SXSW e saúde: o que eu trouxe na bagagem
SXSW e saúde: o que eu trouxe na bagagem
Há anos eu sonhava ir para o SXSW, esse evento
Há anos eu sonhava ir para o SXSW, esse evento de inovação sem similar. Certamente era um lugar especial para “sentir” o futuro, algo importante para uma organização como o Einstein que enxerga a inovação e a transformação digital como fatores essenciais para impulsionar os avanços em saúde, superar os gargalos assistenciais, ampliar o acesso e promover a equidade.
Minha expectativa era grande. Primeiro porque eu faria uma apresentação no festival, a primeira de uma organização de saúde brasileira nesse evento tão importante. Depois porque teria a oportunidade de ser plateia em sessões que considerava relevantes para o meu foco. Estava tão entusiasmado que tomei coragem para fazer algo raro na minha vida nos últimos anos: em vez dos dois ou três dias que habitualmente dedico a eventos e compromissos no exterior, reservei sete dias da minha agenda para o SXSW.
O maior desafio, sem dúvida, foi em relação à palestra que eu faria em um evento que tem uma vibe completamente diferente de um congresso médico. Embora tenha feito uma preparação prévia, passei as horas de voo para os Estados Unidos com meu roteiro na mão, revendoos tópicos, descartando itens, colocando em vermelho o que eu não poderia deixar de falar, traduzindo para o inglês mais coloquial.
Acho que meu esforço foi recompensado e deu tudo certo na minha apresentação, que teve como tema “5 maneiras pelas quais a tecnologia pode promover equidade em saúde”. Falei sobre cinco iniciativas do Einstein, várias em parceria com o setor público, que usam tecnologia para transformar a realidade da saúde em nosso país: o TeleAMES, que leva por meio da telemedicina o atendimento de médicos do Einstein de sete especialidades a regiões do Nordeste e Centro-Oeste com vazios de especialistas (cardiologistas, neurologistas, pneumologistas etc.); o Telescope, que estuda o impacto do atendimento virtual de médicos intensivistas especialistas para UTIs de hospitais públicos que não contam com profissionais especializados no cuidado de pacientes críticos; o projeto que traz técnicas de big data e analytics para avaliar formas eficientes de combater as infecções por superbactérias em UTIs; o projeto de mapeamento da saúde mental na comunidade de Paraisópolis em parceria com o Google; e o Centro de Inovação e Biotecnologia que estamos implantando em Manaus, um novo hub de inovação em saúde a exemplo do que o Einstein já tem em São Paulo.
O outro desafio no SXSW era selecionar o que assistir nas dezenas e dezenas de opções diárias da programação do evento. De forma geral, escolhi em função de assuntos que me interessavam e de palestrantes conhecidos, referências em suas áreas. Eram dois fatores que tornavam as palestras mais concorridas e, mesmo realizadas em salas grandes para milhares de pessoas, exigiam agilidade para dar o clique no celular e fazer a reserva antecipadamente, porque em segundos acabavam as vagas. Predominaram temas que já são discutidos atualmente, como inteligência artificial, Chat GPT e machine learning, além de computação quântica, uma tecnologia emergente que utiliza física quântica para resolver problemas complexos com uma rapidez e capacidade de processamento impossível aos mais modernos computadores atuais. Imaginei que em SXSW anteriores, esses assuntos foram abordados nas salas menores, por serem ainda tecnologias incipientes. Pensei que, num próximo SXSW, eu talvez dê preferência a sessões dessas salas, que, imagino, tratam de assuntos que são como “nascedouros” do futuro, que a gente nem vislumbra atualmente.
Uma das palestras de que mais gostei foi a de William Wurley, uma das principais referências em computação quântica e fundador da Strangeworks, focada nessa tecnologia. Segundo ele, a computação quântica e a inteligência artificial juntas vão produzir, nos próximos sete anos, transformações maiores e mais contundentes do que vimos em toda a história até os dias de hoje. Quando terminou a palestra, Wurley mostrou seu ipad, que apresentava um teleprompter (bem diferente das anotações que eu tinha no meu ipad) e informou que o que estava ali fora escrito na noite anterior pelo Chat GPT com base em informações de seu próprio blog.
As lições do SXSW para a saúde
Nós, que trabalhamos com saúde, precisamos ter a mente muito aberta para tudo isso. Quando assistíamos aos Jetsons, não imaginávamos que teríamos carros voadores, como os que estão sendo desenvolvidos por várias empresas, entre elas a Embraer. Quando veio a revolução do celular que só nos permitia falar com mobilidade, não imaginávamos tudo o que temos hoje no smartphone. Quando fui o primeiro residente a fazer o recém-criado estágio de laparoscopia no Hospital das Clínicas e depois, no mestrado, estudei os impactos de insuflar o abdômen com gás carbônico (pneumoperitônio), procedimento necessário para laparoscopia, também não imaginava que um dia teria um robô me ajudando nas cirurgias. E, se não tivesse abraçado a tecnologia, provavelmente estaria sendo substituído por um colega que o fez.
Ser substituído também será o destino dos profissionais – da saúde e de outros setores – que não mergulharem nesse novo mundo descrito por Wurley. Temos, sim, de nos educar para usar melhor esses novos recursos tecnológicos e nos preparar para um papel que caberá ao ser humano: ser um vigiador da inteligência artificial, corrigir seus desvios, aprimorar a confiabilidade e os serviços que ela nos presta. Atualmente, já há médicos com medo de serem substituídos pelo Chat GPT. Se não entender como utilizar a tecnologia como aliada, será trocado pelo colega que usa a inteligência artificial e ganha mais tempo para cuidar de seu paciente e fazer aquilo que a máquina e as soluções digitais não são capazes de realizar.
A imersão nas tendências de futuro que o SXSW nos proporcionou me fez lembrar a frase da música do Milton Nascimento e Ronaldo Bastos que diz que “nada será como antes amanhã”. Não sei se existe alguma área de estudos ou de atividade que poderá ignorar essas revolucionárias tendências tecnológicas sem correr o risco de “estacionar” definitivamente no passado. A da saúde certamente não é uma delas. Profissionais e organizações desse setor têm a obrigação de embarcar em tudo aquilo que traz benefícios para o paciente e para a saúde das pessoas.
Os cases que citei em minha palestra no SXSW são alguns exemplos de como telemedicina, big data, inteligência artificial e outros recursos tecnológicos já estão ajudando a melhorar a qualidade da assistência, a superar barreiras e a promover equidade em saúde. O que esperar das transformações como as que emergirão do casamento da computação quântica com inteligência artificial citado por Wurley? Cabe a nós aprender, entender e explorar esse novo universo tecnológico para extrair dele soluções que podem nos levar a um salto quântico na saúde. Às vezes, as mentes tendem a rejeitar o novo e ficar na comodidade do status quo. É uma atitude equivocada porque, querendo ou não, nada será como antes amanhã. E, se soubermos fazer um bom uso das inovações tecnológicas e nos reinventar no que for preciso, esse será um promissor amanhã para a saúde.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.