Saúde suplementar enxuga custos, reduz parceiros e mercado tem expectativa de melhores resultados ainda em 2023
Saúde suplementar enxuga custos, reduz parceiros e mercado tem expectativa de melhores resultados ainda em 2023
Planos de saúde começam a mostrar possibilidade de recuperação após período de crise na saúde suplementar
A crise na saúde suplementar segue movimentando o mercado. Empresas do setor se adaptam para buscar uma gestão mais eficiente, que visa redução de custos, remodelando os serviços e com negócios mais estratégicos. O cenário tem levado operadoras de planos de saúde a tomarem medidas para contornar a alta sinistralidade – neste segundo semestre, as ações ficaram ainda mais visíveis. Por outro lado, prestadores de serviços, como hospitais privados, também têm se movimentado para ajustar os parceiros e buscar reajustes. Para analistas de mercado, há a expectativa de que tais iniciativas comecem a dar resultados ainda em 2023.
Com uma sinistralidade média de 89,2% no 2º trimestre, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o setor começa a ter uma recuperação discreta, com um recuo de 0,6 pontos quando comparado aos três primeiros meses do ano. A tendência deve permanecer nos 3º e 4º trimestre, como resultado das ações tomadas e as festas de fim de ano, quando os beneficiários realizam menos cirurgias eletivas e idas a consultas.
“O primeiro semestre foi muito complicado, com várias operadoras fazendo cortes, reduzindo estrutura. Muitas se desfizeram de aquisições do passado, venderam startups, remodelaram toda a parte de imobilizado, com terceirização de equipamentos. Enfim, diversas ações feitas para enxugar o operacional e despesas administrativas, aquelas sem relação com sinistralidade, a parte de comercialização, buscando novos modelos. Tudo isso foi reestruturado”, avalia Bruno Porto, sócio da PwC Brasil.
Em novembro, a Hapvida anunciou o fechamento de praças onde não possui redes verticalizadas, com hospitais e clínicas próprias. Com uma sinistralidade de 71,9% no 3º trimestre, a operadora reforça seu modelo de negócio, focando em locais onde tem uma estrutura que conversa com seu trabalho.
Já a Rede D’Or encerrou contratos com três operadoras por baixa remuneração. A dificuldade em conseguir reajustes dos serviços prestados às operadoras têm afetado todo o setor, pelo cenário de crise na saúde suplementar e as pressões nas contas. Sendo um dos mais importantes grupos do país, a empresa anunciou que já houve recomposição parcial dos pacientes, o que deve ser concluído em 2024.
Com uma perspectiva otimista, o mercado vê essas ações com bons olhos e aguarda a reação de forma mais expressiva. “Devemos ver ainda um ciclo de reajustes de mensalidades bem forte, e a sinistralidade deve melhorar bastante já no 4º trimestre de 2023. Tudo que vem sendo feito tem efeito cumulativo. Os reajustes por aniversário de contrato, aumento da coparticipação e limites de reembolsos demoram algum tempo para ganhar momento dentro dos resultados”, aponta Rafael Barros, head de Saúde e Educação da XP Investimentos.
Cortando na raiz para enxugar custos
O anúncio da Hapvida sobre deixar praças onde não possui rede verticalizada, com cancelamento de cerca de 60 mil contratos, veio junto com a divulgação do balanço do 3º trimestre. Com uma redução da sinistralidade, apontada como a menor desde a fusão com o Grupo Notredame Intermédica (GNDI), a operadora também apresentou um aumento do ticket médio em 11,8%.
“O processo de integração ainda tem algumas etapas a serem cumpridas. GNDI e Hapvida sempre foram vistas como operadoras verticalizadas, mas que tinham modelos de negócios diferentes. Juntar esses dois gigantes tem desafios. A Hapvida tem que tomar algumas decisões, avaliando se vale a pena manter em alguma região uma dinâmica mais fluída que a GNDI teve ao longo da história ou manter o seu modelo de verticalização, com foco grande em redução de sinistralidade, e se isso funciona dentro das regiões e ativos que vieram com a fusão”, explica Barros.
O head de Saúde e Educação da XP explica que não só houve esses cortes, como a operadora tem trabalhado para redimensionar as redes de cobertura e renegociar contratos, não só em relação ao preço. A Hapvida tem optado por buscar reajustes em relação à coparticipação. Com isso, espera-se que apesar de melhorar as contas, haja uma redução da carteira de beneficiários. Nesse 3º trimestre, a empresa reportou 90 mil vidas a menos.
A expectativa é que haja ainda uma segunda leva de reajustes, acima de 10%. Como o aumento é feito no aniversário do contrato, e o índice para contratos empresariais é realizado caso a caso, o resultado só poderá ser visto com o passar dos meses, mas os analistas apontam que há um otimismo sobre a melhora na sinistralidade.
Cenário nos hospitais
O cenário de crise em 2023 tem atingido também os hospitais. Sendo os principais parceiros das operadoras, e com grande volume financeiro em procedimentos, consultas e cirurgias, eles têm tido dificuldade para reajustar as tabelas de cobrança. Apesar de Bruno Porto, da PwC Brasil, apontar que pouco se mudou no comportamento das empresas, é possível ver uma busca pelo diálogo.
“Há uma tentativa mais frequente de reajustes com as operadoras, uma negociação para melhorar o tema de glosas, trabalhando com a operadora mais fortemente no tema de fraudes e melhorar os processos. Os hospitais têm olhado para os processos, relacionados a centros cirúrgicos, uso de leito, todo mundo fala em eficiência operacional hoje, é um dos principais temas, para se buscar uma visão de melhoria financeira, de mais eficiência”, explica Porto.
Levantamento da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), realizado entre agosto e setembro com 48 instituições associadas, apontava que o atraso no pagamento por parte das operadoras era equivalente a R$ 2,3 bilhões, cerca de 16% da receita bruta dos hospitais. Estima-se que R$ 1,29 bi estava sob glosa.
A Rede D’Or, por exemplo, sendo um dos maiores grupos de hospitais do Brasil, com mais de 11 mil leitos e 70 unidades próprias, optou por cortar os vínculos com três operadoras, em Brasília e Salvador, por pagarem abaixo do valor médio cobrado. O grupo aponta que parte dos beneficiários já haviam migrado para outros planos de saúde e a recomposição total deve ocorrer em 2024.
“Visto a forma como eles deram publicidade a isso, é esperado que as operadoras comecem a olhar e avaliar que não dá para esticar muito a corda com a Rede D’Or. Sabemos que em algumas regiões ela tem uma certa predominância, e portanto o beneficiário quer acesso a aqueles hospitais. Na hora que cortar algum plano, o beneficiário vai fazer de tudo para ter acesso”, alerta Rafael Barros.
Outras ações
Em outras frentes, operadoras e prestadores de serviços têm trabalhado para enfrentar a crise da saúde suplementar, seja reduzindo custos operacionais, administrativos e até repensando o modelo de negócio. As fusões e aquisições em 2023 não ganharam destaque, sendo a adequação das contas um dos principais pontos.
“Temos visto até desinvestimento, com empresas que compraram startups se desfazendo desses negócios, até como uma forma de se reestruturarem, porque a tese não se confirmou como viável financeiramente no longo prazo. Então, se revisita estrategicamente a compra e há algumas, inclusive, vendendo com perda”, detalha Bruno Porto, da PwC Brasil.
É o caso, por exemplo, da Qualicorp, que deixou de ter participação na Escale Health Seguros. A administradora de benefícios adquiriu, em 2021, 35% da startup, junto a 5% do capital da Quinhentos, controladora da Escale. À época, o investimento foi de R$ 132,6 milhões, mas a Qualicorp vai receber apenas R$ 29,7 milhões com a saída, ficando com um prejuízo de 72%.
A empresa também reduziu o número de funcionários em 25% e fechou oito lojas em São Paulo e Rio de Janeiro, dois dos principais estados para a saúde suplementar, mas que segundo a administradora não houve demanda suficiente. Estima-se que toda a reestruturação reduziu os custos anuais em R$ 120 milhões.
Mesmo as healthtechs passaram por mudanças. A Alice, operadora de planos de saúde que comprou a QSaúde em maio, atingindo a marca de 30 mil vidas em sua carteira de beneficiários em setembro, anunciou uma revisão do seu modelo de negócio. A empresa passa a vender apenas planos empresariais, após ter focado em oferecer convênios individuais e familiares, categoria que representa 64,3% da carteira atual.
Considerados mais flexíveis, tanto do ponto de vista do contrato quanto do reajuste anual da mensalidade, os planos empresariais dominam o mercado e são responsáveis pela maior parte dos beneficiários no Brasil, 70% das vidas do setor. Os planos individuais são escassos, sendo oferecidos principalmente por operadoras verticalizadas, já que possuem maior controle sobre os custos.
2024
“O ano passado foi icônico para o setor. Já estávamos em uma cauda final de pandemia, a Covid-19 não era algo que pesava nos sistemas de saúde privado e público. Mas vimos a sinistralidade média do mercado escalando de forma consistente. Outras coisas jogaram contra a lucratividade dessas empresas, como mudanças regulatórias, rol exemplificativo, fim da limitação de terapias para algumas doenças e condições”, avalia Rafael Barros, da XP Investimentos.
Com as reestruturações, a expectativa é que 2024 tenha um cenário melhor que o que vimos no decorrer de 2023, com um maior controle da sinistralidade e maior eficiência por parte de hospitais e operadoras. O otimismo dos analistas deve se provar ao longo do ano, mas apontam que a retomada aos patamares pré-pandemia deve ocorrer apenas em dezembro.
“Vemos operadoras adquirindo hospitais, clínicas ou serviços que são de recorrência muito grande na população coberta por elas, como o transtorno do espectro autista, que tem tido aumento significativo de reembolsos e despesas assistenciais. Diversas operadoras estão criando programas dentro de casa para isso, para fazer todo o tratamento para dentro da operadora, de forma verticalizada, não precisando de rede”, analisa Bruno Porto.
O setor como um todo deve ter um acréscimo de 2% a 3% no número de beneficiários, podendo chegar a 52,4 milhões de beneficiários, levando em consideração o último dado da ANS, de setembro. Contudo, essa previsão, de acordo com Rafael Barros, depende da continuidade do cenário econômico do país, com um crescimento tímido ao longo do ano. A redução na taxa de desemprego está, historicamente, ligada ao aumento da população com plano de saúde.
Com a perspectiva de melhora econômica por parte das operadoras e hospitais, as movimentações no setor podem ser retomadas, ainda que de forma discreta, mantendo o foco na eficiência dos serviços. Após um ano onde ocorreram poucas fusões e aquisições na saúde, a expectativa é que haja uma mudança de cenário.
“Em 2024, com a redução do juros e o capital teoricamente ficando mais barato, a possibilidade de voltar a haver IPOs no Brasil, inflação sendo domada, reforma tributária vindo, melhoria de custos, um cenário melhor se mostrando presente, é possível que a gente enxergue o início de uma retomada de fusões e aquisições, talvez com uma visão ainda maior de verticalização e concentração, para se buscar eficiência, com compras conjuntas, eficiências operacionais de sinergias”, conclui Porto, da PwC.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.