Com mais cinco audiências pela frente no Senado, votação do texto que regula IA corre risco de ficar para 2025

Com mais cinco audiências pela frente no Senado, votação do texto que regula IA corre risco de ficar para 2025

Entre as novidades no novo texto está a definição de que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados coordenará Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial

By Published On: 19/06/2024
Com mais cinco audiências para discutir a regulação da IA, votação do texto que regula IA corre risco de ficar para 2025

Foto: Pixabay

A Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA) do Senado apresentou na última terça-feira, 18, um substitutivo ao projeto de lei (PL) 2.338/2023, que busca estabelecer regulamentações mais abrangentes para o uso da inteligência artificial no país. Durante a apresentação, o relator do texto, senador Eduardo Gomes (PL-TO), fez a leitura de seu novo relatório sobre a proposta. Com longa tramitação pela frente, há risco de que a votação do texto que regula IA fique para ano que vem.

O novo texto mantém a criação de um Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA) e designa a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) como a entidade responsável pela coordenação do SIA. Além disso, traz pequenas mudanças em relação ao substitutivo anterior nos direitos da pessoa ou grupo afetado por sistemas de IA, independentemente do seu grau de risco. Também incorpora regras de proteção ao trabalho e trabalhadores para mitigar os efeitos negativos da IA e estabelece medidas de incentivo para microempresas, empresas de pequeno porte e startups.

“Todos os parlamentares envolvidos no processo estiveram acessíveis e disponíveis para receber manifestações diversas sobre o tema, muitas vezes antagônicas entre si, mas que articulados em seu conjunto, permite alcançar um resultado harmônico”, disse Gomes antes de iniciar a leitura do relatório.

A proposta incorporou diversos temas de outros nove projetos que tramitam em conjunto, os quais o relator considerou prejudicados. Agora, a votação ocorrerá após cinco audiências públicas sobre o tema na Comissão, e está aberto um novo prazo para os senadores apresentarem emendas ao projeto. Um dos principais motivos apontados para postergar a votação do texto foi a volumosa quantidade de emendas apresentadas pelos senadores nos últimos dias. Com o recesso do plenário, que se inicia em 18 de julho, a previsão é de que as cinco audiências ocorram até essa data, já que a comissão é temporária e seus trabalhos estão previstos para encerrar em agosto. Após a votação final do projeto no Senado, ele será encaminhado à Câmara dos Deputados.

Gustavo Macedo, especialista em inteligência artificial, diplomacia científica e inovação, e professor de administração e economia do INSPER e de relações internacionais do IBMEC, reforçou a relevância do avanço da votação do relatório: “Esta é a primeira lei de IA, e esperamos que seja apenas a primeira de muitas que devem se seguir nos próximos anos. Este é um passo importante, pois estabelecerá um marco e um ponto de partida. A votação do relatório é crucial, pois traz contribuições de vários outros projetos de lei apresentados nos últimos cinco anos, tanto na Câmara quanto no Senado”.

Principais alterações do PL

Especificamente na área da saúde, o texto considera as IAs como de alto risco quando são desenvolvidas para auxiliar diagnósticos e procedimentos médicos. No entanto, restringe esses cenários apenas quando houver risco relevante, que apresente grande impacto físico às pessoas. Essa é a análise de Filipe Medon, um dos participantes da comissão de juristas, coordenador de proteção de dados e inteligência artificial da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ e professor da FGV Direito Rio:

“Há uma preocupação inicial com as aplicações de inteligência artificial na área da saúde, mas também uma grande ênfase nos direitos autorais. A IA utilizada nesse contexto pode ser treinada com dados, o que levanta questões sobre direitos autorais e proteção de dados. Isso demanda um equilíbrio para promover o avanço científico, ao mesmo tempo em que protege os direitos envolvidos, especialmente os direitos autorais e a privacidade dos dados das pessoas. Essa dupla preocupação não se limita apenas às aplicações em si, mas também engloba o desenvolvimento da tecnologia”.

No novo texto apresentado pelo senador Eduardo Gomes, é estabelecido que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) coordenará o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), uma decisão que divide opiniões. Macedo defende a necessidade de haver coordenação em proteção de dados e instituição, mas ressalta que as duas coisas não são sinônimos: “O ideal é que criemos algo novo, em vez de aproveitarmos o que já existe. A ANPD também tem suas limitações. Ela não está madura o suficiente, considerando suas prerrogativas originais”. No entanto, ele sugere que essa abordagem também pode ser uma estratégia para fortalecer a autoridade e transformá-la: “Às vezes, você dá mais força para ela, para que possa cumprir plenamente tanto suas funções originais quanto as novas funções”.

Sobre essa questão, Filipe Medon afirma que “nada adianta uma autoridade sem poder”. Em sua opinião, a ANPD precisaria ter uma estrutura financeira para contratar pessoal e realizar concursos, a fim de lidar com questões relacionadas à IA.

Ele ainda destaca que um dos pontos que precisa ser debatido é como será a coordenação entre as agências que compõem o Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA). Para Medon, esse é um ponto que ainda deve ser esclarecido: “Como essas agências vão de fato atuar e se coordenar para promover uma regulação efetiva, sem que haja uma perda de uma coordenação central que, em tese, caberia nesse modelo da ANPD?”

Proteção aos trabalhadores

Na opinião de Filipe, houve alguns avanços na parte de incentivos à sustentabilidade e de proteção aos trabalhadores, mas parece aquém do que precisa ser feito: “Só reforça a importância da necessidade de termos uma política nacional de IA, uma estratégia nacional de IA refeita e fortalecida. Porque, de fato, uma lei que tem um caráter mais de regulação dos riscos acaba não tendo muito espaço para realmente realizar essa proteção da IA em outros setores, como o trabalho e também o meio ambiente”.   

Gustavo Macedo também afirma que, em relação ao conteúdo da lei, o receio é criar uma legislação ampla que englobe níveis de risco, capacidade de inovação, incentivo à pesquisa e gestão de uma autoridade, mas que deixe de fora questões que ele considera especialmente importantes:

“É necessária uma maior clareza sobre responsabilidade civil. Quem é responsável pelo que é feito e compartilhado? Não está muito claro o que isso significa em termos de soberania nacional. Identificar essa lei como muito importante é crucial para posicionar o Brasil no mapa da inteligência artificial, não apenas como um país consumidor, mas também, eventualmente, como um produtor de IA”.

Na sua perspectiva, existem algumas oportunidades desperdiçadas, pois o Brasil está buscando regular a IA, inspirando-se muito nos modelos americano e europeu, e está perdendo a chance de desenvolver sua própria regulação, que expresse seus anseios e peculiaridades:

“Um país com uma biodiversidade imensa, fontes de energia renováveis incomparáveis em praticamente nenhum outro lugar do mundo, um vasto mercado consumidor e uma população hiperconectada. Portanto, existem algumas peculiaridades nossas, características únicas do Brasil, que, na minha opinião, não estão sendo devidamente consideradas”.

Especialmente na área da saúde, a sugestão é que todas as entidades e organizações se interessem e participem desse tipo de trabalho. Esses grupos devem criar comitês de discussão sobre como irão se posicionar em relação ao futuro dessa regulação: “Recomendamos que sejam convidados também especialistas externos, justamente porque podem trazer uma visão atualizada sobre eventuais riscos ou implementações dessa tecnologia de inteligência artificial na área da saúde”, diz Gustavo.

Risco do PL ficar para o próximo ano

Com as eleições municipais em outubro, há possibilidade de que a votação final acabe ficando para 2025. Embora muitos defendam a urgência da aprovação, há também pedidos para que o texto seja debatido com mais cautela. Entre eles, o senador Marcos Pontes que sugeriu as cinco audiências públicas para tratar desse novo texto.

Filipe Medon acredita que há muita incerteza em relação aos próximos passos: “É um cenário ainda de incerteza e essas próximas semanas vão ser decisivas para saber se o projeto será de fato votado antes ou depois das eleições. Esse pedido de mais cinco audiências públicas apenas reforça essa tendência que parte dos senadores estão vendo de pedir um adiamento que, no fundo, vai acabar culminando no adiamento da votação talvez para o ano que vem”.

Do seu ponto de vista, o senador Eduardo Gomes acolheu muitas das emendas propostas. No entanto, apesar do consenso crescente em relação a isso, parece haver um atraso em relação à votação desses casos.

Outro ponto a considerar é que, mesmo com a aprovação da lei, sua aplicação na prática pode enfrentar desafios, como reflete Gustavo Macedo. Segundo ele, isso também pode ser problemático, pois algo semelhante ocorreu com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), considerada uma boa lei no papel, mas cuja aplicação prática enfrenta uma série de desafios. Do ponto de vista do poder público, há dificuldade em executar o que está previsto na lei devido à limitação de recursos e à falta de coordenação interna no âmbito federal. Além disso, a sociedade civil e o setor privado também enfrentam problemas, pois participaram muito pouco do processo de elaboração da LGPD, resultando na falta de um consenso representativo.

O receio de Gustavo é que o mesmo possa acontecer com a Lei de Inteligência Artificial. Embora os projetos de lei estejam tramitando desde 2019, o debate sobre inteligência artificial no Brasil ainda não reflete de maneira representativa os anseios da população brasileira:

“O tema é difícil. Não é muito claro para o leigo o que de fato está em jogo e quais são as regras envolvidas. Percebemos que apenas a partir do ano passado houve um aumento do interesse, mas, na minha opinião, é muito pouco. O interesse de alguns setores da sociedade brasileira em acompanhar essa discussão ainda é limitado”, esclarece.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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