Os passos do Brasil para tornar saúde mental uma pauta prioritária

Os passos do Brasil para tornar saúde mental uma pauta prioritária

Ministério da Saúde informa que tema está no topo da agenda política e especialistas entendem que projetos em andamento precisam avançar

By Published On: 25/04/2024
Saúde mental pauta prioritária

A saúde mental, que por muito tempo foi cercada de tabu, virou um dos principais temas de debate na sociedade. Mas apesar das inúmeras iniciativas nos últimos anos que buscam melhorar o cenário, diversos estudos ainda alertam para um aumento. Em 2023, um relatório da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) chegou a afirmar que a pauta deveria estar no topo da agenda política pós-Covid-19. E, no Brasil, levantamento da Ipsos indicou que cinco em cada dez brasileiros acreditam que a saúde mental é o principal problema do país em termos de bem-estar da população.

A pauta ganha destaque inclusive em Brasília, com mais projetos voltados para o tema. João Mendes, coordenador de Desinstitucionalização e Direitos Humanos do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (DESMAD/MS) do Ministério da Saúde, disse ao Futuro da Saúde que a nova gestão tem tratado o tema como prioridade: “Existe ao menos um serviço de saúde mental em 75% dos municípios elegíveis para serviços especializados. A retomada da política de saúde mental, a partir de 2023, está impulsionando a expansão e a interiorização dos serviços, mas ainda há alguns vazios assistenciais.”

O DESMAD integra a Secretaria da Atenção Especializada do Ministério da Saúde e ficou responsável pela retomada da habilitação de novos serviços e por iniciar estudos para a recomposição do custeio dessas atividades. Desde sua posse no início de 2023, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, trouxe em seu discurso que o cuidado com saúde mental seria um dos assuntos mais importantes de sua gestão no curto prazo.

De lá para cá algumas ações avançaram, como a reabertura do sistema de habilitação de serviços do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), que havia sido interrompido em 2019, a recomposição orçamentária da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e a respectiva inclusão no novo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), além da retomada da Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada pela última vez em 2010.

A pauta também é defendida pelo deputado federal Leo Prates (PDT-BA) que assumiu a coordenadoria de Atenção Primária da Frente Parlamentar Mista pela Promoção da Saúde Mental que trabalha na criação de uma agenda prioritária sobre o tema no Congresso. Conforme o parlamentar, “as decisões de ampliar os CAPS mostram que há uma preocupação da atual gestão em priorizar o cuidado da saúde mental na pauta de saúde pública”.

Participação social na Política Nacional de Saúde Mental

Embora a saúde mental esteja em pauta, sobretudo após os efeitos da pandemia, para Filipe Asth, doutor em Políticas Públicas e secretário executivo da Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), essa temática é capturada pelo viés do diagnóstico, pautada a partir da doença, sem considerar especificidades individuais e de contexto:

“Entendemos que não dá pra falar em saúde mental sem falar em direitos humanos e condições sociais básicas, como emprego e acesso à cultura e lazer. É urgente ampliar a discussão nessa direção. Saúde é mais do que reduzir vulnerabilidades.” 

O IEPS tem trabalhado para a construção de políticas públicas sobre o tema mais alinhadas às necessidades da população. Em 2023, Asth foi convidado para exercer a Secretaria Executiva da Frente Parlamentar, ficando responsável pela articulação entre os parlamentares, construção e implementação da Agenda Legislativa e pela elaboração de produções técnicas que subsidiam as decisões em relação aos assuntos debatidos. Além disso, o IEPS subsidia ações de comunicação e realização de eventos, tais como o lançamento da Frente, reuniões de planejamento estratégico e com o Conselho Consultivo.

Quem também atua neste cenário é o Instituto Cactus, que busca qualificar o debate em torno de políticas públicas de saúde mental. Nesse sentido, trabalha para dar mais centralidade ao tema tanto no Congresso Nacional quanto na Esplanada dos Ministérios. A instituição participou das discussões iniciais de construção e desenho da Frente Parlamentar junto ao gabinete da Deputada Tabata Amaral (PSB/SP) e, atualmente, é membro do Conselho Consultivo.

Para Silvia Molinar, secretária-executiva do Cactus, o diálogo é positivo não apenas por sensibilizar os parlamentares sobre a importância do tema e dar mais voz para a pauta, mas também para a sociedade como um todo, uma vez que as iniciativas ali apoiadas, se aprovadas, podem gerar impacto real para a população.

Porém, para que o tema ganhe relevância, os recursos orçamentários são importantes, ao mesmo tempo que são um obstáculo, pontua Filipe Asth: “O principal desafio é a limitação do orçamento, que é central para a implementação dos serviços da RAPS, para que seja, de fato, promovido o acolhimento em saúde necessário nas políticas de saúde mental”. Dados da OPAS apontam que, na região da América Latina e no Caribe, os recursos destinados à saúde mental representam, em média, apenas 2% do orçamento total de saúde. 

Segundo João Mendes, o Ministério da Saúde recompôs o orçamento da política de saúde mental: “Comparado com 2022, este ano há previsão de investimento de novos R$ 425 milhões anuais no custeio da RAPS. Esse recurso é referente à soma em que, por um lado, ocorreu a recomposição orçamentária de 27% no custeio dos serviços existentes e, por outro lado, ocorreu habilitação de novos serviços que passaram a ser custeados com orçamento federal”, explica.

O coordenador do DESMAD disse ainda que há previsão de investir mais de R$ 400 milhões até o final do PAC 3 e que essas ações “fortalecem a RAPS tanto com a expansão do número de serviços quanto com a otimização das estruturas existentes”.

Ações nacionais em prol da saúde mental

Aprovado no fim de 2023, a Política Nacional de Assistência Psicossocial nas Comunidades Escolares foi instituída em 16 de janeiro pela Lei nº 14.819/2024. A iniciativa do Senador Alessandro Vieira (MDB/SE), que contou com o apoio técnico do Instituto Cactus e do IEPS, visa estabelecer princípios e diretrizes para a construção de ambientes escolares mais saudáveis, com mecanismos estruturais para a promoção da saúde mental de toda a comunidade. O texto propõe uma atuação integrada entre diversos setores, organizando e potencializando o que já existe: o Programa Saúde na Escola (PSE), principal executor da política, a RAPS e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que a aprovação da política foi uma resposta importante às situações de violência extrema ocorridas no contexto das escolas brasileiras nos últimos tempos. “Os episódios chamaram a atenção da sociedade exigindo atitudes de todas as esferas governamentais e não governamentais”, defende Filipe Asth.

O próximo passo é a implementação da Lei, que será uma tarefa desafiadora de articulação entre os Ministérios da Saúde e da Educação para potencializar os caminhos já existentes para o acolhimento da comunidade escolar. Para Silvia Molinar, é necessário pensar na regulamentação e na execução da proposta, além de definir as atividades: “Este processo deve considerar as particularidades de cada território para não definir regras que inviabilizem a implementação por parte dos estados – a etapa seguinte do ciclo de políticas públicas”.

O deputado federal Léo Prates (PDT-BA) explica que, juntamente com a Frente Parlamentar para Promoção da Saúde Mental, pretende apoiar as decisões do Comissão Intergestores Tripartite em um ambiente de cooperação mútua na promoção dos cuidados aos pacientes, além de sugerir políticas públicas que enriqueçam o debate:

“Esse plano, cuja divulgação caberá às escolas, deverá conter a descrição das ações e atividades a serem desenvolvidas no ano letivo, com metas; a estratégia de execução dessas ações e atividades, com previsão de equipes; e a distribuição e o detalhamento de competências dos atores envolvidos na consecução do plano”, diz.

Além disso, o parlamentar acredita ser importante conscientizar a sociedade de que há alternativas terapêuticas em curso que ajudam no tratamento de transtornos mentais, baseadas no acolhimento e na atenção, que podem substituir as internações. “A criação de fóruns de debate entre profissionais de saúde e gestores públicos é um dos primeiros passos para dar luz ao assunto”, comenta. 

Mais recentemente, outra ação, via lei 14.831, instituiu o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental. O projeto visa a contribuir para os esforços do país na promoção da saúde mental ao valorizar e reconhecer as empresas que executam ações na área.

Angélica Weise

Jornalista formada pela UNISC e com Mestrado em Tecnologias Educacionais em Rede pela UFSM. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou nos portais Lunetas, Drauzio Varella e Aupa.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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