O envelhecimento da população brasileira é pauta de praticamente todos os fóruns e discussões sobre os desafios da saúde para as próximas décadas. Dados recentes do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que pessoas com 65 anos ou mais já ultrapassam a casa de 22 milhões de habitantes, o que representa 10,9% do total da população brasileira. Mas mesmo com essa tendência, boa parte das tecnologias em desenvolvimento ainda não dialoga com este público, o que tem levado as seniortechs – startups com foco em pessoas de idade avançada – a preencherem essa lacuna de mercado.
“Muitos idosos usam celulares para acessar a internet, mas a tela pequena e outros desafios podem dificultar a experiência. É crucial compreender as necessidades desse público e criar soluções direcionadas, como botões em vez de digitação, para melhorar a usabilidade”, exemplifica Sérgio Duque Estrada, CEO da Ativen, consultoria que busca fomentar negócios para o mercado sênior.
Atualmente, segundo dados do INOVAHC – núcleo de inovação tecnológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP -, 12,6% dos maiores de 60 anos são internautas no Brasil. O uso de redes sociais, como o Facebook e o WhatsApp, tem ampliado ainda mais o contato e a interação com a família, combatendo a solidão.
“A pandemia, na verdade, acelerou significativamente esse processo. Vários grupos se formaram, pois os idosos ficaram isolados, com medo de sair de casa e se distanciaram de suas famílias e amigos. Isso afetou profundamente a saúde mental dessas pessoas. Grupos de WhatsApp se formaram, ensinando os idosos a usar aplicativos como Zoom ou fazer compras online. A velocidade com que isso aconteceu foi impressionante. A pandemia aumentou a necessidade de alfabetização digital”, reforçou Sérgio.
Seniortechs e a revolução tecnológica na terceira idade
A tecnologia tem o potencial de desempenhar um papel crucial nos desafios do envelhecimento, proporcionando melhor qualidade de vida e independência. E não apenas em saúde, mas também em mobilidade, lazer, relacionamentos e bem-estar financeiro. As seniortechs pretendem ajudar a preencher essa lacuna e oferecer um suporte específico e adequado a essa população. Ao buscar a imersão de idosos no mundo da tecnologia, especialmente nas redes sociais e smartphones, as seniortechs querem trazer facilidades no dia a dia.
Este movimento fez com que o InovaHC, a Ativen e o Aging 2.0 – plataforma que busca conectar empresas e soluções com foco nesta faixa da população – lançassem recentemente um mapeamento com as principais startups voltadas para este público no país. O objetivo é identificar e ajudar a disseminar tecnologias específicas para a terceira idade, abrangendo desde aplicativos de saúde até soluções de entretenimento adaptadas às necessidades dos idosos.
“O mapeamento das startups seniortechs é uma iniciativa fundamental para dar visibilidade a um segmento de mercado em crescimento e garantir que as necessidades dessa população sejam atendidas de maneira adequada, superando preconceitos e melhorando a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem. A parceria com a USP fortalece nosso compromisso com essa causa”, afirma Marco Bego, diretor executivo do InovaHC.
Startups como a Fisio Cloud, que armazena dados de recuperação fisioterápica, a ISGAME, que ensina o público idoso a programar e jogar, a Renovatio Med, que ajuda a monitorar a medicação diária, e outras do mapa desenvolvido pela INOVAHC, são apenas alguns exemplos de empresas que atuam com foco nesse perfil.

Desafios e preconceitos
Apesar dos inegáveis benefícios, os idosos enfrentam dificuldades para aderir à tecnologia. O preconceito inicial, a falta de profissionais capacitados para ensiná-los e o medo de errar ou danificar os dispositivos são obstáculos comuns. “A inclusão é fundamental. Ao desenvolver produtos e projetos, é essencial incluir o público-alvo, compreender o ambiente em que cresceram e as limitações que enfrentam. A resistência à tecnologia é muitas vezes baseada em estereótipos, mas a tecnologia pode ajudar a superar essas barreiras”, afirma o CEO da Ativen.
Para Egídio Dorea, COO da Ativen e Coordenador da USP 60+ – programa da universidade que busca estimular o desenvolvimento da população idosa – “startups e empresas devem criar soluções que sejam acessíveis e fáceis de usar para essas pessoas. A experiência do usuário é fundamental, especialmente para públicos com diferentes idades e níveis de educação”.
Ele também reforça que a tecnologia está revolucionando a assistência médica, tornando-a mais acessível, melhorando a qualidade dos serviços e tornando o sistema de saúde mais sustentável. Segundo ele, este é o caminho para o aprimoramento da experiência do usuário, especialmente para aqueles que precisam de atendimento médico, mesmo em locais remotos.
Esse esforço faz parte do combate ao estigma associado à velhice, que pode afetar a saúde física, cognitiva e o bem-estar das pessoas mais velhas, podendo até encurtar suas vidas, como defende Becca Levy, da Escola de Saúde Pública de Yale, uma das principais referências mundiais no assunto. Há inclusive termos como “idadismo” ou “etarismo”, que foram criados para definir a discriminação baseada na idade.
“Para esse segmento, essa invisibilidade se deve, em parte, ao preconceito contra a pessoa idosa, onde tudo que é velho é considerado descartável em nossa sociedade. Outros fatores importantes incluem a transformação do marketing tradicional para o marketing digital, que trouxe uma invasão de nativos digitais para as áreas de mídia e marketing, muitos dos quais têm uma visão estereotipada do envelhecimento”, explica Dorea.
Segundo ele, o uso da tecnologia proporciona benefícios cognitivos, estimula a socialização e a atualização cultural, além de reduzir o risco de demência ou doença de Alzheimer. “É fundamental incluir pessoas mais velhas em projetos de tecnologia, enfatizando a necessidade de compreender suas experiências e limitações. O impacto dos estereótipos sobre a capacidade de aprendizado das pessoas idosas é imenso, especialmente no contexto da tecnologia. Além disso, a necessidade de interseccionalidade entre profissionais de tecnologia e da área da saúde é o futuro, é a inovação na gerontologia”, conclui.
Perspectivas futuras e o papel das instituições de saúde
O futuro das seniortechs é promissor. À medida que mais idosos adotam a tecnologia, a demanda por soluções específicas continuará a crescer. Além disso, as instituições de saúde desempenham um papel crucial nesse movimento. A integração de tecnologias de monitoramento da saúde, consultas médicas virtuais e aplicativos de acompanhamento de medicamentos podem melhorar o acesso, qualidade nos serviços de saúde e a própria sustentabilidade do setor.
“O que temos observado é que a tecnologia, quando bem aplicada, aborda eficazmente esses três desafios”, avalia Bego, do InovaHC. “Em regiões com escassez de especialistas, médicos mais experientes podem oferecer suporte remotamente com o apoio da tecnologia, aprimorando a qualidade do atendimento. A tecnologia também reduz os custos com deslocamento, levando os serviços até as pessoas, o que resulta em economias para o sistema. Além disso, melhora o acesso, impedindo que as pessoas recorram ao sistema de saúde apenas em situações críticas”.
Para os entrevistados, saúde e tecnologia estão intrinsecamente ligadas para endereçar os desafios. “À medida que a saúde se moderniza, recebemos dados eletrônicos que enriquecem nosso planejamento e estratégias futuras, agilizando a oferta de serviços inovadores para atender a população. Aqueles que não abraçarem essa transformação, seja no setor público ou privado, ficarão para trás”, finaliza Marco.