Phygital: do digital para o real, e do real para o digital
O chamado conceito phygital ganha espaço no segmento de saúde com soluções que mesclam o universo offline com o online
Por Theo Ruprecht
O chamado conceito phygital ganha espaço no segmento de saúde com soluções que mesclam o universo offline com o online
Por Theo Ruprecht
Na Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos (SP), só 30% dos moradores têm telefone celular – e nem todos são smartphones. Para cerca de dois terços dessa população, portanto, o acesso a diversos elementos da tão aclamada saúde digital fica comprometido, para dizer o mínimo. Mas um projeto recentemente lançado pelo Grupo Fleury em conjunto com a ONG Gerando Falcões nessa comunidade mostra o potencial de um conceito que recebeu o nome de phygital (“phy” de “physical”, ou “físico” em português; e “gital” de “digital”).
Em resumo, foi instalada uma cabine na qual as pessoas da região entram e se consultam com um profissional de saúde via telemedicina. Mas essa instalação não conta apenas com câmera e acesso à internet. Há equipamentos para auscultar o coração e os pulmões, para ver lesões de pele, o fundo da garganta e os ouvidos, para medir a temperatura… “Temos diferentes recursos de telepropedêutica. Ou seja, formas de fazer uma avaliação física com recursos digitais”, conta a endocrinologista Ana Claudia Pinto, diretora médica do serviço de Saúde Digital do Grupo Fleury. “Com isso, conseguimos oferecer uma boa atenção primária mesmo a quem tem maior dificuldade de acesso a serviços de saúde”, completa. É esse tipo de união entre o universo digital e o mundo que se encaixa na concepção phygital.
Muitos dos problemas de saúde já são resolvidos ou direcionados ali mesmo, porém o projeto da cabine na Favela dos Sonhos ainda possui uma ligação com postos de saúde nas imediações. Caso necessário, o médico pede exames ou medidas adicionais e o paciente já sai da cabine com os próximos passos definidos. Há a expectativa de outras cabines serem instaladas na Favela Marte, em São José do Rio Preto (SP), e outras comunidades.
“Estamos explorando os benefícios que essas cabines oferecem. Já estamos fazendo testes inclusive dentro de algumas empresas”, ressalta Ana Cláudia Pinto. Em outras palavras, o olhar phygital abre novos negócios no segmento da saúde e, acima de tudo, aumenta a qualidade e o acesso a serviços na área. Por outro lado, uma visão exageradamente entusiasmada ameaça escantear o usuário para um segundo plano, como veremos adiante. “A tecnologia é uma aliada fundamental para avançarmos na Atenção Primária à Saúde, para que os cuidados estejam cada vez mais associados à prevenção. Isso nos permite realizar uma efetiva coordenação de cuidados para essa população da Favela do Sonhos com base em informações adequadamente armazenadas em um prontuário eletrônico, a exemplo dos serviços que realizamos para empresas e operadoras de saúde que nos contratam”, realça a médica.
Apesar do exemplo da Favela dos Sonhos, a bem da verdade os smartphones foram decisivos para a disseminação do conceito phygital. Mas vamos por partes: a popularização da internet na década de 1990 apresentou o potencial do universo digital, mas naquela época esse ambiente era bastante apartado do mundo físico. Ou a pessoa exercia uma atividade integralmente em um ambiente offline ou, por outro lado, em um online.
Já no fim da primeira década dos anos 2000, os smartphones começam a agregar recursos que aproximam os dois meios. Os usuários passaram a traçar rotas no trânsito com base em mapas disponibilizados por aplicativos, a acessar conteúdos por meio de QR Codes, e por aí vai.
O segmento da saúde também passou por uma revolução. É verdade que os chamados dispositivos vestíveis (os wearables, no apelido em inglês) já traziam um quê de phygital desde antes da disseminação dos smartphones. Não é de hoje, por exemplo, que se vê corredores de rua com uma fita ao redor do peito e um relógio especial no pulso que aponta a frequência cardíaca.
Mas os wearables da década passada eram restritos a um público específico, e seus recursos, mais limitados. “Hoje um celular relativamente simples estima até a qualidade do sono do proprietário”, aponta Edgar Rizzatti, diretor executivo Médico, Técnico e de B2B do Grupo Fleury.
Apesar desses avanços incrementais, a pandemia catalisou as experiências phygital, principalmente por meio dos teleatendimentos. “Antes dela, o próprio modelo de financiamento em saúde não favorecia a saúde digital”, lembra Ana Cláudia Pinto.
As fontes pagadoras, como os seguros de saúde, remuneravam os profissionais eminentemente com base em consultas ou procedimentos presenciais, por exemplo. O teleatendimento era inclusive desestimulado pela falta de uma regulamentação clara por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM), que gerava inseguranças inclusive de ordem jurídica.
Com a chegada da Covid-19, um arcabouço legal, mesmo que provisório, foi criado para amparar os brasileiros durante os períodos mais intensos de isolamento social. Em maio deste ano, essa regulamentação finalmente ganhou um caráter definitivo.
“A regulamentação incentivou a remuneração de diferentes tipos de atendimento com apoio na saúde digital, o que incentivou o mercado e permitiu novas explorações”, analisa Ana Cláudia Pinto. A demora brasileira em incorporar oficialmente a telemedicina (e seus penduricalhos) é vista inclusive como um dos motivos pelos quais nosso país ainda corre atrás do atraso na saúde digital.
“Com a Covid-19 e a nova regulamentação, os profissionais de saúde passaram a precisar, da noite para o dia, de instrumentos que os conectassem com segurança aos pacientes e permitissem realizar alguns exames”, destaca Rizzatti. O Grupo Fleury disponibilizou logo nos primeiros meses da pandemia uma plataforma para os médicos atenderem seus pacientes. É uma espécie de consultório virtual oferecido gratuitamente para o especialista, onde ele consegue fazer prescrições, guardar registros, organizar a agenda e se comunicar com segurança, sem risco de vazamento de dados sensíveis. Quase 2 mil médicos recorrem a essa plataforma até hoje para viabilizar seus atendimentos virtuais.
O Grupo Fleury também criou um serviço voltado para clientes, empresas e operadoras de saúde que já superou a marca de 1,4 milhão de teleconsultas. Em outro conteúdo da série Tudo Sobre – sobre ecossistemas de saúde – essa temática foi abordada.
As soluções phygital bebem de diferentes fontes. Os sensores de um celular que captam sinais vitais e os transmitem para profissionais, por exemplo, dependem de tecnologia de ponta. A telemedicina, além disso, exige conexões de internet modernas para ocorrer sem entreveros. Aliás, cirurgias robóticas feitas à distância (quando o médico que opera a máquina está em uma cidade, e o paciente, em outra) potencializam a necessidade de redes estáveis e de alta velocidade.
A automatização de atendimentos mais simples (que fazem a triagem e até oferecem recomendações) depende da inteligência artificial, que cria algoritmos para lidar com diferentes situações – e, se for o caso, direciona o usuário para um profissional de carne e osso. E mesmo quando o profissional é recrutado, muitas vezes ele se apoia em instrumentos de Big Data para criar algum sentido em meio a milhares de estudos e dados espalhados na rede e, a partir daí, apontar uma linha de tratamento eficaz e personalizada para quem está do outro lado da mesa.
“5G, internet das coisas, Big Data, inteligência artificial, biossensores… a aplicação desses diferentes recursos aumenta a qualidade do cuidado e barateia custos”, afirma Rizzatti. Ao contrário do que se pode pensar, Rizzatti destaca que a valorização da saúde digital é uma forma de enfrentar a desigualdade social do Brasil, que restringe o acesso a um bom cuidado de saúde.
A médica Ana Claudia Pinto destaca inclusive que o conceito phygital e a saúde digital de forma mais ampla têm o potencial de assegurar uma alta qualidade de assistência. Veja: atualmente o atendimento em saúde ainda depende muito da formação de cada profissional que lida com o paciente. Se ele está desatualizado, corre o risco de não tomar as melhores decisões.
Por outro lado, a inteligência artificial e o big data criam (e aperfeiçoam) protocolos com base nas melhores evidências científicas e, a partir daí, direcionam o paciente de acordo com as melhores práticas disponíveis para cada situação. “Imagine uma plataforma na qual você pode inserir sintomas ou mesmo ser avaliado por meio de sensores. Com essas informações, algoritmos vão fazendo perguntas para entender seu estado de saúde. Conforme a triagem evolui, a ferramenta pode fazer uma recomendação mais básica ou, dependendo da situação, encaminhá-lo para um profissional”, exemplifica Ana Cláudia Pinto. Esse profissional também receberá insumos dessas tecnologias para minimizar o risco de tomar uma decisão errada baseada em falta de conhecimento. “Os algoritmos elevam a régua do cuidado”, resume a médica.
Esse tipo de experiência ainda precisa evoluir consideravelmente para alcançar o grosso da população, mas a verdade é que já está no radar das empresas do setor. “Hoje temos um pronto atendimento digital que a pessoa pode acessar 24 horas e receber orientações de um profissional. E já há protocolos para que a equipe de saúde verifique se as recomendações resolveram o problema do usuário. A ideia é evoluir esse tipo de produto, até porque ele tem o potencial de desafogar o sistema de saúde”, destaca Ana Cláudia Pinto.
Na prática de pesquisa, a ascensão do conceito phygital possibilitou até mesmo novos experimentos. O teste de velocidade de hemossedimentação (VSH), por exemplo, é um exame de laboratório indicado frequentemente para avaliar inflamações, infecções, entre outras coisas. Como vários outros exames, seus valores de referência – o que é considerado normal e o que não é – está ancorado em dados da literatura científica. Mas nem sempre esses dados são representativos da nossa população, o que pode gerar distorções.
Em um estudo publicado no ano passado, pesquisadores do Grupo Fleury aproveitaram os dados de amostras coletadas de quase 2 milhões de pacientes para validar esses valores de referência, de acordo inclusive com a faixa etária e o sexo. E houve mudanças em relação aos índices originais. “Em face dos avanços metodológicos, das mudanças ambientais e fisiológicas da população, os valores tiveram que ser revistos”, contextualiza Maria de Lourdes Chauffaille, médica e pesquisadora do Grupo Fleury por trás da investigação. “Com a mudança, ganhamos maior precisão para diferenciar um estado saudável de um patológico”, completa.
De um lado, amostras coletadas no mundo real deram insumos para que, do outro, ferramentas digitais processassem largas quantidades de dados para atualizar um protocolo.
Do manejo de insumos à organização das internações, a gestão das instituições de saúde é outra área que tem muito a ganhar ao aproximar o ambiente físico do digital. É possível, por exemplo, que algoritmos verifiquem o ritmo de uso de um medicamento e, de acordo com o estoque disponível, sinalizem a necessidade de novas compras.
“Os próprios equipamentos onde fazemos os exames podem começar a apresentar um padrão alterado nos resultados que é captado por sistemas digitais. Aí sabemos precocemente que é hora de fazer reparos ou trocar a máquina”, destaca Rizzatti.
O mesmo vale para o monitoramento dos pacientes. Através das inúmeras informações em tempo real que um único indivíduo apresenta durante uma internação, por exemplo, softwares podem captar sinais iniciais de agravamento de um quadro e permitir uma intervenção no melhor momento possível.
Um cenário tão otimista, entretanto, esconde uma armadilha. A de que as soluções phygitais sejam vistas com tanto entusiasmo que o foco no problema do paciente se perca. “Se um telefonema ou uma simples mensagem de texto dão conta do recado, para que inventar um aplicativo cheio de complexidades?”, questiona Ana Cláudia Pinto. “Nós precisamos nos concentrar na solução que melhor atende o paciente”, complementa.
Alguns Serviços de Atendimento ao Cliente (SACs) automatizados ilustram outro caminho perigoso do phygital: o de focar apenas nas necessidades da empresa, e não nas do paciente. Robôs que que fazem as vezes de atendentes telefônicos certamente dispensam um número considerável de contratações, mas não raro geram dor de cabeça para o usuário, que fica preso em respostas padronizadas que não resolvem sua situação.
“Recursos tecnológicos devem ser usados para humanizar o atendimento, não o contrário. E isso é possível”, reitera Ana Cláudia Pinto. A médica traz o exemplo de um estudo de 2018 publicado no periódico JAMA. Com base em dados de 4.510 adultos dos Estados Unidos, os pesquisadores notaram que mais de 60% decidiam não compartilhar certas informações médicas relevantes com os profissionais por constrangimento. “Tecnologias da informação e comunicação podem contribuir aí. Elas podem oferecer uma ferramenta digital para os pacientes reportarem questões mais delicadas antes da consulta, e evitar o constrangimento de proferi-las face a face, minimizando essas omissões, por exemplo”, conclui Ana Cláudia Pinto.
Seção do Futuro da Saúde dedicada a explorar as temáticas mais diversas do universo da saúde em profundidade, trazendo o contexto histórico, a análise do presente e as projeções para o Futuro.
Um espaço para se informar e refletir sobre inovação, saúde mental e prevenção de doenças. Futuro da Saúde produz conteúdo digital em diversas plataformas sobre os rumos da saúde no Brasil e no mundo, de forma compreensível e com credibilidade.
O chamado conceito phygital ganha espaço no segmento de saúde com soluções que mesclam o universo offline com o online
Por Theo Ruprecht
Na Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos (SP), só 30% dos moradores têm telefone celular – e nem todos são smartphones. Para cerca de dois terços dessa população, portanto, o acesso a diversos elementos da tão aclamada saúde digital fica comprometido, para dizer o mínimo. Mas um projeto recentemente lançado pelo Grupo Fleury em conjunto com a ONG Gerando Falcões nessa comunidade mostra o potencial de um conceito que recebeu o nome de phygital (“phy” de “physical”, ou “físico” em português; e “gital” de “digital”).
Em resumo, foi instalada uma cabine na qual as pessoas da região entram e se consultam com um profissional de saúde via telemedicina. Mas essa instalação não conta apenas com câmera e acesso à internet. Há equipamentos para auscultar o coração e os pulmões, para ver lesões de pele, o fundo da garganta e os ouvidos, para medir a temperatura… “Temos diferentes recursos de telepropedêutica. Ou seja, formas de fazer uma avaliação física com recursos digitais”, conta a endocrinologista Ana Claudia Pinto, diretora médica do serviço de Saúde Digital do Grupo Fleury. “Com isso, conseguimos oferecer uma boa atenção primária mesmo a quem tem maior dificuldade de acesso a serviços de saúde”, completa. É esse tipo de união entre o universo digital e o mundo que se encaixa na concepção phygital.
Muitos dos problemas de saúde já são resolvidos ou direcionados ali mesmo, porém o projeto da cabine na Favela dos Sonhos ainda possui uma ligação com postos de saúde nas imediações. Caso necessário, o médico pede exames ou medidas adicionais e o paciente já sai da cabine com os próximos passos definidos. Há a expectativa de outras cabines serem instaladas na Favela Marte, em São José do Rio Preto (SP), e outras comunidades.
“Estamos explorando os benefícios que essas cabines oferecem. Já estamos fazendo testes inclusive dentro de algumas empresas”, ressalta Ana Cláudia Pinto. Em outras palavras, o olhar phygital abre novos negócios no segmento da saúde e, acima de tudo, aumenta a qualidade e o acesso a serviços na área. Por outro lado, uma visão exageradamente entusiasmada ameaça escantear o usuário para um segundo plano, como veremos adiante. “A tecnologia é uma aliada fundamental para avançarmos na Atenção Primária à Saúde, para que os cuidados estejam cada vez mais associados à prevenção. Isso nos permite realizar uma efetiva coordenação de cuidados para essa população da Favela do Sonhos com base em informações adequadamente armazenadas em um prontuário eletrônico, a exemplo dos serviços que realizamos para empresas e operadoras de saúde que nos contratam”, realça a médica.
Apesar do exemplo da Favela dos Sonhos, a bem da verdade os smartphones foram decisivos para a disseminação do conceito phygital. Mas vamos por partes: a popularização da internet na década de 1990 apresentou o potencial do universo digital, mas naquela época esse ambiente era bastante apartado do mundo físico. Ou a pessoa exercia uma atividade integralmente em um ambiente offline ou, por outro lado, em um online.
Já no fim da primeira década dos anos 2000, os smartphones começam a agregar recursos que aproximam os dois meios. Os usuários passaram a traçar rotas no trânsito com base em mapas disponibilizados por aplicativos, a acessar conteúdos por meio de QR Codes, e por aí vai.
O segmento da saúde também passou por uma revolução. É verdade que os chamados dispositivos vestíveis (os wearables, no apelido em inglês) já traziam um quê de phygital desde antes da disseminação dos smartphones. Não é de hoje, por exemplo, que se vê corredores de rua com uma fita ao redor do peito e um relógio especial no pulso que aponta a frequência cardíaca.
Mas os wearables da década passada eram restritos a um público específico, e seus recursos, mais limitados. “Hoje um celular relativamente simples estima até a qualidade do sono do proprietário”, aponta Edgar Rizzatti, diretor executivo Médico, Técnico e de B2B do Grupo Fleury.
Apesar desses avanços incrementais, a pandemia catalisou as experiências phygital, principalmente por meio dos teleatendimentos. “Antes dela, o próprio modelo de financiamento em saúde não favorecia a saúde digital”, lembra Ana Cláudia Pinto.
As fontes pagadoras, como os seguros de saúde, remuneravam os profissionais eminentemente com base em consultas ou procedimentos presenciais, por exemplo. O teleatendimento era inclusive desestimulado pela falta de uma regulamentação clara por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM), que gerava inseguranças inclusive de ordem jurídica.
Com a chegada da Covid-19, um arcabouço legal, mesmo que provisório, foi criado para amparar os brasileiros durante os períodos mais intensos de isolamento social. Em maio deste ano, essa regulamentação finalmente ganhou um caráter definitivo.
“A regulamentação incentivou a remuneração de diferentes tipos de atendimento com apoio na saúde digital, o que incentivou o mercado e permitiu novas explorações”, analisa Ana Cláudia Pinto. A demora brasileira em incorporar oficialmente a telemedicina (e seus penduricalhos) é vista inclusive como um dos motivos pelos quais nosso país ainda corre atrás do atraso na saúde digital.
“Com a Covid-19 e a nova regulamentação, os profissionais de saúde passaram a precisar, da noite para o dia, de instrumentos que os conectassem com segurança aos pacientes e permitissem realizar alguns exames”, destaca Rizzatti. O Grupo Fleury disponibilizou logo nos primeiros meses da pandemia uma plataforma para os médicos atenderem seus pacientes. É uma espécie de consultório virtual oferecido gratuitamente para o especialista, onde ele consegue fazer prescrições, guardar registros, organizar a agenda e se comunicar com segurança, sem risco de vazamento de dados sensíveis. Quase 2 mil médicos recorrem a essa plataforma até hoje para viabilizar seus atendimentos virtuais.
O Grupo Fleury também criou um serviço voltado para clientes, empresas e operadoras de saúde que já superou a marca de 1,4 milhão de teleconsultas. Em outro conteúdo da série Tudo Sobre – sobre ecossistemas de saúde – essa temática foi abordada.
As soluções phygital bebem de diferentes fontes. Os sensores de um celular que captam sinais vitais e os transmitem para profissionais, por exemplo, dependem de tecnologia de ponta. A telemedicina, além disso, exige conexões de internet modernas para ocorrer sem entreveros. Aliás, cirurgias robóticas feitas à distância (quando o médico que opera a máquina está em uma cidade, e o paciente, em outra) potencializam a necessidade de redes estáveis e de alta velocidade.
A automatização de atendimentos mais simples (que fazem a triagem e até oferecem recomendações) depende da inteligência artificial, que cria algoritmos para lidar com diferentes situações – e, se for o caso, direciona o usuário para um profissional de carne e osso. E mesmo quando o profissional é recrutado, muitas vezes ele se apoia em instrumentos de Big Data para criar algum sentido em meio a milhares de estudos e dados espalhados na rede e, a partir daí, apontar uma linha de tratamento eficaz e personalizada para quem está do outro lado da mesa.
“5G, internet das coisas, Big Data, inteligência artificial, biossensores… a aplicação desses diferentes recursos aumenta a qualidade do cuidado e barateia custos”, afirma Rizzatti. Ao contrário do que se pode pensar, Rizzatti destaca que a valorização da saúde digital é uma forma de enfrentar a desigualdade social do Brasil, que restringe o acesso a um bom cuidado de saúde.
A médica Ana Claudia Pinto destaca inclusive que o conceito phygital e a saúde digital de forma mais ampla têm o potencial de assegurar uma alta qualidade de assistência. Veja: atualmente o atendimento em saúde ainda depende muito da formação de cada profissional que lida com o paciente. Se ele está desatualizado, corre o risco de não tomar as melhores decisões.
Por outro lado, a inteligência artificial e o big data criam (e aperfeiçoam) protocolos com base nas melhores evidências científicas e, a partir daí, direcionam o paciente de acordo com as melhores práticas disponíveis para cada situação. “Imagine uma plataforma na qual você pode inserir sintomas ou mesmo ser avaliado por meio de sensores. Com essas informações, algoritmos vão fazendo perguntas para entender seu estado de saúde. Conforme a triagem evolui, a ferramenta pode fazer uma recomendação mais básica ou, dependendo da situação, encaminhá-lo para um profissional”, exemplifica Ana Cláudia Pinto. Esse profissional também receberá insumos dessas tecnologias para minimizar o risco de tomar uma decisão errada baseada em falta de conhecimento. “Os algoritmos elevam a régua do cuidado”, resume a médica.
Esse tipo de experiência ainda precisa evoluir consideravelmente para alcançar o grosso da população, mas a verdade é que já está no radar das empresas do setor. “Hoje temos um pronto atendimento digital que a pessoa pode acessar 24 horas e receber orientações de um profissional. E já há protocolos para que a equipe de saúde verifique se as recomendações resolveram o problema do usuário. A ideia é evoluir esse tipo de produto, até porque ele tem o potencial de desafogar o sistema de saúde”, destaca Ana Cláudia Pinto.
Na prática de pesquisa, a ascensão do conceito phygital possibilitou até mesmo novos experimentos. O teste de velocidade de hemossedimentação (VSH), por exemplo, é um exame de laboratório indicado frequentemente para avaliar inflamações, infecções, entre outras coisas. Como vários outros exames, seus valores de referência – o que é considerado normal e o que não é – está ancorado em dados da literatura científica. Mas nem sempre esses dados são representativos da nossa população, o que pode gerar distorções.
Em um estudo publicado no ano passado, pesquisadores do Grupo Fleury aproveitaram os dados de amostras coletadas de quase 2 milhões de pacientes para validar esses valores de referência, de acordo inclusive com a faixa etária e o sexo. E houve mudanças em relação aos índices originais. “Em face dos avanços metodológicos, das mudanças ambientais e fisiológicas da população, os valores tiveram que ser revistos”, contextualiza Maria de Lourdes Chauffaille, médica e pesquisadora do Grupo Fleury por trás da investigação. “Com a mudança, ganhamos maior precisão para diferenciar um estado saudável de um patológico”, completa.
De um lado, amostras coletadas no mundo real deram insumos para que, do outro, ferramentas digitais processassem largas quantidades de dados para atualizar um protocolo.
Do manejo de insumos à organização das internações, a gestão das instituições de saúde é outra área que tem muito a ganhar ao aproximar o ambiente físico do digital. É possível, por exemplo, que algoritmos verifiquem o ritmo de uso de um medicamento e, de acordo com o estoque disponível, sinalizem a necessidade de novas compras.
“Os próprios equipamentos onde fazemos os exames podem começar a apresentar um padrão alterado nos resultados que é captado por sistemas digitais. Aí sabemos precocemente que é hora de fazer reparos ou trocar a máquina”, destaca Rizzatti.
O mesmo vale para o monitoramento dos pacientes. Através das inúmeras informações em tempo real que um único indivíduo apresenta durante uma internação, por exemplo, softwares podem captar sinais iniciais de agravamento de um quadro e permitir uma intervenção no melhor momento possível.
Um cenário tão otimista, entretanto, esconde uma armadilha. A de que as soluções phygitais sejam vistas com tanto entusiasmo que o foco no problema do paciente se perca. “Se um telefonema ou uma simples mensagem de texto dão conta do recado, para que inventar um aplicativo cheio de complexidades?”, questiona Ana Cláudia Pinto. “Nós precisamos nos concentrar na solução que melhor atende o paciente”, complementa.
Alguns Serviços de Atendimento ao Cliente (SACs) automatizados ilustram outro caminho perigoso do phygital: o de focar apenas nas necessidades da empresa, e não nas do paciente. Robôs que que fazem as vezes de atendentes telefônicos certamente dispensam um número considerável de contratações, mas não raro geram dor de cabeça para o usuário, que fica preso em respostas padronizadas que não resolvem sua situação.
“Recursos tecnológicos devem ser usados para humanizar o atendimento, não o contrário. E isso é possível”, reitera Ana Cláudia Pinto. A médica traz o exemplo de um estudo de 2018 publicado no periódico JAMA. Com base em dados de 4.510 adultos dos Estados Unidos, os pesquisadores notaram que mais de 60% decidiam não compartilhar certas informações médicas relevantes com os profissionais por constrangimento. “Tecnologias da informação e comunicação podem contribuir aí. Elas podem oferecer uma ferramenta digital para os pacientes reportarem questões mais delicadas antes da consulta, e evitar o constrangimento de proferi-las face a face, minimizando essas omissões, por exemplo”, conclui Ana Cláudia Pinto.
Seção do Futuro da Saúde dedicada a explorar as temáticas mais diversas do universo da saúde em profundidade, trazendo o contexto histórico, a análise do presente e as projeções para o Futuro.
Um espaço para se informar e refletir sobre inovação, saúde mental e prevenção de doenças. Futuro da Saúde produz conteúdo digital em diversas plataformas sobre os rumos da saúde no Brasil e no mundo, de forma compreensível e com credibilidade.