros problemas a ser citado por Ventura é o estigma em relação aos idosos: “Classificar o idoso como doente é dizer que ele é incapaz, e ele não é incapaz. O envelhecimento é uma fase da vida, assim como a infância e a puberdade. Se uma senhora é uma boa cozinheira e envelhece bem, ela continuará cozinhando bem. Se um senhor envelhece bem e é responsável por seus compromissos financeiros, ele continuará administrando bem seus recursos financeiros quando estiver com 80 ou 90 anos. Não é a idade que vai impedir”. 

Para Ventura, outro grande temor dessa decisão é a tentativa de curar algo intrínseco à vida: “Se o envelhecimento for uma doença, como vamos tratar? Vamos oferecer hormônios para deixá-lo mais forte e ao mesmo tempo aumentar o risco da pessoa de ter um câncer de fígado, um ataque cardíaco ou algo assim? O que temos medo nessa proposta é que o tratamento antienvelhecimento comece a ganhar força. Surgem ‘fórmulas da juventude’, mas não é bem assim”. O médico afirma também que, pelo menos até este momento, a postura da SBGG é clara quanto à questão: velhice não é doença.

Outro ponto a ser considerado, é quando uma morte é associada ao fato do indivíduo ter envelhecido. Para o médico, isso é “uma grande bobagem. Falar que alguém morreu de velhice é colocar debaixo do pano uma situação em que não se entendeu totalmente o que aconteceu”. Como exemplo, ele cita o caso do recém falecido Príncipe Philip de Edimburgo, que faleceu aos 99 anos, após passar por uma cirurgia cardíaca e permanecer 30 dias em internação pós operatória: “Na realidade, ele já tinha histórico de doença cardíaca e aos 99 anos, uma coisa que a idade traz é a dificuldade de se recuperar após algum evento agudo, seja uma pneumonia ou intervenção cirúrgica. Aqueles 30 dias em que ele estava internado influenciaram o óbito”.

Nesse contexto, Luciana Dadalto também demonstra receios: “Acredito que essa mudança oferece munição para pessoas que consideram a velhice como uma doença propriamente dita, pois apesar de não estar em um capítulo que se classifica como doença, o termo estará dentro de um documento chamado Classificação Internacional de Doenças”.

Questionamento filosófico e cultural

Em volta deste tema há diferentes conceitos. Da pílula da juventude, ao transhumanismo (substituição de órgãos por tecnologias), ou ao nitrogênio que visa guardar o corpo durante anos até que seja a hora de acordar (escolhida pelo indivíduo), Dadalto afirma que surge a seguinte questão: “tudo isso não irá nos descaracterizar como seres humanos? o que estamos fazendo com a nossa humanidade?”

Do ponto de vista da bioética, a advogada explica que não há certo ou errado, entretanto “sabemos que temos um processo natural de envelhecimento que começa desde o dia em que nascemos. Tratar a velhice como uma patologia e, consequentemente, como algo curável, significa querer reverter a naturalidade do nosso ser”, analisa Dadalto.

Por fim, há a questão cultural. Para o médico geriatra da SBGG, no mundo “temos culturas que valorizam muito os idosos, tentam aprender com a experiência deles e se relacionar de uma forma muito saudável, aprendendo e trocando experiências”. Por outro lado, Dadalto relembra pontos do início da pandemia pelo coronavírus, onde a desvalorização dos mais velhos ganhou destaque: “Em 2020 houve a confusão com os protocolos de alocação dos recursos escassos, com diversos profissionais de saúde, pesquisadores e outros defendendo que deveríamos oferecer os leitos primeiro para os mais jovens em detrimento dos mais velhos. Isso mostra muito de quem somos em sociedade”.

Letícia Maia

Estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero. Fez cursos voltados para comunicação científica da Oxford-Brazil EBM Alliance e do Knight Center for Journalism in Americas. Email: leticia@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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