Especial: saúde mental é tema urgente e as healthtechs entenderam isso
Especial: saúde mental é tema urgente e as healthtechs entenderam isso
A pandemia colocou sob holofotes um mercado promissor, mas que
A pandemia colocou sob holofotes um mercado promissor, mas que até então caminhava sem pressa: as healthtechs focadas em saúde mental. Com o assunto em pauta, essas startups viram crescer a demanda por suas soluções, pois diversas empresas precisaram reforçar suas iniciativas voltadas ao bem-estar emocional de seus funcionários e ajudá-los a lidar com as novas realidades de trabalho. No Brasil, existem em atividade cerca de 30 healthtechs de saúde mental de acordo com a Distrito, hub de inovação para empresas, startups e investidores.
É o caso da Telavita, plataforma de terapia online criada em 2017 que possui como principais clientes empresas e operadoras de saúde como a Care Plus, Omint, Bradesco Saúde e Sompo. A startup administra mais de cinco milhões de vidas com soluções em telepsicologia, telepsiquiatria e programas de saúde mental com foco no corporativo. Para Milene Rosenthal, confundadora da empresa, a pandemia provocou nas empresas um aumento na demanda por serviços de saúde mental:
“Em poucos meses, crescemos 10 vezes comparado ao período anterior ao da pandemia. Vale lembrar que, antes da Covid-19, vivíamos uma pandemia de doenças mentais com a depressão como o terceiro motivo de afastamento do trabalho. Durante a pandemia, em decorrência do isolamento social, que contribui para o aumento de estresse e níveis de ansiedade da população, a saúde emocional se tornou pauta fundamental para a gestão estratégica das empresas, que entenderam que o investimento na prevenção de transtornos mentais é fundamental para manter as equipes motivadas e fortalecidas”.
A Vitalk foi outra healthtech que cresceu em 2020. Pioneira no uso de chatbots e inteligência artificial em saúde, a empresa lançou em 2019 um aplicativo que permite que a pessoa converse com Viki, assistente virtual que interage com o usuário e o apoia em seu equilíbrio emocional. Com a chegada da pandemia, a empresa viu o número de downloads saltar de 100 mil para 200 mil. A alta também foi observada em sua solução corporativa, Vitalk Para Empresas, que faz gestão da saúde emocional das organizações por meio da sensibilização sobre o tema de saúde mental, do mapeamento de indicadores de estresse, ansiedade, depressão e burnout e do tratamento por meio de atendimento psicológico por texto e terapia à distância. Lançada em janeiro de 2020, registrou um aumento de 165% na busca pelo serviço no segundo semestre em comparação com o primeiro semestre.
Para o CEO da healthtech, Michael Kapps, temas sobre bem-estar e saúde mental no ambiente de trabalho sempre foram debatidos principalmente nas áreas de gestão de pessoas. Mas, da mesma forma que o avanço da Covid-19 agravou o cenário de saúde mental como um todo, ele também gerou mais conversas sobre o tema em todos os fóruns da sociedade: “Nas empresas não foi diferente e os gestores das áreas ligadas a pessoas e recursos humanos perceberam que era preciso buscar novas formas de conversar, entender e se relacionar com o universo da saúde mental. Tornou-se urgente oferecer soluções que permitissem a gestão de pessoas à distância e nesse sentido a tecnologia é essencial”.

Outra startup protagonista nesse mercado de saúde mental é a Vittude, que mais do que quintuplicou sua receita bruta de 2020 para cá. Boa parte desse crescimento, detalha Everton Hopner, fundador e COO da Vittude, foi puxado pelos serviços corporativos de psicologia online e educação emocional oferecidas pela healthtech. “O grande crescimento tem sido puxado por empresas que entenderam que investir em saúde mental é crucial para a sustentabilidade e sucesso do próprio negócio. A pandemia acelerou a adesão de um serviço que talvez demorasse mais uma década para se tornar relevante”, avalia. Fundada em 2016, a Vittude começou como um blog e depois lançou seu marketplace de psicólogos com buscador e prontuário eletrônico. As consultas online só começaram a ser oferecidas após aprovação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que regulamentou em 2018 a terapia online.
Em 2020, segundo Hopner, o número de consultas online oferecidas pela startup cresceu oito vezes: “Por causa da pandemia, o número de clientes corporativos saltou de sete para 125 e o número de pessoas atendidas passou de 20 mil para 350 mil. Para atender o crescimento exponencial da demanda nosso time, que até março de 2020 tinha 13 pessoas, já conta com 48 pessoas”. Uma das soluções recentes lançadas pela empresa é o “Vittude Match”, plataforma que usa inteligência artificial para sugerir o psicólogo ideal com base na resposta de algumas poucas perguntas. “Depois de quase um ano no ar, descobrimos que a permanência nas sessões após o primeiro encontro aumentou em 600%”.
Na visão do empreendedor, a pandemia contribuiu para uma piora dos quadros de doenças mentais, um fator que não se pode desconsiderar: “Com mais pessoas ficando doentes, o custo com despesas de saúde, afastamentos, faltas e turnover cresceu de forma exponencial, além de provocar impactos negativos na produtividade, lucratividade e avaliação da marca empregadora. Custa caro para as empresas não fazerem nada e várias estão revendo estratégias e colocando os cuidados de saúde mental como prioridade. Isso fez com que a maioria das empresas priorizasse a contratação de serviços tanto de psicologia online como educação emocional, em que as principais lideranças da empresa são treinadas para lidar com o luto, o medo, a insegurança e o acolhimento dos colaboradores”.
Saúde mental em risco

Apesar de a pandemia escancarar a importância da saúde mental, seus efeitos têm causado estragos em nosso bem-estar psicológico. Globalmente, 78% dos trabalhadores disseram que a pandemia afetou negativamente sua saúde mental de acordo com um estudo divulgado em outubro do ano passado pela Oracle e Workplace Intelligence, que entrevistou mais de 12 mil pessoas em 11 países. No Brasil, inúmeras pesquisas apontam para o aumento dos transtornos mentais na população. Uma delas, realizada em março deste ano pelo Observatório Febraban com três mil pessoas nas cinco regiões do País, mostrou que a saúde mental e emocional foi mencionada por mais da metade dos entrevistados como uma das principais mudanças provocadas pela atual pandemia.
Para Luís Augusto Rhode, professor de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), “os dados atuais nos permitem dizer com um grau de certeza que nós estamos vivenciando um aumento significativo de prevalência de transtornos mentais com a pandemia. É importante que estejamos preparados para esse aumento significativo que vai acontecer naqueles transtornos mentais mais comuns na população como ansiedade, depressão, estresse pós-traumático, já que as pessoas estão passando por muitas situações assim na pandemia, além do aumento no uso de álcool e substâncias”.
No geral, os países investem muito pouco de seus orçamentos em saúde mental e a pandemia foi catastrófica para o que pouco que já era investido. Uma pesquisa divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outubro de 2020 apontou que 93% países interromperam ou pararam seus serviços essenciais de saúde mental por causa da pandemia enquanto a demanda aumenta. A pesquisa da OMS com 130 países destacou o subfinanciamento crônico nessa área: antes da pandemia, os países gastavam menos de 2% de seus orçamentos nacionais de saúde em saúde mental e já lutavam para atender às necessidades de suas populações. Já em relação ao uso da telemedicina e teleterapia para preencher essas lacunas, mais de 80% dos países de alta renda relataram essa implantação em comparação com menos de 50% dos países de baixa renda.
Mas a terapia online se sustentará depois que os efeitos da pandemia foram finalmente mitigados? Para Milene Rosenthal, da Telavita, a utilização dessa modalidade pela população brasileira demonstra que essa prática só deve aumentar: “A pandemia ofereceu a oportunidade de as pessoas conhecerem a terapia online e puderam constatar que é possível receber um atendimento psicológico dentro de casa com qualidade e segurança. Acredito que deverá permanecer e só aumentar a demanda por esse tipo de serviço”.
Na visão de Everton Hopner, da Vittude, a adoção desse modelo é uma tendência que veio para ficar e o fato de o paciente não precisar se deslocar, enfrentar trânsito e encontrar com pessoas em salas de espera são fatores que proporcionam melhor experiência no online do que no presencial segundo pesquisas da Vittude. “É uma tendência que veio para ficar inclusive para os profissionais de psicologia. Muitos psicólogos aproveitaram a pandemia para se desfazerem de consultórios presenciais e reduzirem custos”.
O tabu no mundo corporativo
Mesmo sendo um segmento que cresceu exponencialmente em 2020 e com boas perspectivas de receber investimentos (saiba mais logo abaixo), há ainda alguns obstáculos que as healthtechs de saúde mental precisam ultrapassar. Um deles é a própria falta de investimento das organizações em áreas focadas especificamente no tema. A Vittude detalhou essa barreira em uma pesquisa divulgada no final do ano passado. Os dados mostraram que 40% dos empreendimentos no Brasil não adotaram nenhum procedimento de saúde mental após o começo da pandemia. A pesquisa, feita em parceria com o Opinion Box, consultou mais de 2 mil trabalhadores de diferentes segmentos pelo Brasil.
Quando se trata das lideranças dentro das empresas essa barreira persiste. Na mesma pesquisa, apenas 33% das pessoas disseram se sentir confortáveis para desabafar com seus chefes diretos. Já um levantamento realizado pela Vitalk em parceria com a MindMiners revelou que 48% das 420 lideranças ouvidas em todo o país afirmaram nunca ter falado sobre saúde mental no trabalho. Quando essa conversa acontece, ela ocorre mais entre colegas de outras áreas (22%) e menos com a liderança (16,9%). No entanto, quando perguntado para esses líderes se eles se sentiam confortáveis em falar de saúde mental entre líderes e liderados, esse número foi de 49%. “Os números ressaltam a importância das lideranças nas empresas no atual momento”, pontua Michael Kapps.
Para Milene, da Telavita, a principal barreira já foi ultrapassada, que era a aceitação do paciente, mas muito trabalho precisa ser feito principalmente na criação de protocolos rígidos que garantam a segurança e ética para a terapia online. Um outro ponto importante, assinala, é consolidar o cuidado coordenado em saúde. “Contar com uma equipe multidisciplinar é fundamental para garantir que o paciente tenha o diagnóstico e tratamento correto”, avalia. Na opinião de Everton, da Vittude, a maior barreira segue sendo cultural e, por mais que as healthtechs usem tecnologia de ponta, o desafio continua sendo romper com o estigma que envolve o tema. “O maior obstáculo não se encontra na escolha e sim na decisão de buscar ajuda. Por isso, acreditamos que a grande aposta se dará na educação, na geração de conteúdo e na redução da desinformação”.
Healthtechs no radar dos investidores
A despeito das barreiras, esse segmento tem atraído cada vez mais investidores. De acordo com a Rock Health, fundo que financia e apoia empreendedores que trabalham na interseção de saúde e tecnologia, a indústria de capital de risco investiu US$ 1,8 bilhão em healthtechs de saúde mental em 2020, um aumento de três vezes em relação ao ano anterior. No Brasil, a tendência é que o número de investimentos em 2021 supere o valor do ano passado. De acordo com a Distrito, as healthtechs brasileiras receberam um recorde de investimentos no primeiro trimestre de 2021: ao todo, foram aportados US$ 91,7 milhões, valor que corresponde a cerca de 85% do total investido em 2020. A expectativa é encerrar o ano com mais de US$ 200 milhões investidos. Das empresas citadas nessa reportagem, a Telavita recebeu um investimento de US$ 500 mil em 2017 e a Vittude recebeu aporte de 4,5 milhões de reais em 2019.
Para Michael Kapps, da Vitalk, o segmento de healthtechs de saúde mental é promissor e deve receber mais investimentos por apresentar grandes desafios e oportunidades: “No Brasil, a saúde é um mercado que passa pelo processo de digitalização da sua infraestrutura e, entre as tendências, estão a saúde prestada fora do sistema, aumento por soluções de saúde mental e a personalização da saúde por meio da utilização maior de dados e inteligência artificial. A pandemia teve o importante papel de acelerar o processo de adoção de tecnologia pelo setor, aumentando o interesse dos investidores pelas healthtechs”.
Everton Hopner, da Vittude, acredita que as healthtechs focadas no tema serão as novas fintechs dos próximos anos: “Um em cada seis habitantes do planeta convive com pelo menos um transtorno mental. As doenças mais prevalentes são a ansiedade e a depressão. O Fórum Econômico Mundial afirma que o não tratamento dessas doenças custa à economia global cerca de US$1 trilhão. A dor é gigante, o tamanho de mercado maior ainda e existem poucas empresas endereçando o problema de forma eficiente e escalável”.
Para Milene Rosenthal, da Telavita, muitos investidores têm receio em investir em startups brasileiras pela instabilidade econômica e política do país, mas a área da saúde teve uma aceleração desse crescimento em decorrência da regulamentação da telepsicologia e telemedicina, o que garantiu maior confiança aos investidores. “Outro fator é que a área de healthtech está começando e ao mesmo tempo existem inúmeras necessidades, pois estamos atrasados em vários segmentos. Entendo que seja uma questão de tempo para que haja um ecossistema tecnológico robusto em saúde para garantir maior eficiência na saúde”.
Conteúdos sobre saúde mental no Futuro da Saúde
O Futuro da Saúde é um hub de conteúdo digital criado pela jornalista especializada Natalia Cuminale. Além deste site, onde você encontra mais conteúdos como este sobre healthtechs de saúde mental, temos ainda um podcast. Confira abaixo o episódio com o psiquiatra Guilherme Polanczyk, que explicou o impacto do coronavírus no surgimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade. E não esqueça de nos seguir nas redes sociais: Instagram e Youtube.
Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.