Por que devemos falar de saúde quando a pauta é sobre mudanças climáticas?
Por que devemos falar de saúde quando a pauta é sobre mudanças climáticas?
O aquecimento global, as catástrofes associadas ao clima, a perda da biodiversidade e outros impactos ambientais criam um cenário corrosivo para a saúde humana e imensos desafios para os sistemas de saúde. Organizações do setor têm um importante papel a cumprir interna e externamente
Pela primeira vez na história do seu ciclo de encontros, a COP 28 – 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada entre 30 de novembro e 12 de dezembro, incluiu em sua agenda oficial de discussões a questão dos impactos das mudanças climáticas sobre a saúde humana e as ações necessárias para habilitar os sistemas de saúde a responderem aos desafios impostos.
Publicado poucas semanas antes desse evento, o relatório Lancet Countdown, elaborado por 114 pesquisadores de 52 instituições de todo o mundo, inclusive da Organização Mundial da Saúde (OMS), trouxe cenários sombrios que corroboram a importância dessas discussões. Entre outros, estima que, se a temperatura do planeta subir 2°C até 2100, o número de óbitos por ano relacionados ao calor crescerá 370% até meados deste século (2041-2060) e que os impactos na produção agrícola podem empurrar mais de 524,9 milhões de pessoas para o quadro de insegurança alimentar, fazendo explodir os níveis globais de desnutrição.
Aqui no Brasil, nesse mesmo período recente, as mudanças climáticas somadas aos efeitos do El Niño trouxeram uma sucessão de eventos dramáticos – temperaturas altíssimas no Sudeste e Centro-Oeste, ventos e tempestades que derrubaram árvores e deixaram São Paulo às escuras dias a fio, enchentes no Sul, rios secos na Amazônia.
Desastres como esses, que se multiplicam pelo mundo nas mais diversas formas (terremotos, furacões, derretimento do gelo marinho no Ártico, temperaturas extremas nas duas pontas do termômetro, incêndios florestais etc.), são o lado mais visível dos impactos climáticos. Mas seus reflexos na saúde são igualmente assustadores. Como citei em artigo anterior aqui no Futuro da Saúde e como apontam diversos documentos e estudos de respeitadas organizações, aumentam os riscos de doenças infectocontagiosas, de problemas respiratórios e cardiovasculares, de surgimento de novas doenças, inclusive algumas de potencial pandêmico, e de ressurgimento de doenças antigas, entre outros pontos.
Ações para conter os impactos das mudanças climáticas na saúde
Nesse contexto, as organizações de saúde e suas lideranças têm importantes papéis a cumprir. Começa dentro de casa, reduzindo os impactos de suas próprias atividades. Mas não com ações pontuais ou aquelas com viés puramente de marketing. Sustentabilidade tem de estar inserida na estratégia e envolver a alta liderança. No Einstein, por exemplo, optamos por constituir um Comitê Estratégico de Sustentabilidade e, dentro do Plano Diretor de Sustentabilidade, criamos uma “cesta” de metas associadas aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e a compromissos que assumimos ao nos engajar em movimentos como Race to Zero, Ambição Net Zero (reduzir em 50% nossas emissões de gases de efeito estufa até 2030 e eliminá-las até 2050) e Impacto Amazônia (mobilizar o setor empresarial brasileiro para combater o desmatamento na Amazônia por meio de ações individuais, setoriais e intersetoriais). Todas as ações têm indicadores e metas a serem atingidas.
Priorização do uso de energia renovável em todas as nossas unidades, destinação de 100% do resíduo orgânico para compostagem (gerando adubo em vez de emissões nos aterros), redução da geração de resíduos e aumento do percentual destinado à reciclagem (do resíduo comum, 92% é reciclado), destinação de 100% dos resíduos têxteis (em média 7,8 toneladas/ano) para uma ONG de mulheres em situação de vulnerabilidade que transformam esse material em bolsas, nécessaires e outros artigos que são comercializados e geram renda. Aliás, esse é um excelente exemplo de economia circular.
É importante também destacar a atenção com nossos fornecedores. Nesse sentido, criamos o sistema de avaliação para compras mais sustentáveis com uso de uma ferramenta interna (Idap – Índice de Desempenho e Alinhamento do Parceiro). Esse monitoramento apoia o desenvolvimento de iniciativas em conjunto com os fornecedores. Um exemplo de projeto construído de forma colaborativa é o de bitucas de cigarro. Nosso parceiro recolhe as bitucas que são descartadas nas bituqueiras instaladas na porta do hospital, remove a toxicidade e o odor e gera uma massa de celulose que, nas mãos das mulheres de Paraisópolis, vira vasos, porta guardanapos, artigos de decoração e outros objetos.
Em novembro, sediamos o Seminário Hospitais Saudáveis, iniciativa do Projeto Hospitais Saudáveis (PHS). O tema deste ano foi “Ação climática para transformação do setor de saúde: redesenhando o amanhã”. As mesas discutiram temas como planos de gestão de carbono, compromissos globais na gestão de resíduos como plástico e metano, reciclagem de orgânicos e compras sustentáveis. Essa oportunidade de troca de ideias e experiências bem-sucedidas entre diferentes lideranças de saúde também ajuda as instituições do setor a avançarem mais rapidamente nessa jornada.
Organizações de saúde devem atuar, inclusive, no debate de temas que alguns poderiam julgar que cabem apenas a outras instâncias, como eletrificação de automóveis, por exemplo, porque poluição está associada a uma série de doenças. Da mesma forma, o desmatamento da Floresta Amazônica (que felizmente diminuiu, segundo os últimos dados divulgados) tem a ver com saúde, porque cria condições para agravar a ocorrência de doenças que já existem na região e propicia o surgimento de outras.
É importante também impactar a população. Uma maneira óbvia é falando do assunto, gerando debate, informando, conscientizando, alertando. A Prefeitura de São Paulo tem uma iniciativa muito interessante envolvendo o setor de saúde, e da qual o Einstein participa, que mereceria ser replicada por outras cidades. É o Projeto Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), da Secretaria Municipal de Saúde, incorporado à Estratégia Saúde da Família desde 2008. Por meio dele, questões ambientais que impactam a saúde das populações atendidas nos territórios das Unidades Básicas de Saúde (UBS) são identificadas e tornam-se foco de projetos e ações de educação/conscientização. Visitas domiciliares, palestras e oficinas para orientar sobre a prevenção de doenças, mutirões para revitalizar locais degradados, coleta de materiais recicláveis, criação de hortas comunitárias… A gama de iniciativas é grande. Só nas 14 UBSs sob gestão do Einstein, desde 2016 foram mais de 10 mil ações de sensibilização, atingindo mais de 266 mil moradores dessas regiões. Com apoio de parceiros, nos últimos cinco anos também tiveram destinação adequada 2 toneladas de pilhas trazidas pela população e, entre 2022 e 2023, ocorreu o plantio de 54 mudas de árvores.
Em 2021, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), lembrou que “a pandemia da Covid-19 nos revelou as ligações íntimas e delicadas entre humanos, animais e nosso meio ambiente” e acrescentou que “as mesmas escolhas insustentáveis que estão matando nosso planeta estão matando as pessoas”. A cada dia, no nosso país e no mundo, temos visto as consequências dessas escolhas insustentáveis. É hora de todos nos movimentarmos de maneira mais intensa e engajada para enfrentarmos a dupla emergência: a das mudanças climáticas e a da saúde daqueles que habitam este planeta.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.