Gestão compartilhada entre setor público e privado tem potencial para transformar ecossistema de saúde

Gestão compartilhada entre setor público e privado tem potencial para transformar ecossistema de saúde

Modelo abre possibilidade de incorporação de novas tecnologias, práticas inovadoras e melhoria da qualidade do serviço prestado à população

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By Published On: 03/04/2024
Gestão compartilhada entre setor público e privado - Einstein

Foto: Adobe Stock Image

A parceria entre o setor público e privado não é uma novidade na saúde. A possibilidade de colaboração entre ambos para complementar a oferta de serviços está presente em lei desde a criação do Serviço Único de Saúde (SUS), em 1988. De lá para cá, o modelo tem se consolidado no Brasil como uma solução para catalisar a incorporação de tecnologia, melhoria de processos, ganhos de eficiência e capacitação contínua de profissionais. A expectativa é que isso se traduza em otimização do uso de recursos públicos, mais agilidade de atendimento e aumento da qualidade de serviços.

“É um caminho que não tem mais volta”, avalia Luciana Borges, mestre em atenção primária e diretora de Cuidado Público no Hospital Israelita Albert Einstein. “Para atender às diversas necessidades de saúde que temos hoje, ela é extremamente necessária”.

A efetividade dos modelos de gestão compartilhada é confirmada pelos indicadores de desempenho, produtividade e qualidade. Em 2022, o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) publicou um ranking dos melhores hospitais públicos do país, em que 14 dos 17 melhores colocados eram administrados por instituições privadas filantrópicas.

Outro estudo, realizado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, avaliou indicadores de 18 hospitais geridos por Administração Direta (AD) e 29 por Organizações Sociais de Saúde (OSS). A conclusão foi que aqueles cobertos pelo segundo modelo apresentaram melhores resultados quanto a tempo médio de permanência, taxa de ocupação, renovação de leitos, utilização de sala de operação, taxa de cesáreas, infecção hospitalar, gastos em relação à produção.

Mas ainda há pontos de melhoria a serem construídos, segundo Borges: “O aprimoramento dos critérios de seleção das instituições parcerias, por exemplo, para que sejam escolhidas instituições realmente sérias e qualificadas.”

Pontos de sinergia

Para Borges, a sincronia entre a demanda de uma nova parceria pública e a experiência da organização privada é um dos pontos a serem considerados para que a colaboração tenha sucesso: “Sempre elencamos alguns pontos. Primeiro: ela responde a uma necessidade real daquela população? A segunda premissa é pensar o quanto podemos contribuir para aquele cenário enquanto organização, entender o quanto a proposta se conecta com programas estratégicos já consolidados na organização.”

Por fim, segundo ela, ainda há a avaliação de como interligar outras áreas de atuação, como ensino, pesquisa e inovação. “Ter essa sinergia é fundamental”, completa.

A Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein mantém contratos de gestão de serviços públicos de saúde desde 2001. A parceria começou com a missão de contratação de mais de 300 agentes comunitários de saúde, ampliou-se para a gestão de oito Unidades Básicas de Saúde no ano seguinte, e hoje já soma um total de 31 unidades públicas, sendo 27 delas na cidade de São Paulo. São 4 hospitais, além de UBSs, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Unidades de Pronto Atendimento, Assistência Médica Ambulatorial (AMA) e AMA Especialidades, e Serviço de Residência Terapêutica (SRT).

O Hospital M’Boi Mirim – Dr. Moysés Deutsch, na Zona Sul da capital paulista, é um bom exemplo do impacto positivo do modelo. “É um hospital geral em que temos um contrato de gestão que contempla a parceria com outra OSS, o Centro de Estudos Professor João Amorim (CEJAM)”, detalha Borges. “Assumimos a gestão em 2008 e hoje a unidade é referência no município nas áreas de internação, atendimento de urgência e emergência e para cirurgias de marca-passo.” Em 2022, o hospital recebeu a reacreditação de Excelência (nível 3) da Organização Nacional de Acreditação (ONA), modelo brasileiro que certifica a qualidade de hospitais e serviços de saúde.  Este modelo de acreditação também tem se aplicado às unidades de atenção primária geridas pela organização, que já têm recebido o selo e certificação pela ONA.

Além do M’Boi, o Einstein também é responsável, em São Paulo, pela gestão do Hospital Municipal Vila Santa Catarina – Dr. Gilson de Cássia Marques de Carvalho, atualmente referência em Oncologia para todo o município de São Paulo e também acreditado, há anos, em Excelência pela ONA. Há dois anos, a organização assumiu a gestão do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia – Iris Rezende Machado, em Goiás, e, no começo de 2024, foi a vez do primeiro projeto no Nordeste, com a inauguração do Hospital Ortopédico do Estado, em Salvador, Bahia.

Qualificação do setor público e olhar integral

Inicialmente, a Constituição previa dois modelos de participação no Sistema Único de Saúde. A direta, feita pelos poderes federais, estaduais ou municipais, e a indireta, que inclui as entidades de direito privado. Em 1998, foi estabelecido o modelo de Organizações Sociais de Saúde, o mais popular atualmente. Entre os pontos positivos destacados por estudos e especialistas, estão a maior autonomia administrativa e financeira, mais flexibilidade e velocidade na celebração de contratos, maior controle de qualidade e ampliação da capacidade operacional.

Mas embora a cooperação público-privada aconteça há mais de 20 anos na saúde brasileira, ainda há desafios. “Cada vez mais é necessário que o gestor público se aprimore também na sua prática de fiscalização, estabeleça diretrizes e objetivos, e execute o acompanhamento da forma mais adequada”, sugere Borges. “Assim é possível garantir que a parceria adote as melhores práticas e, consequentemente, atinja os melhores resultados.”

Para o setor privado, ela ressalta a necessidade de se ter um olhar mais integral, que contemple não apenas a gestão da unidade de saúde de maneira isolada, mas considere o contexto no qual ela está inserida: “É entender que temos diferentes atores envolvidos. Temos as próprias instituições públicas, mas também a comunidade que vai receber o serviço. Como conseguimos nos conectar com todos eles e manter essa conexão ao longo da execução do projeto, para garantir uma boa gestão?”

A disponibilidade de recursos a longo prazo também deve ser avaliada para que as expectativas estejam alinhadas, segundo a diretora. Conhecer todas as necessidades operacionais para que o serviço em questão seja executado e analisar a disponibilidade de recursos, tanto dos contratantes quanto das instituições parceiras, é uma etapa imprescindível para que a oferta de serviços não seja comprometida.

“Conseguir pensar na sustentabilidade é muito importante”, diz Borges. “Há necessidade de grandes esforços quando a gente assume um novo serviço. Então, antes do início do projeto, é preciso avaliar qual é a duração daquele contrato, quais são as premissas e se aquele município ou estado tem saúde fiscal para sustentar esse projeto a longo prazo, porque dependemos desses recursos para garantir a operação.”

Potencial para transformar ecossistema de saúde

Após a experiência bem-sucedida de ações compartilhadas na condução da pandemia, a expectativa é que a celebração dessas parcerias seja ampliada na saúde, que ainda representa apenas 2,85% do total no Brasil, segundo dados do Radar PPP.

E além das iniciativas de gestão de unidades específicas, há outros modelos, como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), criado em 2009. A iniciativa tem o objetivo de promover a capacitação de serviços públicos por meio de projetos de diferentes universos – da aplicação de telessaúde em locais remotos, gestão de dados, execução de pesquisas e melhoria de processos de atendimento.

Para Luciana Borges, o modelo de gestão compartilhada é uma maneira de causar um impacto positivo na saúde que vai além do benefício direto para os pacientes atendidos nas instituições geridas. É uma ferramenta para, através da troca de conhecimento e expertises de ambos os setores, incentivar uma transformação positiva no sistema brasileiro de saúde como um todo.

“É um modelo muito interessante porque abre possibilidades de incorporação de novas tecnologias, de práticas inovadoras e de melhorar a qualidade do serviço prestado à população. Ter uma relação harmoniosa entre o gestor público e o privado, onde cada um exerce o seu papel e contribui para uma saúde pública de qualidade, é um motor importante para influenciar todo o nosso ecossistema.”

Isabelle Manzini

Graduada em jornalismo pela Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. Atuou como jornalista na Band, RedeTV!, Portal Drauzio Varella e faz parte do time do Futuro da Saúde desde julho de 2023.

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One Comment

  1. Alice Helena Palermo e Silva 04/04/2024 at 12:35 - Reply

    Conheço algumas dessas gestões compartilhadas sempre com bons resultados .Acho que seria muito bom para o DF ( onde moro) adotar esse programa em hospitais que estão muito deficientes no atendimento ao público

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Isabelle Manzini

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