O que falta para a tecnologia de voz deslanchar na área da saúde?
O que falta para a tecnologia de voz deslanchar na área da saúde?
A tecnologia aplicada à saúde será responsável por grandes revoluções
A tecnologia aplicada à saúde será responsável por grandes revoluções nos cuidados com os pacientes. Em um novo cenário pautado pela conectividade e transformação digital, uma grande promessa é a tecnologia de voz. Embora o recurso esteja cada vez mais popular no cotidiano pela praticidade e para fins de entretenimento, seu uso na saúde ainda é bastante restrito. Por isso, há mercado um enorme espaço para crescimento e criação de novas funcionalidades, seja para os próprios pacientes ou hospitais.
De acordo com Marco Bego, diretor do InovaHC, núcleo de inovação do Hospital das Clínicas (HC-FMUSP), a ausência de tecnologias de assistente de voz para a saúde está ligada ao tamanho do desafio. “O uso ainda é voltado para funções mais simples. A saúde é uma área mais complexa – um erro pode ter um prejuízo grande”, explica.
O Inova HC atualmente não tem ferramentas nesse sentido, mas está trabalhando na programação de inteligência artificial para trazer alguma função à Alexa, mesmo que nos ambientes comuns do hospital. “O sistema de voz tem uma dificuldade para utilização na prática médica porque, dependendo da situação, você teria que estar de fone para evitar que ele entenda errado”, alerta Bego. Essa necessidade de precisão quase absoluta na área da saúde esbarra em questões que vão desde o sotaque aos jargões médicos, que variam de acordo com a especialidade.
Apesar de ainda estar longe do seu uso pleno, o uso de assistentes de voz tem o potencial de reduzir a carga administrativa dos médicos, melhorar as interações médico-paciente e reduzir a pressão financeira sobre as instituições de saúde.
Alexa e o suporte ao paciente
Hospitais dos Estados Unidos já utilizam a Alexa nos seus leitos. É o caso do Cedars-Sinai Medical Center, que usa o recurso com pacientes que acabaram de realizar cirurgias e possuem mobilidade reduzida. Eles conseguem solicitar a visita da enfermeira sem precisar apertar um botão, além de possibilitar que controlem as funções do quarto, como apagar a luz, desligar a televisão ou fechar as persianas.
Em fevereiro, a Teladoc Health, empresa de soluções em telemedicina e saúde virtual, anunciou uma parceria com a Amazon para disponibilizar um serviço de atendimento médico 24 horas disponível para questões não urgentes, como resfriados e alergias, onde a pessoa só precisa dizer “Alexa, quero falar com um médico” e aguardar o contato do profissional.
Essa não é a primeira ação da Alexa voltada à saúde. Em dezembro de 2021, a Amazon anunciou o lançamento da Alexa Together, função focada em cuidado à distância, onde um usuário autorizado pode fazer o acompanhamento de um paciente. Toda ação realizada com o assistente de voz pode ser visualizada pelo familiar, incluir lembretes para tomar medicação de rotina e solicitar um pedido de ajuda, dentre outras funções.
Comando de voz estabelecido
Hospitais de todo mundo já utilizam há anos ferramentas de reconhecimento de voz. Apesar de não ser um recurso de smart speakers, esses programas auxiliam o dia a dia dos médicos. É o caso do Hospital Israelita Albert Einstein, que usa o Nuance para laudar exames diagnósticos de imagem e aumentar a produtividade. Como os laudos podem ser muito extensos, é possível ganhar tempo “ditando” as conclusões.
“Antes você tinha um digitador. Escrevia um relatório à mão, ele ia ser digitado, e depois você verificava. Depois passou a gravar em fitas, passava pro digitador, e o médico revisava. Hoje o médico faz o próprio laudo, seja ele digitado ou por voz”, afirma o Marcos Roberto Gomes de Queiroz, diretor médico do setor de Diagnóstico por Imagem do Hospital Israelita Albert Einstein.
Essa ferramenta permite um ganho de 30% a 40% em velocidade, sendo possível produzir mais laudos diários que por digitação. Apesar de não ser perfeita, com o uso é possível corrigir os termos médicos para aperfeiçoar a transcrição e criar “atalhos” com frases frequentes para ganhar ainda mais tempo. Mas é preciso que o médico faça uma revisão atenciosa. “Tudo que você precisar descrever e siga um certo padrão ela é aplicável. Quem tem um pouco mais de dificuldade para digitar tem um grande ganho”, reforça Queiroz.
Cuidado com pessoas idosas
Apesar dos smart speakers serem uma tendência e trabalharem os comandos de voz de forma mais aperfeiçoada, os smartphones tem essa função há alguns anos e são bem mais populares. Pensando nisso, a startup Vox Me criou um aplicativo para auxiliar pessoas em situações de emergência, com foco na população idosa. O usuário cadastra até 5 pessoas como contato, e caso tenha algum acidente ou situação que precise de ajuda, através do comando “Ok, Google, falar com Vox Me”, o app faz uma ligação para cada um deles. O custo é de 1,99 dólar para uso vitalício.
“Usar a voz é um caminho sem volta, se você pensar que anos atrás a gente fez a migração de web para mobile. A gente acredita que daqui alguns anos o mobile vai migrar para a voz ”, afirma Bruno Musa, cofundador e CEO da Vox Me. Atualmente, o aplicativo tem mais de 5 mil usuários na Itália, e o foco para 2022 é reforçar o mercado brasileiro. Segundo o IBGE, mais de 4 milhões de pessoas com mais de 65 anos vivem sozinhas no país.
Com o tempo, a healthtech criou novas funções para auxiliar as pessoas no dia a dia. Uma delas é um “check” diário, onde o usuário avisa ao aplicativo que está tudo bem com ele e os contatos recebem uma notificação. Outra é focada no controle de medicamentos de rotina, como de pessoas com diabetes e hipertensão. Caso ela não alerte o app que tomou o medicamento, os contatos recebem um SMS. Se não tomar dois horários seguidos, o contato recebe uma ligação, via inteligência artificial, informando o que está ocorrendo. Assim, os contatos podem auxiliar a supervisão de forma mais próxima.
“Ainda vemos poucos aplicativos ligados à saúde com voz. O que estamos fazendo é bem pioneiro. Esse caminho para a interface de voz está crescendo rápido, mas ainda não está consolidado. Acredito que isso deva ocorrer em dois ou três anos”, explica Musa. Atualmente, o Vox Me está disponível para Android, IOS e Google Assistant, e pretende entrar para Alexa ainda esse ano.
Aperfeiçoamento contínuo e acessibilidade com tecnologia de voz
No Brasil, a Amazon realizou uma parceria com a Fundação Dorina Nowill para Cegos, a AACD e o Instituto Jô Clemente para criar o Prêmio Alexa de Acessibilidade em 2021. A ideia era estimular desenvolvedores para criarem novas skills que facilitassem a vida das pessoas com deficiência. Entre os vencedores do prêmio, está o Memória Sonora, que recria o clássico jogo da memória com sons, o Onde Guardo Isso?, que auxilia pessoas com deficiência intelectual e visual para organizar os itens da casa e consultar caso esqueça, e o Localizador de Ônibus Acessível, para dar informações sobre o transporte público.
As pessoas cegas são um dos grupos mais beneficiados com a chegada dos assistentes de comando de voz. Isso porque não necessitam que o usuário veja o que está ocorrendo em uma tela ou que ele tenha que digitar algo. “O acesso à informação também é mais rápido, como no caso da Alexa, basta deixá-la ligada e perguntar o que deseja a qualquer momento. A facilidade no uso aponta a diferença entre os aparelhos por comando de voz e os celulares. No caso da Alexa, o usuário pergunta ou pede o que deseja e a ferramenta executa”, afirma Regina Oliveira, Coordenadora de Revisão em Braille da Fundação Dorina Nowill para Cegos. “Entre as funcionalidades, destaca-se a diferença que esses comandos de voz trazem à vida das pessoas, tornando ações do cotidiano mais simples, como pedir para ligar ou desligar a luz – caso a lâmpada seja compatível com essa tecnologia – ou até mesmo lembrar dos compromissos e horários”, aponta Regina.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.