O que esperar da saúde no Congresso Nacional em 2025?

O que esperar da saúde no Congresso Nacional em 2025?

Ano legislativo começa com mudanças nas comissões de saúde, e principais pautas incluem planos de saúde, autismo e fiscalização de programas

By Published On: 12/02/2025
Saúde no Congresso Nacional: Ano legislativo começa com mudanças nas comissões de saúde e principais pautas incluem planos de saúde, autismo e fiscalização de programas

Foto: Pexels

O início deste mês marcou o retorno das atividades legislativas e a abertura oficial do ano legislativo de 2025 com mudanças significativas no comando do Congresso Nacional para os próximos dois anos. A eleição das novas mesas diretoras e presidência definiu o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) para presidir a Câmara dos Deputados e o senador Davi Alcolumbre (União-AP) para conduzir o Senado Federal. Agora as duas Casas devem decidir a composição das comissões permanentes, dentre elas a Comissão de Saúde da Câmara e a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Elas são responsáveis por estudar as propostas legislativas, promover debates, fiscalizar e acompanhar o poder Executivo, contribuindo para a qualidade das leis produzidas no âmbito da saúde.

Para que as comissões comecem a funcionar é necessário definir a composição dos colegiados e os cargos de presidente e vice-presidente. As indicações para a presidência seguem o critério da proporcionalidade, garantindo prioridade aos partidos com as maiores bancadas na escolha das comissões conforme os acordos partidários. A escolha dos novos nomes ocorre por indicação dos líderes partidários. No Senado, durante a sessão que elegeu o presidente da Casa, os líderes anunciaram que a CAS deve ser encabeçada pelo MDB através do senador Marcelo Castro. Já na Câmara, a presidência da Comissão de Saúde está sendo cobiçada pelo PL. Com 92 deputados, o partido da oposição é o maior da Casa e deve ser o primeiro a escolher as comissões que quer. No entanto, a decisão oficial deve ser tomada somente após o Carnaval. 

O presidente de cada comissão exerce o chamado “poder de agenda”, sendo responsável por definir a pauta das reuniões e indicar os relatores das propostas em análise. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e especialista em políticas públicas, Rômulo Paes de Sousa, nos últimos anos o Legislativo ganhou muita força na área da saúde e passou a influenciar as políticas do setor. Dois fatores foram determinantes para isso: o poder das emendas parlamentares no orçamento do Ministério da Saúde e a politização de temas da área como objetos de articulação e mobilização para atrair a atenção pública e de eleitores.

Desse modo, para Sousa é fundamental acompanhar as presidências do parlamento que podem interferir nas pautas dessas comissões. “A atuação do Congresso na saúde vai depender muito, não é só do partido, mas de quem serão os titulares de cada uma dessas comissões. Nós já sabemos que há uma politização enorme na área e isso tende a acontecer de maneira ainda mais forte esse ano por causa das eleições de 2026. Então ter parlamentares extremistas é péssimo, porque as casas podem deixar de tratar o que é relevante ou então regredir em pautas de direitos humanos que são muito alinhadas à saúde”, comenta Sousa.

Conforme Júlia Pereira, gerente de relações institucionais do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e uma das responsáveis pelo projeto Radar da Saúde, que acompanha políticas na área, nos bastidores é quase certa a definição do PL para a comissão da Câmara, devido a acordos partidários. “O movimento do PL tem relação com as emendas parlamentares e maior poder de decisão para onde esse recurso vai. Também acho que pautas que passam mais pelos costumes tradicionais e saúde podem ficar mais em voga caso eles assumam a presidência. Ela decide o que vai tramitar e o que não vai, então isso com certeza implica numa mudança do perfil da comissão e dos tipos de projetos que vão estar em discussão”, afirma Pereira. 

Para Luciano Gonçalves de Souza Carvalho, diretor de Assuntos Parlamentares da Associação Médica Brasileira (AMB), não importa quem ou qual partido político assuma as comissões. O importante é que a presidência tenha uma estratégia para o fluxo de propostas, buscando aprová-las da melhor forma possível, em conjunto com os demais segmentos que atuam na área da saúde. “Como a saúde é um dos principais focos de atenção de vários setores, há uma demanda constante por novos projetos em tramitação. Por isso é fundamental que os segmentos organizados da sociedade, especialmente aqueles com interesses específicos, monitorem e acompanhem esse processo”, diz Carvalho.

Pautas do Governo e fiscalização de programas devem estar no radar

O ano legislativo deve ser movimentado na área da saúde. A Comissão de Saúde da Câmara possui mais de 200 propostas em tramitação prontas para serem pautadas e a CAS do Senado possui 101 projetos que já podem entrar em discussão e análise. Segundo especialistas, debates impulsionados pelo Governo Federal e de fiscalização do Executivo devem estar no foco esse ano. De acordo com a gerente do IEPS, as principais demandas do Governo Federal para o Legislativo devem ser a busca pela aprovação de leis de incentivo à produção nacional dos insumos médicos, a atualização de marcos legais de telessaúde e saúde mental e o aprimoramento de parcerias público-privadas para equipamentos de média e alta complexidade. 

Para Sousa, da Abrasco, o Legislativo também deve ser pautado por algumas iniciativas federais que exigem fiscalização, como as ações contra a dengue e o Programa Mais Acesso a Especialistas. “Este é o principal programa do Ministério da Saúde e uma aposta do governo para enfrentar a questão das filas, hiatos de atendimento e desassistência no SUS. Então, obviamente o Congresso vai ter interesse e vai observar o que o governo está conseguindo entregar em relação a esse tema. Outra questão importante é a dengue, a vacinação é um tema quente que vai chamar muita atenção e aparecer no Congresso esse ano”, aponta o presidente. 

Outra discussão que já está prevista na agenda dos parlamentares, na visão de Júlia Pereira, são as agências reguladoras. Assim, o início do ano também deve ser marcado pela sabatina no Senado dos novos presidentes e diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “Essas agências já estão há algum tempo sem presidente, então eles precisam fazer essa sabatina. São duas agências que já estão operando bastante agora, por exemplo, com a regulamentação dos cigarros eletrônicos e sandbox de planos populares. São discussões importantes que estão sendo feitas sem os presidentes indicados. Então isso vai movimentar bastante o parlamento nesse primeiro semestre”, prevê Pereira. 

O ano legislativo também começa com 56 vetos presidenciais pendentes de análise, sendo que 33 deles trancam a pauta, ou seja, parlamentares não podem votar em novos projetos antes da apreciação desses vetos. Na área da saúde destaca-se o Projeto de Lei (PL) 2.687/2022 que classifica o diabetes mellitus tipo 1 como deficiência para todos os efeitos legais e que recebeu veto integral do presidente Lula em dezembro de 2024. Com isso, os portadores da doença poderiam se enquadrar entre os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de outros programas governamentais. Outro PL que também sofreu um veto integral e deve voltar para análise do Congresso é o PL 6.064/2023, que estabelecia indenização única de R$ 50 mil a pessoas com deficiência causada pelo zika vírus durante a gestação, além do pagamento de pensão mensal vitalícia de R$ 7.786,02.

Quais serão os principais temas de discussão do Legislativo?

Discussões que não foram finalizadas em 2024 devem retornar com força ao parlamento. Assuntos como a regulação dos planos de saúde, direitos sexuais e reprodutivos, saúde mental, autismo e emendas parlamentares são algumas apostas dos especialistas para esse ano legislativo. A regulação da inteligência artificial, aprovada em dezembro pelo Senado, é um dos principais temas que devem ser analisados pela Câmara neste ano. Além disso, a CPI das apostas esportivas e jogos online continuará em 2025 trazendo a pauta das bets e saúde mental.

De acordo com os especialistas um dos principais temas que deve ser retomado de forma mais intensa em 2025 é a atuação e regulação dos planos de saúde. Assuntos como cancelamentos unilateriais de contratos devem continuar em discussão e a revisão da política de preços e reajustes proposta pela ANS deve entrar na pauta deste ano. O presidente da Abrasco destaca também a proposta da agência de criação de planos de saúde voltados estritamente para consultas eletivas e exames. “Essa discussão está no Congresso há 14 anos, não avança porque é um tema complexo e na última quarta-feira,11, a ANS aprovou e autorizou o funcionamento desses planos. Certamente vamos ter uma movimentação dos parlamentares sobre isso e uma discussão judicial. Esses planos são muito complicados, é um debate polêmico que vai para o Legislativo”, afirma Sousa.

Os direitos sexuais e reprodutivos são outra discussão que deve continuar no parlamento. Em agosto de 2024 um levantamento da ONG CFemea identificou 101 propostas legislativas que visam restringir as possibilidades de aborto legal no Brasil, sendo 90 delas concentradas na Câmara dos Deputados. Dentre elas, pelo menos 20 foram apresentadas após o Projeto de Lei (PL) 1904/2024, que propõe equiparar a pena do aborto à do crime de estupro, conhecido como “PL do Estupro”.

“Tivemos um movimento intenso de resistência ao aborto no ano passado com parlamentares tentando proibir a destinação de recursos públicos. Enquanto o Ministério da Saúde fez algumas notas colocando diretrizes mais claras sobre o assunto, o Congresso reagiu a essas diretrizes com audiências públicas, muitas propostas, requerimentos, pedidos de explicação. Houve muitos questionamentos também sobre o gasto de dinheiro público com métodos contraceptivos como o DIU e pílula do dia seguinte. Então é um tema que pode voltar em 2025″, aponta Pereira.

Em relação a reprodução, o diretor da AMB pontua também que outro debate que deve continuar é sobre a violência obstétrica, que possui diversos PLs sobre o assunto em tramitação nas duas Casas e que a associação vai trabalhar para que o termo seja substituído por violência da assistência à gestante.

No escopo da área médica, Carvalho, da AMB, destaca também que o Congresso deve se debruçar sobre PLs que buscam a avaliação do exercício da profissão e dos egressos do curso de Medicina diante do aumento do número de faculdades de graduação.

Visando avaliar a qualidade da formação médica, tramitam no Congresso Nacional diversos projetos que buscam implementar um Exame Nacional de Proficiência em Medicina. O mais avançado é o PL 2.294/2024 do Senado de autoria do senador Marcos Pontes (PL/SP). A proposta prevê que somente poderão se inscrever no Conselho Regional de Medicina e, consequentemente, exercer a profissão quem obtiver aprovação na prova. “Esse é um tema sensível, pois cerca de 90% das escolas médicas no Brasil são privadas, enquanto pouco mais de 10% são públicas. Algumas dessas instituições veem nossas exigências como excessivas, mas entendemos que elas são o mínimo necessário para garantir uma formação adequada e, consequentemente, uma assistência médica segura e eficiente”, explica o diretor.

Outro tema considerado em alta pelos especialistas são PLs ligados ao Transtorno do Espectro Autista (TEA). O IEPS atua em parceria com a Frente Parlamentar de Saúde Mental e mapeou que existem 710 projetos em tramitação sobre saúde mental no Congresso. Pereira comenta que quase 80% das propostas versam sobre a temática do autismo abordando questões como garantia de direitos, o enquadramento do TEA como uma categoria de deficiência e cancelamentos unilaterais de planos de saúde de pessoas com autismo.  “Isso é um tema que está muito em discussão no momento e precisamos olhar pra ele com mais atenção, debater com mais calma e entender um pouco para onde estão indo esses movimentos”, analisa a gerente. 

Rebeca Kroll
Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

About the Author: Rebeca Kroll

Jornalista formada pela Universidade Federal de Santa Maria. Foi trainee do programa "Jornalismo na Prática" do Correio Braziliense, voltado para a cobertura de saúde. Premiada na categoria de reportagem em texto na 2ª edição do Prêmio de Comunicação de Saúde na Primeira Infância da Fundação José Luiz Egydio Setúbal.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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