Como funcionam os sistemas de saúde bem avaliados da Holanda, Canadá e Colômbia
Como funcionam os sistemas de saúde bem avaliados da Holanda, Canadá e Colômbia
Países têm sistemas de saúde reconhecidos internacionalmente pela universalidade no cuidado, entre outros atributos
Atendimento médico adequado, custos não exorbitantes, universalidade e acessibilidade. Essas características descrevem o que seria um sistema de saúde ideal e podem servir de parâmetro para identificar a qualidade do atendimento à saúde em diferentes regiões do mundo. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é reconhecido internacionalmente pelo que entrega, mas modelos de sistemas de saúde de outros países também são bem avaliados — caso da Holanda, Canadá e Colômbia.
Os sistemas de saúde holandês, canadense e colombiano têm em comum a universalidade. Eles entregam serviços de saúde para todos os residentes no país, o que representa mais de 18, 40 e 47 milhões de pessoas, respectivamente. A sua lógica de funcionamento, no entanto, difere. Enquanto Holanda coloca a saúde privada como central na sua estratégia de atendimento à saúde, Colômbia e Canadá mantêm sistemas de saúde públicos, com acréscimo de alguns serviços privados.
Os três figuram entre os mais bem colocados em termos de acesso e qualidade de assistência à saúde entre 204 países, segundo pesquisa publicada na “The Lancet Global Health”. Na América do Norte, Canadá se destaca em primeiro lugar, enquanto a Colômbia alcança o segundo lugar entre os países da América Latina Central. A Holanda, por sua vez, tem a segunda melhor performance de sistemas de saúde de 10 países analisados em relatório de 2024 da The Commonwealth Fund, ficando atrás apenas da Austrália. Foram avaliados itens como acesso e processo de cuidado, eficiência administrativa, equidade e resultados de saúde desses sistemas.
Sistemas de saúde: o caso da Holanda
O sistema de saúde holandês tem uma cobertura de saúde universal e é reconhecido pela sua qualidade de atendimento. Na Europa, ele é cotado como um dos melhores do continente pelo Euro Health Consumer Index. Composto inicialmente por iniciativa pública e privada, o sistema passou a ser de responsabilidade total das seguradoras de saúde a partir da reforma política da Holanda em 2006. A medida tinha como objetivo chegar a um sistema de melhor qualidade, com menor preço possível e mais igualdade.
A Lei do Seguro de Saúde introduzida com a reforma obriga que a população residente na Holanda tenha uma apólice de seguro saúde operada por seguradoras de saúde privada. Pessoas até 18 anos são beneficiadas pelo plano dos pais ou recebem subsídio do governo, da mesma forma como a população carente de baixa renda. Para 2025, esse subsídio estatal incluía pessoas que ganham até 39.719 € anuais ou 50.206 €, em caso de ter um parceiro.
O modelo é baseado na solidariedade social, o que significa que todo o valor arrecadado com o seguro saúde paga apenas os custos com a saúde em si, sem fins lucrativos para as seguradoras. Ele se organiza por meio de uma competição gerenciada que tem o governo como agente regulador do mercado, por meio de suas políticas. A lei proíbe, por exemplo, que empresas neguem cobertura ou apliquem taxas com base na situação de saúde do usuário do serviço.
Segundo as regras holandesas, todas as seguradoras devem oferecer o mesmo pacote padrão, e o valor pago pelo plano deve ser igual para todos, sem distinção de idade ou estado de saúde. Além dos serviços do pacote, há os seguros adicionais que podem ser contratados para serviços como fisioterapia ou cuidado dentário. E os números mostram que a estratégia funcionou: em 2024, 99,9% da população holandesa tinham acesso a serviços de saúde, de acordo com European Observatory on Health Systems and Policies. Os serviços incluíam cuidados primários, especialistas, serviços hospitalares e de maternidade, atendimento de saúde mental, entre outros.
A porta de entrada para atendimento de saúde na Holanda são os Huisarts, os médicos gerais. Eles atuam como “guardiões dos cuidados secundários”, encaminhando o paciente para especialidades caso seja necessário. Além deles, existem os Buurtzorg, que são grupos de enfermeiros responsáveis por realizar atendimento domiciliar a idosos, pessoas com dificuldade de locomoção, em recuperação de uma cirurgia ou com algum vício, como álcool e drogas.
Além da Lei de Seguro Saúde, outras três leis regem o sistema de saúde holandês: a Lei de Cuidados de Longo Prazo, a Lei do Apoio Social e a Lei da Juventude. As duas primeiras fornecem assistência para pessoas com deficiências ou doença mental e idosos, sendo uma para garantia de cuidados contínuos em casa ou em instituições de cuidado e a outra para cuidados domiciliares e apoio comunitário. A terceira lei, por sua vez, prevê o bem-estar de crianças e famílias no que tange aos cuidados de saúde, apoio psicológico e proteção contra abusos.
Canadá e seu sistema público de saúde
O sistema de saúde do Canadá tem uma proposta semelhante ao do Brasil, com cobertura universal e pública para cidadãos canadenses e residentes permanentes. Ele é administrado de forma descentralizada pelos territórios e províncias canadenses, sendo que cabe a cada um desses territórios a organização e o fornecimento de seus próprios serviços de atendimento de saúde.
Já o governo federal fica responsável por providenciar suporte financeiro às províncias e garantir que elas sigam a Lei de Saúde do Canadá. Ela estabelece serviços básicos que os 13 territórios canadenses devem ofertar para a sua população, como serviços médicos e hospitalares, além de dentistas, em casos ambulatoriais.
Além dessa cobertura universal, o sistema do Canadá conta com uma cobertura complementar para idosos, crianças e beneficiários de assistência social. Por meio dela, é possível ter acesso a itens não cobertos pela cobertura básica, como cuidados com a visão, cuidados dentários, prescrição de medicamentos, serviços de ambulância e cuidados domiciliares.
Caso a pessoa não esteja no escopo da cobertura suplementar, ela pode contratar um plano de saúde privado ou pagar pelo serviço diretamente. Os serviços de ambulância em Quebéc, por exemplo, têm uma taxa básica de 125 dólares canadenses, com adição de valor de acordo com os quilômetros percorridos. Outra curiosidade é que o sistema de saúde canadense fornece assistência médica de eutanásia para pacientes com condições médicas graves e irremediáveis com mais de 18 anos, conhecido como MAID (Medical assistance in dying).
Ainda assim, o sistema de saúde do Canadá não consegue alcançar todos os moradores do país. Segundo pesquisa da Canadian Institute for Health Information, 17% dos canadenses com 18 anos ou mais disseram que não tinham acesso a um provedor regular de assistência médica em 2023. Em contrapartida, adultos com 65 anos ou mais foram os mais propensos a relatar acesso (92%).
A cobertura de saúde na Colômbia
País vizinho do Brasil, a Colômbia também conta com um sistema de saúde universal e público. Criado em 1993, ele vincula-se ao sistema de seguridade social colombiano e opera por meio de dois regimes principais: o subsidiado e o contributivo. Enquanto o primeiro destina-se a cobrir parcelas pobres e vulneráveis da população e é financiado por meio de fundos regionais e estatais do governo, o segundo recebe contribuições de servidores públicos colombianos e imigrantes regularizados, entre outros, de acordo com sua capacidade de pagamento e status social.
Pessoas em ambos os regimes de seguridade social colombiano podem usufruir do Plano de Benefícios de Saúde, que contempla um conjunto de serviços de saúde garantidos aos afiliados a promoção, prevenção e cuidados médicos, como procedimentos, medicamentos, exames de laboratório, atenção de urgência e emergência, entre outros. O que muda é a forma como cada pessoa participa do sistema. Segundo indicador desenvolvido pelo Así Vamos en Salud, portal especializado em saúde colombiana, em 2024, 43,8% da população estava coberta pelo regime contributivo, enquanto 50,3% estava no subsidiado.
De acordo com as normas da seguridade social da Colômbia, são obrigados a afiliar-se ao regime contributivo servidores públicos cuja renda mensal ultrapasse um salário mínimo, o que hoje dá em torno de R$ 1.900. Autônomos também podem contribuir com o sistema de saúde por meio de um pagamento mensal com base em renda.
O sistema de saúde também prevê acesso a pessoas que não contribuam para os dois regimes, caso de imigrantes irregulares. Eles podem acessar serviços de saúde em situações de urgências e serviços de medicina geral, saúde mental e vacinação.
Em relação à organização, as Emprestadoras Promotoras de Saúde são responsáveis por gerir os planos de saúde de cada afiliado a ser atendido pelas Instituições Prestadoras de Serviços de Saúde. E, no atendimento, o paciente pode ter acesso a instituições de caráter público, privado ou misto.
Mas mudanças podem vir por aí. Nos últimos anos, propostas de reforma no sistema de saúde foram apresentadas pelo governo atual de Gustavo Petro. O último texto apresentado em setembro de 2024 propunha a criação de uma nova organização no lugar das EPS, que deixariam de gerir os recursos ou atuar como seguradoras. Ela atuaria na fiscalização da execução dos serviços de saúde e receberia de 3,2% a 8% do orçamento do Estado a ser pago por cada filiado.
Na mesma linha, a proposta de reforma também pretende criar os Centros de Atención Primaria en Salud (CAPS), no qual os cidadãos seriam atendidos na atenção básica e encaminhados para os serviços de maior complexidade de acordo com a sua necessidade. Essas propostas, no entanto, tem sido rejeitas.
A Colômbia tem procurado olhar para o sistema brasileiro de saúde para fortalecer o seu. Em novembro de 2024, uma delegação colombiana fez uma visita técnica ao Brasil, no âmbito de uma cooperação técnica assinada pela OPAS/OMS, para conhecer as práticas bem-sucedidas da atenção primária do SUS.
Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.