Saúde digital no SUS, melhora do cenário da saúde suplementar e regulamentação da IA estão entre as tendências para 2024
Saúde digital no SUS, melhora do cenário da saúde suplementar e regulamentação da IA estão entre as tendências para 2024
Especialistas apontam que é urgente a implementação da telessaúde de forma estruturada no SUS e deve ser o principal tema de 2024.
O ano de 2024 promete ser movimentado para a saúde. Seja na esfera pública, saúde suplementar, healthtechs, indústria farmacêutica e de dispositivos médicos, é esperado que avanços sejam feitos em busca de uma melhor assistência à população, assim como na prevenção e novos tratamentos, sem perder a sustentabilidade dos sistemas.
Com o avanço das tecnologias que podem auxiliar na produção de medicamentos, diagnóstico e prevenção, com o uso de inteligência artificial, o lançamento de vacinas, medicamentos e outros tratamentos, a expectativa é que haja novas descobertas que revolucionem cada vez mais a saúde.
Na saúde pública, entrando no segundo ano do Governo Lula, a expectativa é que os projetos de saúde digital comecem a funcionar na prática, levando assistência a vazios assistenciais utilizando telessaúde, principalmente com a possibilidade de ter um aumento de 46% no orçamento para o SUS. Ainda, espera-se que a implementação da Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas ocorra.
“Em 2024 se espera ações efetivas na saúde digital, levando em grande escala para o Brasil. Não aconteceu em 2023, foi um ano onde se discutiu e foram feitas algumas propostas, mas não dá para esperar mais. 2024 tem que ser o ano da implementação da saúde digital no SUS”, defende Giovanni Cerri, presidente do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do InovaHC – braço de inovação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP).
Já na saúde suplementar, a expectativa é que o número de beneficiários siga crescendo, mas para isso é preciso que haja paralelamente um crescimento econômico no país, que favoreça a abertura de novas vagas de emprego, já que a maior parte dos usuários são de planos empresariais.
Especialistas acreditam que o cenário das operadoras de planos de saúde tende a seguir melhorando lentamente, com uma redução da sinistralidade e do prejuízo operacional, que atingiu números recordes nos últimos dois anos. Entretanto, é preciso que as empresas sigam com estratégias para redução de custos.
“É possível que o ano que entra seja melhor para toda a saúde suplementar, mas é preciso que a economia ande em ordem. Se não tivermos um déficit muito grande, o juros continuar caindo e a atividade retomar, o cenário será melhor para todos, inclusive o setor da saúde”, afirma José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).
Saúde pública em 2024
Ao longo de 2023, o Ministério da Saúde focou em retomar as políticas consideradas essenciais para a pasta, como a vacinação da população e o programa Mais Médicos, que atua na atenção primária. A expectativa, de acordo com Arthur Aguilar, diretor de Políticas Públicas do Instituto de Estudos para as Políticas de Saúde (IEPS), é que em 2024 o Governo avance em uma agenda estratégica.
“Essa gestão tem a oportunidade, se isso for priorizado, de ser a gestão que conseguiu botar a região Norte, em especial áreas desabastecidas de baixa densidade, no mapa do SUS. Que o SUS realmente aconteça com toda a sua plenitude. E para isso acontecer você vai precisar sobretudo de soluções que são diferentes das soluções que funcionam para o resto do SUS. Estamos falando de UBS fluviais, telessaúde e integração de conhecimento de povos tradicionais com o resto do SUS”, explica ele.
Um dos principais destaques da gestão da ministra Nísia Trindade até o momento foi a criação da Secretaria de Informação e Saúde Digital, que prepara um programa de telessaúde para este ano, ainda a ser lançado. Por isso, há uma expectativa de que esse programa provoque mudanças importantes no SUS, reduzindo os vazios assistenciais.
Outra política que está saindo aos poucos do papel é o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis). Alguns anúncios também foram feitos para esse programa em 2023, que visa tornar o Brasil menos dependente do mercado externo para insumos, vacinas e medicamentos. O Governo deve continuar estruturando o tema ao longo deste ano.
“O Complexo Econômico-Industrial da Saúde também esteve muito no papel, mas faltam medidas efetivas para poder impulsionar a indústria da saúde, onde também se inclui a produção de vacinas. Tem que começar a ser implementado, porque se não for no 2º ano de governo, no ano seguinte já começa a ficar perto das eleições e não será implementado”, observa Cerri.
Inovação e indústria
“Vamos ter um grande avanço em tecnologia aplicada a acesso e jornadas. Todos reconhecemos a tecnologia aplicada no beira-leito, centro cirúrgico, pesquisas e desenvolvimento de drogas. Mas vamos ver um grande avanço em tecnologia de conexão para acesso e para monitoramento”, avalia Leonardo Giusti, sócio-líder de Infraestrutura, Governo, Healthcare & Life Sciences da KPMG no Brasil.
Temas como o 5G podem voltar à discussão, já que para que todo o país consiga ter serviços de saúde digital, é preciso que haja conectividade nas regiões, sejam elas urbanas, rurais ou remotas. O tema deve receber a atenção do Governo Federal, com alguma política pública nesse sentido.
Ainda, há uma ampla discussão sobre as possibilidades da inteligência artificial na saúde, com novas ferramentas surgindo e estudos dando respaldo a sua utilização. O Food and Drug Administration (FDA) aprovou, entre agosto de 2022 e julho de 2023, cerca de 155 dispositivos médicos habilitados para inteligência artificial com machine learning.
“Precisamos acelerar a inovação em IA no Brasil também, mas a preocupação é a regulação. O projeto de lei que está no Senado é bastante restritivo, e se teme que uma regulação restritiva possa não só prejudicar a incorporação de ferramentas na saúde, onde grande parte das aplicações não teriam riscos significativos, como pode inibir os empreendedores e startups nacionais de criaram soluções que sejam customizadas e adequadas a nossa realidade de custos”, teme Giovanni Cerri, presidente do conselho do InovaHC.
Ele indica que esse também deve ser um ano para ficarmos atentos ao teranóstico, que diagnostica lesões ou tumores e trata o paciente ao mesmo tempo, utilizando a medicina nuclear.
Giusti, da KPMG, também aponta que veremos grandes avanços em áreas como biotecnologia, terapia gênica e medicina personalizada, o que inclui a utilização de mapeamento genético para definir o melhor tratamento para cada indivíduo. Na indústria farmacêutica, ele observa que não deve haver grandes fusões e aquisições, mas mais transações de portfólio de produtos, para que possam investir em medicamentos de altos custos.
Orçamento do SUS, meio ambiente e saúde mental
Análise do IEPS aponta que o orçamento da saúde para 2024 deve ser o maior dos últimos 10 anos, com aumento de 46% em comparação ao ano anterior, com um valor total de R$ 218,5 bilhões previstos. A expectativa é que haja um impacto real no SUS, possibilitando a implementação de novos programas e estruturas físicas.
De acordo com Aguilar, “o orçamento vem com muito foco tanto no custeio das ações de atenção primária e de atenção especializada, como também investimentos, que era uma rubrica que estava ficando muito para trás nos últimos anos. A gente tem uma capacidade da infraestrutura do SUS que está se depreciando por conta de baixo dos investimentos, então é um alento a gente saber que vamos ter mais recursos”.
O subfinanciamento da saúde pública é uma das principais pautas de quem acompanha e analisa o SUS, e a possibilidade de ter um aumento no orçamento é vista com bons olhos. Por outro lado, Aguilar aponta que é preciso que em 2024 o Ministério da Saúde discuta a regionalização.
“Existe uma necessidade de pensar no SUS em um novo ciclo que tenha mais protagonismo dos estados, se colocando como uma Autoridade Sanitária final em cada uma das suas jurisdições e ajudando a organizar o sistema. E para isso acontecer de uma maneira efetiva é necessária uma retaguarda do ministério com políticas ambiciosas, reorganizando essa função reitora dos estados e aproveitando justamente esse dinheiro novo que tem para conseguir induzir com que todos os atores, federais, estaduais e municipais, caminhem na mesma direção para uma política cada vez mais coordenada”, defende o diretor.
Outro ponto importante na atuação do Ministério é a implementação da Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas. Aprovado pelo Congresso no final de 2023, o projeto de lei aguarda sanção do presidente e, caso autorizado, demandará uma regulamentação para que possa ser efetivado. Há expectativa que a política seja introduzida ao longo do ano.
Com o avanço das mudanças climáticas, Arthur Aguilar também defende que haja uma maior atenção do Governo para o tema, envolvendo todas as pastas. “Não só na saúde mas em todas as áreas devem pensar nessa integração saúde e clima. Parar de ter um uma visão tão restrita da saúde em que ela acontece no indivíduo. Tem esse conceito de saúde planetária que busca entender como as diferentes relações de seres não humanos, animais, floresta, clima e biodiversidade se relacionam muito e vão se co-determinar. A tendência é que a gente tenha cada vez mais eventos adversos climáticos e isso vai abrir uma agenda em todos os campos da saúde”, explica.
Saúde suplementar
Depois de 2022 em crise, a saúde suplementar começa a conseguir, a passos lentos, reduzir a sinistralidade e o prejuízo operacional. O terceiro trimestre de 2023 foi fechado com R$ 6,3 bilhões negativos e 88,2% de sinistralidade, 2,1 pontos percentuais abaixo que no ano anterior, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A melhora deve se manter em 2024, mas como explica José Cechin, do IESS, não na velocidade que o setor gostaria: “O pico de valor negativo, perdas e prejuízos em resultado operacionais no setor aconteceu em 2022. De lá para cá vem caindo, e a projeção é que fechemos em 2023 perto de 8 bilhões de reais negativos. É melhor que no ano anterior, mas ainda é um valor alto em vermelho na conta operacional. A tendência de melhora deve continuar, mas não sabemos se do tamanho necessário para zerar o prejuízo operacional”.
Para isso, as operadoras vêm trabalhando reajustes mais altos em seus contratos empresariais. Com 50,9 milhões de beneficiários até novembro de 2023, o crescimento deve se manter entre 1% e 2% ao longo deste ano, caso não haja nenhuma mudança brusca na economia, impactando de forma positiva ou negativa as contratações.
Cechin espera que a ANS sofra menos impacto da pressão social que teve nos últimos anos, com forte atuação do Congresso e do Judiciário, além da sociedade civil. Ele afirma que é importante manter as características técnicas da agência. Ainda, aguarda que haja melhor definição sobre os tratamentos para transtornos globais do desenvolvimento, que inclui o transtorno do espectro autista (TEA). Desde julho de 2022, os planos de saúde são obrigados a cobrir o tratamento de forma ilimitada, de acordo com a orientação médica.
“Vamos ter em 2024 os desafios da saúde suplementar em termos de sustentabilidade financeira. A gente está perto de um movimento onde não basta apenas entregar uma cobertura, tem que orquestrar as vidas dos beneficiários. É aí onde passa a gestão de saúde populacional”, analisa Giusti, da KPMG.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
As questões relacionadas as crises na saúde é antes de tudo a incompAetência de gestão em nível micro, médio e macro. A falta de planejamento estratégico com informações relevantes, visão prospectiva, deficiências na ação e controle operacional, falta de definição nas competências de entidades de saúde pública e saúde privada ( os hospitais públicos e privados são concorrentes e também excludentes ). Falta um plano nacional de saúde com dados e informações relevantes. Falta qualificação e competências das escolas de medicinas e outras afins. EAD não pode incluir cursos de formação em saúde. É insano. Em suma, a gestão de excelência nos hospitais inexiste. O caos na saúde é a oneração e prejuízos do setor.