Senador Humberto Costa: “Não há sucesso de política pública com curto prazo, principalmente em saúde”

Senador Humberto Costa: “Não há sucesso de política pública com curto prazo, principalmente em saúde”

Em entrevista concedida em Brasília, senador Humberto Costa falou sobre os principais entraves envolvendo pautas da saúde

By Published On: 10/06/2024
“Não há sucesso de política pública com curto prazo, principalmente em saúde”, afirma o senador Humberto Costa

Foto: Roberto Stuckert Filho

Em seus 200 anos de atuação, o Senado Federal já participou das grandes decisões do país relacionadas à garantia do direito à saúde para os brasileiros, seja elaborando propostas por meio dos senadores ou avaliando os inúmeros projetos que passam pelo Congresso. Uma das cadeiras atualmente é ocupada pelo senador Humberto Costa (PT-CE), médico, jornalista e ex-ministro da Saúde, que concedeu entrevista exclusiva ao Futuro da Saúde.

Em sua gestão à frente da pasta, em 2003, Costa implementou programas como a Farmácia Popular, o SAMU e o Brasil Sorridente. Em 2022, já como senador, desempenhou um papel importante na coordenação da área de Saúde durante a transição para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu o cargo em 2023.

Durante a conversa, o senador falou sobre atuação do congresso com pautas relacionadas à saúde, a atividade do Ministério da Saúde, as emendas parlamentares, pautas que não avançam e a visão conservadora de alguns políticos: “Acredito que o Congresso tem sido um fator complicador para um avanço mais significativo das políticas no campo da saúde”.

A conversa faz parte de uma série de entrevistas realizadas pelo time do Futuro da Saúde em visita recente à Brasília. O link com todos os materiais pode ser acessado aqui.

Confira os principais trechos da entrevista a seguir:

Como você analisa a atuação do Congresso hoje nas pautas relacionadas à saúde?

Senador Humberto Costa – Acredito que está refletindo um processo e uma correlação de forças que aconteceu na eleição de 2022. Você tem de um lado o peso importante dessa bancada da extrema direita, com a sua visão negacionista das coisas, marcada por muitos preconceitos, e isso impede que algumas pautas importantes possam avançar. E por outro lado, você tem o centrão, com uma força também muito grande e que age um pouco nessa pauta semelhante à extrema direita, mas age muito por outros interesses. Acredito que o Congresso tem sido um fator complicador para um avanço mais significativo das políticas no campo da saúde.

Pode citar exemplos?

Senador Humberto Costa – Vou citar alguns exemplos. Um é esse das emendas parlamentares. Nas emendas parlamentares, obrigatoriamente metade precisa ir para a saúde, mas a destinação e a própria finalidade vai depender muito do Congresso na sua mão. Isso é um fator importante para você quebrar o planejamento da política do Ministério, ter sobreposição de ações, de tarefas. E, portanto, esse é um fator que não ajuda. Agora, nesse PAC Seleções, o Ministério fez uma sugestão. O Ministério fez um levantamento das necessidades em relação ao SAMU, por exemplo. Foi algo importante porque sabemos qual é a importância do SAMU. Então, você encontra, por exemplo, equipamentos que não são necessários, que são superpostos. Às vezes, um mesmo parlamentar, dois parlamentares, têm votos numa mesma cidade e os dois resolvem apresentar o mesmo projeto. Essa questão da política e das emendas parlamentares, bem como as ações do Congresso, desorganiza a atuação do Ministério da Saúde.

Os últimos anos da política contribuíram para esse cenário?

Senador Humberto Costa – O Ministério da Saúde tem uma estrutura bastante pesada e um fazer que é histórico. Mas precisamos levar em consideração que passamos por seis anos de desmontes, especialmente nos últimos quatro anos, quando a burocracia foi construída. A burocracia, no bom sentido, ou seja, a equipe e o corpo técnico do Ministério foi muito desmontada. Alguns saíram porque não foram promovidos. Outros saíram porque não havia condições de trabalho adequadas ou políticas claras. O Ministério era cheio de coronéis e, na verdade, não produziu políticas públicas. A saúde foi a área de política pública que mais sofreu com a quebra do pacto federativo promovida por Bolsonaro. Paradoxalmente, foi a que mais sofreu, mas também a que mais resistiu, graças à forte institucionalidade na área da saúde. O Ministério da Saúde, mesmo atuando contra o processo de gerenciamento inadequado da pandemia, conseguiu obter resultados positivos em muitos lugares. Ainda que tenhamos tido 700 mil mortes e tantos casos, esse foi um momento, assim como na legislatura passada, em que o Congresso realmente cumpriu um papel importante. Foi contra a visão de Paulo Guedes e Bolsonaro ao aprovar o chamado orçamento de guerra para a pandemia. Outro problema é essa visão conservadora, que na saúde acaba tendo um reflexo muito significativo. Por exemplo, a aprovação dessa proposta de emenda constitucional, que equipara o usuário ao traficante no debate sobre a política de drogas. Outro exemplo é a política do sangue. Foi uma construção árdua, de enfrentamentos constantes, para garantir recursos e construir uma nova concepção política. E vemos muitas coisas aqui que são, vamos dizer assim, sagradas, não podem mudar, mas que são importantes para a consolidação de muitas políticas e ações. Correram-se grandes riscos aqui. Essa questão mesmo da PEC 10, a tal da PEC do plasma, se for aprovada, pode ser um fator de desestruturação muito grande da política de sangue do Brasil, considerada uma das melhores do mundo.

O que tem dado certo?

Senador Humberto Costa – O governo agora fez um gol de placa quando inaugurou a primeira planta da Hemobrás. Um dos argumentos deles era que a Hemobrás não servia de nada e tal, apesar de que é uma ação diferente do debate da PEC 10. A PEC 10 fala do tema do fracionamento e do uso do plasma. A planta que ficou pronta é mais avançada, porque trabalha com engenharia genética. Não é no campo do fracionamento, é no campo do fator VIII recombinante por engenharia genética. Quer dizer, do ponto de vista tecnológico, foi um avanço gigantesco, mas dá uma musculatura importante para a Hemobrás. Outra coisa que acredito que será fundamental é que a Hemobrás vai mudar.

Mudar como?

Senador Humberto Costa – Está se discutindo uma nova forma de remuneração do plasma para os bancos de sangue. Isso porque a lei diz que esse plasma, de todos os bancos de sangue, inclusive os privados, têm que ser transferido para a Hemobrás. Tem um PAC que vai tratar do problema da reestruturação dos bancos de sangue, de modernização. Isso é uma coisa importante, um recurso público ao qual todos terão acesso. Por outro lado, uma coisa que eu defendi no debate sobre a PEC 10 é que, quando, por exemplo, um hospital precisa de uma bolsa de hemácias, ele paga o custo daquela lei. Digamos que seja 500 reais por uma bolsa. Isso é diferente de comercialização, é você pagar por um serviço. Isso é um tabu que está sendo discutido agora. Seria uma coisa de você remunerar por um serviço que vai ser feito. Se isso for aprovado, diminui muito a chance de aprovar essa PEC, porque eles conseguiram o apoio dos bancos de sangue privados. Acredito que fragiliza a posição deles. 

E sobre a cannabis medicinal?

Senador Humberto Costa – Aqui no Congresso não avança o debate sobre a cannabis medicinal. No mundo inteiro há um avanço, há mudanças na visão sobre essa questão do uso recreativo de maconha, mas existem coisas hoje que são cientificamente consensuais. A ideia de que a cannabis possui componentes fundamentais para o tratamento de diversas doenças, incluindo aquelas para as quais não havia alternativas anteriormente. No entanto, somos impedidos por conta da concepção de que sua legalização resultaria na liberação de drogas. Esse viés ideológico complica a situação e representa um retrocesso significativo. Além disso, há interesses que se disfarçam sob a preocupação com a questão econômica e o combate à sonegação. No Brasil, implementar uma política efetiva nesse sentido, como já iniciado pelo governo e em parte por Haddad, é de suma importância para a obtenção de recursos através do combate à sonegação. Por exemplo, hoje na sociedade, o entendimento sobre o tema da cannabis medicinal é favorável para que ela possa ser regulamentada aqui no Brasil. Gastamos milhões importando através de ações judiciais quando o Brasil poderia produzir e oferecer a um custo muito mais baixo para as pessoas que precisam utilizá-la. Além disso, o país poderia, enfim, exportar e se beneficiar dessa indústria.

Como você vê esse argumento econômico?

Senador Humberto Costa – Achar que a legalização da cannabis gerará uma fonte de renda para o Estado e combaterá a sonegação é uma questão extremamente complexa. Estou surpreso ao ver a quantidade de pessoas de um campo progressista defendendo isso, especialmente o uso do VAPE, argumentando que ele é uma redução de danos para os fumantes. Há quem defenda que é melhor regularizar esse mercado e permitir que o governo recolha impostos sobre ele. E quanto o governo vai gastar para tratar essas pessoas? Comparativamente com o cigarro, elas adoecem muito mais rapidamente e de forma muito mais grave. O Congresso não está muito bem sintonizado com essas questões. O debate agora é sobre a proposta de política de vacinação nas escolas, que foi um projeto bastante desfigurado. Eles não querem nem deixar votar, o que é uma das maneiras de enfrentarmos o problema da cobertura baixa na vacinação e de mudança de concepção também. Acredito que o Congresso está aquém das necessidades que os avanços na área da saúde exigem hoje.

É possível trabalhar com algum tipo de consenso? Como vamos lidar com essas questões, já que precisam avançar de alguma forma? Você enxerga algum norte positivo para isso?

Senador Humberto Costa – Por mais que, digamos assim, haja esse bloqueio hoje, a opinião pública tem peso. Existem questões em que percebo que não avançamos mais aqui porque não têm apoio na sociedade. Se dependesse desse grupo, o aborto previsto em lei seria revogado. Eles não têm, e isso ocorre porque a opinião pública, apesar de o Brasil ser conservador, não aceita a ideia do aborto praticado por opção. A visão é de que deve ser uma escolha da mulher, mas do ponto de vista do aborto em casos de estupro, risco à saúde ou à vida da mãe e também de fetos inviáveis, eles não conseguiram mudar. Isso também mostra que nem tudo está perdido. Eles não conseguirão realizar tudo, e se soubermos trabalhar a opinião pública, poderemos resistir em alguns casos e avançar em outros.

A Ministra Nísia Trindade tem sofrido pressão de todos os lados, inclusive do Congresso. Como você avalia esse cenário e quanto isso impacta na gestão do Ministério da Saúde? Você já esteve lá, impacta muito? 

Senador Humberto Costa – Eu fui ministro, estive lá por dois anos e meio, e durante esse período enfrentei um cerco intenso. Naquela época, a disputa política era muito mais evidente. Obviamente, havia interesses de quem queria controlar o Ministério, já que é uma máquina de dinheiro, mas também havia muita discordância dentro do próprio governo. No caso dela, parece que há muito mais interesses de outras esferas. Aquilo que eu estava dizendo, por exemplo, é que o Ministério da Saúde tem uma burocracia de carreira bem estruturada, com muitas pessoas competentes e tudo mais, mas ninguém consegue ficar só lidando com emendas parlamentares. Esse é um fator que atrapalha demais, lidar com elas sob pressão. Então, quer dizer, o esforço que o Ministério faz hoje para cumprir essas emendas, sejam impositivas ou não, é dentro de uma perspectiva parlamentar e não necessariamente do governo. Não há uma política unificada, é mais uma questão de interesses individuais de cada parlamentar, cada um querendo que sua emenda seja cumprida o mais rapidamente possível.

Como lidar com isso?

Senador Humberto Costa – Então, o Ministério teve que, durante um ano, se adaptar a isso. Não sei se hoje consegue fazer, mas não é moleza. Tem ministério aqui que não consegue executar uma parcela mínima. O Ministério da Saúde conseguiu sob pressão. Tem muita coisa de interesse político, econômico e tal. Acho que ela está adquirindo uma experiência maior, mas tem coisas que podem ser melhoradas. A nossa posição aqui tem sido a de respaldá-la. Até porque o nosso grande receio é que, em uma perspectiva qualquer de mudança, nós vamos para uma coisa central. Então, nós temos dado esse apoio. A gestão tem muitos méritos, tem algumas coisas que precisa melhorar, mas eu próprio sei como aquilo ali é diferente, é grande. E outra coisa: não há sucesso de política pública com curto prazo, principalmente em saúde. Os resultados exigem paciência para se manifestarem. Durante a campanha, destacamos a necessidade de focar na atenção especializada e no atendimento de urgência hospitalar. No entanto, isso não acontece da noite para o dia. Durante a transição, elaboramos essa visão, e o governo fez a melhor escolha possível para a equipe que está trabalhando na área da saúde digital. Mas é um processo que requer paciência, especialmente após um desmonte completo. Precisa ter paciência para as coisas realmente acontecerem. Nós estamos juntos com ela, apoiando essa gestão. Espero que dê certo. Acredito que o governo hoje também tem uma visão muito mais ampla do papel que a saúde pode desempenhar no próprio processo de desenvolvimento do país.

Como fazer essa articulação?

Senador Humberto Costa – A Hemobrás é um resultado já dessa articulação interministerial do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. O Brasil tem um potencial gigante. Trazendo um assunto interessante, embora pudesse ser melhor, mas que o Congresso tratou, foi a questão da lei sobre pesquisa clínica. Eu acho que podia ser melhor. Mas ele já representa um avanço importante e o Brasil tem o potencial de ser um protagonista significativo na pesquisa clínica mundial, atraindo grandes investimentos para cá. Com isso, também podemos superar o problema gravíssimo que estamos vivendo hoje: o encarecimento gigantesco dos tratamentos, que é agravado pelo desenvolvimento tecnológico. Estamos vendo essas empresas de plano de saúde cancelando contratos de pessoas que são autistas ou de pessoas que têm doenças raras. Isso não pode ser feito dessa maneira. O Ministério precisaria olhar mais essa área da saúde suplementar. Ela precisa ser melhor acompanhada, ampliar o diálogo com o setor, mas, ao mesmo tempo, também aumentar essa regulação.

Pensando na sua gestão, o que você considera como grande legado da sua atuação no Ministério?

Senador Humberto Costa – Acho que foi principalmente pensar numa mudança profunda na política de saúde. Lógico que não fui eu que fiz nesse período, até porque o período foi curto, mas nós entregamos para o país uma atenção básica muito mais reestruturada do que tinha anteriormente. A quantidade de equipes de saúde da família, o recurso que foi aplicado na atenção básica. O Brasil hoje é um país que tem uma rede de atenção básica muito boa. Tem problemas ainda, mas são outras discussões. Outro legado muito importante: nós resolvemos o problema do atendimento de emergência pré-hospitalar. O SAMU, hoje, além de ser uma das políticas mais bem avaliadas do governo federal, é uma política de Estado. Nem o Bolsonaro conseguiu destruir o SAMU, mas ele resolveu um problema sério, que era a inexistência de um atendimento pré-hospitalar resolutivo. Nós fizemos um estudo importante: qual o modelo o Brasil vai adotar? Nós vamos adotar o modelo americano da ambulância, que chega com o que eles chamam lá de paramédico. Por outro lado, o SAMU, esse modelo francês, atua de maneira diferente. Ele opera sob a concepção de que quanto mais eu puder avançar no atendimento da pessoa naquela situação, menos sequelas teremos e mais vidas serão salvas. Então, o SAMU tem treinamento para, por exemplo, um grande desastre, ficar três horas atendendo pessoas, demonstrando flexibilidade ao transformar uma unidade de atendimento básico em uma unidade de atendimento avançado.

Quais outros você citaria?

Senador Humberto Costa – Tem o Brasil Sorridente. A saúde bucal no Brasil é um caso gravíssimo, sempre foi. Essa foi uma sacada mesmo do presidente, que me cobrou. E todo mundo quer resultado rápido. O Brasil Sorridente é um programa muito grande. O ministério deve estar para realizar o segundo inquérito epidemiológico sobre saúde bucal. Tenho certeza de que a melhoria do que encontramos no primeiro inquérito, que foi em 2010, em comparação com o que havia anteriormente, será muito melhor. A quantidade de crianças, de pessoas que têm dentes perdidos, é preocupante. Inclusive, uma coisa muito importante é oferecer à população uma atenção de uma complexidade maior. Tem problema? Tem. Mas acredito que foi uma política muito importante. E há a Farmácia Popular, que começou conosco aqui. Ela cumpriu um papel importante e pode cumprir um papel importante de garantir acesso, seja para as pessoas que não vão ao SUS, seja pela dificuldade do próprio SUS de oferecer.

Diante de todos os desafios, o que você acha que poderia ser feito hoje para avançar na saúde? 

Senador Humberto Costa – Tem muita coisa pela frente que pode avançar. Uma discussão que poderia ser feita é sobre algum tipo de auxílio. Por exemplo, eu sou diabético e utilizo aqueles sensores, né? Para mim, são 600 reais por mês. Obviamente, no meu caso é mais fácil, pois tenho um salário de parlamentar que me permite isso. No entanto, para muitas pessoas, esse custo mensal é inviável. E isso faz uma diferença brutal para quem é diabético. Se eu não fosse um parlamentar e trabalhasse em outra área, talvez para eu não pudesse arcar com esse valor mensalmente. Além desses 600 reais, há também os gastos com insulina e outros medicamentos. Então, talvez tenha algum tipo de solução. Hoje isso não está no SUS. Primeiro, precisamos pensar em como incluir no SUS as pessoas com casos mais graves. E para os outros, poderia haver uma forma de copagamento. Não sei exatamente como seria isso, mas em outros lugares do mundo isso é feito. Por exemplo, você paga metade pelo serviço do SUS e a outra metade você paga diretamente. Então, precisamos considerar ideias assim.

O que mais pode avançar? 

Senador Humberto Costa –Além disso, outra iniciativa que tomamos na área da ciência e tecnologia foi o investimento significativo na fábrica de Manguinhos. Também houve investimento em uma fábrica privada, localizada em Minas Gerais, que inaugurou recentemente e é responsável pela produção de insulina. Essa foi uma construção que realizamos há algum tempo. Outra coisa relevante foi que o Ministério da Saúde, pela primeira vez, passou a investir em ciência e tecnologia e também a influenciar na política de ciência e tecnologia. Enfim, acho que é um pouco isso. Tem muitos desafios pela frente. É muito difícil resolver alguns problemas. Como vamos atender a essa demanda pelo SUS, que hoje gera uma necessidade de atendimento de alta complexidade e alto custo? Acredito que, se o Brasil tiver cada vez mais possibilidade de gerar ou ter essa tecnologia, vai ficando um pouco mais barato. Mas hoje é muito caro, né? E outra coisa são as terapias bem-sucedidas. Como você vai negar para alguém que tem uma doença grave, uma criança, um medicamento que pode representar uma melhoria significativa? E como financiar isso também.

Como o senhor vê os próximos passos em 2024?

Senador Humberto Costa – Com essa questão da eleição municipal, muitas coisas passam a ter uma tramitação mais lenta. Por outro lado, a campanha permite um debate sobre algumas políticas. Temos que aprofundar esse debate sobre como melhorar a atenção básica. Essa é uma discussão predominantemente municipal. Mas eu não acho que o Congresso vai estar muito antenado com essa questão da eleição. Eu espero que seja uma trégua para o pessoal poder trabalhar. E espero que eles aproveitem essa trégua para trabalhar muito rapidamente algumas coisas que hoje existem, uma questão que o Ministério tem que responder, essa questão do atendimento especializado. Isso é uma obsessão que o presidente tinha com a farmácia popular e tem hoje com essa questão. Acredito que é difícil, mas é possível garantir o atendimento especializado, garantir que alguém tenha um diagnóstico de câncer e não tenha que esperar 60 dias para começar um tratamento. Porque hoje, se você for analisar, apesar do Mais Médicos – e quando falo do Mais Médicos, não me refiro apenas aos profissionais que vieram trabalhar, mas também à política dos Mais Médicos para a formação profissional, que é uma coisa bem articulada – o que aconteceu depois? Seja pelas decisões judiciais, seja pela postura do Ministério da Saúde nos períodos de Temer e Bolsonaro, houve uma permissividade na abertura, por exemplo, de escolas médicas.

Qual sua leitura sobre essas aberturas?

Senador Humberto Costa – Estamos enfrentando um problema sério, pois essa bagunça resultou na abertura indiscriminada de escolas médicas. Na verdade, disseram que fecharam a porteira, mas na realidade abriram ainda mais. E essa porteira continua se abrindo mais. Uma questão que precisa ser seriamente considerada. O que estão fazendo agora, com as chamadas autarquias municipais, é preocupante. Querem oferecer cursos de medicina cobrando valores altíssimos, como 10 mil, 12 mil e afins, fazendo uma articulação com as prefeituras para implementar esses cursos por meio dessas autarquias municipais. O problema é que não há estrutura adequada para a formação desses profissionais. Tudo é realizado no SUS, chegando ao ponto de utilizar até mesmo hospitais de média complexidade para a formação dos estudantes. Isso é extremamente grave e precisa ser abordado pelo governo de todas as formas possíveis.

Falta uma atuação mais efetiva do governo nessa área?

Senador Humberto Costa – Essa é uma política que envolve o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação. Acredito que hoje existe muito mais sintonia entre esses dois órgãos do governo federal. Por exemplo, o Mais Médicos – não necessariamente com esse nome – mas a ideia de poder levar profissionais. Inclusive, tratei desse assunto em Cuba ainda em 2004. Essa concepção envolve discutir a formação profissional, a questão da residência médica e outras áreas afins. Essas discussões, de certa forma, já vinham sendo conduzidas anteriormente. Porém, ainda precisamos aprofundar essas questões. Naquela época, era muito difícil ter uma interação entre o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde. A visão predominante era de resistência, com questionamentos do tipo: “Por que vocês querem interferir na formação profissional na área da saúde? Isso é atribuição do MEC.” Essa barreira foi superada por Dilma quando ela defendeu o Mais Médicos. Ela insistiu que o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação precisavam trabalhar juntos. Afinal, não é possível desenvolver políticas educacionais ou de saúde nessa área sem uma integração entre esses dois setores. Onde no Brasil está precisando de psiquiatra? É em tal lugar. Por que eu vou fazer residência de psiquiatria em outro lugar? Como é que eu fixo esse psiquiatra que eu formei naquele lugar? São esses os desafios, mas o governo está em linha.

Natalia Cuminale e Rafael Machado

Natalia Cuminale é fundadora e diretora de conteúdo do Futuro da Saúde. Rafael Machado é repórter do Futuro da Saúde.

Natalia Cuminale é fundadora e diretora de conteúdo do Futuro da Saúde. Rafael Machado é repórter do Futuro da Saúde.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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Natalia Cuminale é fundadora e diretora de conteúdo do Futuro da Saúde. Rafael Machado é repórter do Futuro da Saúde.