Mais transparência dos planos de saúde é demanda de beneficiários e hospitais
Mais transparência dos planos de saúde é demanda de beneficiários e hospitais
A recente discussão sobre o reajuste dos planos individuais e […]
A recente discussão sobre o reajuste dos planos individuais e a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela taxatividade do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS levantaram novamente o debate sobre a transparência dos planos de saúde. De um lado, há uma cobrança para uma divulgação clara e uma melhor comunicação das operadoras com os beneficiários. De outro, as operadoras defendem que a saúde suplementar é um dos setores com mais dados abertos no Brasil e que é preciso que a sociedade busque as informações. O que falta para esse debate avançar?
Mesmo com grandes passos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nesse sentido, como a definição do cálculo de reajuste dos planos individuais e a criação de regras que garantam a divulgação de dados econômicos, ainda é preciso atingir um novo patamar. Especialistas ouvidos por Futuro da Saúde apontam que é preciso melhorar o diálogo e a comunicação entre todos envolvidos, sejam beneficiários, planos ou hospitais. Além disso, é preciso criar formas mais concretas para que seja possível avaliar as instituições e os convênios, com indicadores e dados que mostrem como cada um tem trabalhado o cuidado com o paciente.
Mais dados melhorariam a transparência dos planos de saúde
“Eu não enxergo os planos de saúde como um grande vilão do sistema. A cadeia inteira, todos os atores, são vítimas e culpados do está estabelecido. As operadoras muitas vezes apanham, sendo que na verdade elas materializam a ineficiência do sistema como um todo. Elas que boletam a conta, essa é a verdade”, afirma Adriano Londres, sócio da Arquitetos da Saúde e um dos fundadores da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
Hoje, os principais quesitos levados em consideração na hora de adquirir um plano de saúde são preço, reputação e rede credenciada. Mesmo que exista a pesquisa de satisfação do beneficiário, o Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS) e a divulgação da lista com operadoras com mais reclamações, que podem embasar uma escolha mais consciente da população, Adriano defende que é preciso criar meios para mostrar dados mais palpáveis de cada um deles:
“O elo mais regulado e mais transparente da saúde suplementar são os planos. Você conhece muito mais informação das operadoras do que dos hospitais. A questão é que a gente precisa produzir outros tipos de informação. Conhecemos apenas a informação econômica. Eu quero saber por que aquele plano daquela operadora é melhor”.
Ele reforça que é necessário avaliar e divulgar alguns índices, como morte neonatal e sucesso em cirurgias cardíacas, para começar a entender qual o cenário dos hospitais, buscar melhorias e, consequentemente, entender de fato a importância da rede credenciada além da reputação. Dessa forma, seria possível analisar, através dos dados, quais os melhores planos, de que forma demonstram ter cuidados mais efetivos de saúde, com programas de atenção primária e acompanhamento da jornada do paciente, e como eles atuam. “A transparência, na verdade, é a comunicação”, afirma Adriano.
O sócio da Arquitetos da Saúde propõe que institutos e órgãos certificadores poderiam desenvolver metodologias claras e avaliar métricas, sob supervisão da ANS. Assim, garantiria uma isenção e um acompanhamento pela agência, que além de divulgar tais informações, poderia utilizá-las para fiscalizar.
Quanto eu gasto no meu plano de saúde?
Essa é a pergunta que a maioria dos beneficiários não sabe responder. Mesmo que o plano de saúde cubra todas as despesas do paciente, seria interessante saber quanto custa cada procedimento, consulta ou exame. É o que defende a advogada Maria Stella Gregori, diretora da ANS entre 1999 e 2005 e professora de Direito do Consumidor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Com o conhecimento dessas informações, além de dar uma noção do potencial de economia ao contratar um plano, cada cidadão poderia ser um fiscalizador das contas, isto é, verificar se existem procedimentos cobrados que não foram feitos de fato. Segundo a advogada, a lei garante apenas que o extrato de serviços feitos por fora dos planos, que são reembolsáveis pela operadora, devem ser lançados em um portal, onde o beneficiário pode ter acesso.
“O consumidor tem que ter esse mesmo direito, tem que vir detalhado para saber se efetivamente foi prestado aquela assistência para ele. Ele tem que saber o valor e custeio dessa prestação, para justamente ter essa consciência que quando tem uma carteirinha, ele tem uma responsabilidade, não pode utilizar aleatoriamente”, afirma Gregori.
Outro ponto defendido pela ex-diretora da ANS é a entrega do contrato para usuários de planos coletivos, como os empresariais. Mesmo que as operadoras devam entregar um Manual de Orientação para Contratação de Planos de Saúde e uma Guia de Leitura Contratual, a proposta de Gregori é que qualquer beneficiário deve receber uma cópia do contrato.
“A lei 9656 diz que [a operadora] tem que dar o contrato só para o consumidor de plano individual, não precisa dar uma cópia do contrato do consumidor coletivo. Isso já fere um direito básico do consumidor, porque ele não sabe nem especificamente o que ele está contratando, apenas o contratante. É um direito básico dele à informação detalhada sobre toda prestação do serviço que é efetuada, sobre todos os produtos”, conclui a professora.
Na visão dela, por mais que existam muitos dados abertos dos planos de saúde, o que falta é uma comunicação efetiva. Da mesma forma, há a necessidade de um diálogo mais próximo e contínuo, para que se entenda as mudanças na rede, as respostas negativas às solicitações e principalmente, o reajuste da mensalidade.
Reajuste
O reajuste recorde de 15,5% dos planos individuais, autorizado pela ANS em maio, gerou um grande debate. Considerado desproporcional por parte da sociedade, ele é o resultado de um cálculo transparente, que levou a um valor negativo de -8,19% em 2021, utilizando dados públicos das operadoras.
Entretanto, existe uma discussão sobre a falta de diálogo entre as operadoras e a sociedade. Na visão de Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o problema vai além de apenas divulgar tais informações:
“Temos um problema de comunicação. Mas não sei até que ponto é só um problema de comunicação ou se ninguém quer ouvir. Estamos falando o tempo todo sobre incorporação de tecnologia e desde março temos um novo processo. Já entraram oito tecnologias de oncologia nos planos de saúde, não tem nem 3 meses. Todas elas na casa de 1 milhão de reais. Se incorporarmos, estamos de acordo que nós vamos pagar a conta”, questiona Novais.
Tais incorporações podem resultar em um aumento do reajuste nos próximos anos. É preciso que a sociedade entenda esse processo e esteja ciente dos reflexos a longo prazo. Assim como é papel da ANS e das operadoras buscar explicar isso aos beneficiários, para que se crie um diálogo em prol da transparência.
Além disso, para o executivo da Abramge é importante que cada paciente conheça seu gasto e entenda o valor dos planos dentro da saúde. Ele explica que “aquela pessoa que eventualmente não teve um atendimento por uma carência ou outro motivo, reclama. Mas a que ficou 60 dias na UTI com Covid não vai à mídia falar que a operadora bancou a internação e ficou em 500 mil reais. Ele foi tratado, a vida segue. Ele é grato ao médico e ao hospital, porque é quem estava ao lado naquele momento, ele não vai falar que o plano de saúde deu o acesso”.
Relação com os hospitais
“Na relação do hospital com a operadora quem tem mais dados são os hospitais. Quem fez o atendimento foi ele, quem sabia se o paciente precisava ou não daquilo é ele e os médicos. Ao plano de saúde só cabe pagar, não tem acesso ao prontuário e à informação de forma geral. É uma via de mão dupla: quais informações o hospital quer saber da operadora? Pouquíssimas, porque a informação importante está dentro do hospital”, aponta Novais.
Essa relação de transparência com os hospitais é importante para fortalecer a pauta da interoperabilidade dos dados. O compartilhamento dos prontuários dos pacientes pode contribuir para um melhor atendimento e uma redução dos gastos, principalmente com exames e procedimentos feitos em duplicidade. A Abramge defende que, mais do que o compartilhamento de dados com as operadoras, é preciso que os prestadores de serviços de saúde, como hospitais e laboratórios, compartilhem os dados entre eles, com a autorização do paciente e de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Um ponto mais delicado entre os hospitais e os planos é o que tange ao pagamento e os modelos de remuneração. De todos os pontos, esse é o mais sensível e que gera mais divergência. Isso porque, historicamente, o modelo “fee for service” (pagamento por serviço) remunera o prestador sem avaliar os resultados ou saber a necessidade de cada procedimento. “É o pior dos mundos, porque até a falha é remunerada. A gente poderia ter um modelo melhor que quando ocorresse falha, ficaria financeiramente dentro daquela conta por parte da própria unidade hospitalar”, propõe Marcos.
Esse debate em torno de dados e transparência sobre resultados nos hospitais ganhou um novo capítulo vindo da própria Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). A entidade lançou na terça-feira, 28, um documento chamado Desafios de Qualidade em Saúde no Brasil, que aborda justamente a necessidade de indicadores de qualidade hospitalar e importância da acreditação.
No comunicado de lançamento da publicação, Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp, comenta que “hoje, a disponibilidade de dados que demonstram a qualidade dos serviços de saúde são raros” e que “observamos que parte das pessoas relacionam a estrutura física do hospital com qualidade, somente a minoria cita o conhecimento sobre indicadores de qualidade. E isso é responsabilidade do setor, de trabalhar nessa educação”.
Glosas
Pelo lado dos hospitais privados, o principal ponto crítico dessa relação são as glosas, situação em que a operadora não efetua o pagamento de um faturamento por questionar alguma informação que foi repassada. É uma medida corriqueira que serve para checar e solicitar dados complementares.
Um levantamento da Anahp feito com 76 hospitais associados trouxe números que colocam um sinal vermelho nesse cenário: 73% dos hospitais que responderam a pesquisa têm a percepção que as glosas estão aumentando e a média do prazo para o recebimento do pagamento é de 93 dias.
“O que motiva preocupação é que está havendo um aumento, que tem uma consequência econômico-financeira muito grande. À medida que mais contas são glosadas sem explicações objetivas, mais os hospitais demoram a receber aquilo que já fizeram. Boa parte dos planos não retém o pagamento só daquilo que é glosado, eles retêm o pagamento de toda a conta”, alerta Britto.
Cerca de 12% dos respondentes afirmam que não há justificativa para as glosas. Já outros 60% apontam “questões administrativas”, como erros de digitação e preenchimentos incorretos das guias. Britto explica que o principal problema é a dificuldade de dialogar sobre as causas com as operadoras.
A ANS já havia tomado medidas para acompanhar as glosas e tornar o processo mais transparente, criando regras sobre o modo que essas informações devem ser compartilhadas, através do padrão TISS (Troca de Informações na Saúde Suplementar). “Acontece que a maioria dos planos está exigindo que esse tipo de informação sobre glosas trafegue pelo sistema próprio de cada operadora. Com isso, a agência não tem conhecimento do que está acontecendo em termos de glosas”, explica o diretor-executivo. A pesquisa aponta que 52% se encontram nessa situação.
Modelo de remuneração
Assim como a Abramge, a Anahp defende que os modelos de remuneração estão defasados e precisam se atualizar. Dessa forma, além de poder melhorar a relação, tornando-a a mais transparente, poderia contribuir com a redução das glosas.
Britto defende que “o modelo que o mundo inteiro está tentando adotar é o modelo de quanto custa o tratamento, cirurgia ou internação como um todo. Ele está sendo implantado com muita dificuldade no Brasil. Parte do problema da glosa vem do contrato da operadora e o hospital se basear no fee for service. Hoje é muito pequeno o número de outros modelos dando certo nos hospitais. Se isso mudar, evidente que vai ajudar os problemas em glosa”.
Por mais que as glosas não interfiram diretamente no atendimento ao paciente, é importante ter em mente que o aumento delas pode impactar o orçamento dos hospitais e, a longo prazo, ser preciso remanejar equipes ou fazer mudanças nos serviços oferecidos.
“Evidentemente, principalmente nos hospitais menores você acaba fazendo um financiamento indireto às operadoras. Os hospitais mais prejudicados do ponto de vista econômico-financeiro têm mais dificuldades para ter a normalidade dos trabalhos deles”, alerta o diretor-executivo da Anahp.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.