Saúde e felicidade: receita individual
Saúde e felicidade: receita individual
Ter saúde é simplesmente não ter doenças? Ou será que,
Ter saúde é simplesmente não ter doenças? Ou será que, mesmo tendo uma doença, podemos nos considerar saudáveis, desde que ela não afete nossa qualidade de vida ou não nos impeça de fazer o que queremos, gostamos, desejamos e nos tornam mais felizes? Essas questões podem ter inúmeras respostas, porque, na perspectiva de cada um, o significado de saúde varia de indivíduo para indivíduo.
No meu consultório, por exemplo, recebo muitos pacientes com refluxo gastroesofágico, que é causado por uma hérnia de hiato e provoca sintomas como azia, queimação e dor na região do tórax. Uma parte deles opta por deixar de deitar-se logo após o jantar e abdica de uma série de alimentos, como café, álcool, pratos com molho de tomate e muitos condimentos. Com o autocuidado (e algumas renúncias a hábitos prazerosos), o próprio paciente pode curar seu refluxo. Já outros preferem fazer a cirurgia para corrigir a hérnia de hiato e, então, continuar consumindo a macarronada, o café, etc. sem se privar das coisas de que gostam e lhes dão prazer. Da mesma forma, um maratonista que colocou uma prótese de quadril para resolver um problema no fêmur pode fazer o aparelho durar 20, 25 anos e até mesmo renunciar ao esporte, substituindo-o por caminhada ou bike, por exemplo. Ou pode continuar com as maratonas sabendo que terá de realizar outro procedimento cirúrgico para trocá-la num intervalo de tempo bem menor.
Qual desses grupos de pacientes está certo? Provavelmente todos, pois a noção do que é importante para a saúde – física e mental – é pessoal e intransferível. É claro que cabe ao médico explicar quais são as opções, os aspectos positivos e negativos de cada uma e entregar o valor em saúde que é importante a quem o busca. Mas a escolha é do paciente. Como disse Maureen Bisognano, ex-presidente e atual presidente emérita do Institute for Healthcare Improvement, a questão a ser levada em conta por médicos e instituições de saúde no atendimento ao paciente não é “O que importa?” e, sim, “O que importa a você?”.
Receita da saúde
O fato é que cada um tem elementos próprios para compor a sua “receita” do que é ser/estar saudável. E há três fontes importantes onde buscar os ingredientes dessa receita: na ciência, na inovação (medicamentos, procedimentos, terapias, próteses e tecnologias diversas, incluindo os recursos de telemedicina) e nos nossos comportamentos. Por mais geniais que sejam as soluções trazidas pelos contínuos avanços da área médica, elas têm de andar de braços dados com o autocuidado e com atitudes que nos permitem ser saudáveis mesmo tendo algum problema de saúde.
Por exemplo, doenças crônicas e muitas enfermidades para as quais a medicina ainda não encontrou a cura podem ser controladas, o que depende de uma jogada em dupla: a do médico, com a correta prescrição do tratamento e orientações ao paciente; e a do paciente, com a adesão aos cuidados prescritos. Autocuidado, é bom frisar, se aplica a todos, inclusive aos sem doenças. O “sem” pode se transformar em “com” se a noção de saúde do indivíduo admitir adotar comportamentos de risco, como cultivar o sedentarismo e esquecer-se de gerenciar o estresse. Cabe ao médico – e mais amplamente aos sistemas de saúde – informar a população a mudar e incorporar novos hábitos na sua “receita” para permanecer saudável. Quem se lembrar que, quando falta saúde, falta o fundamental para fazer o que gosta e para perseguir a felicidade, certamente escolherá novos caminhos.

A saúde é composta por uma série de condições físicas e mentais e envolve diversos atores, inclusive os governantes. Além de iniciativas para fazer frente às limitações de acesso à saúde e às imensas fragilidades da estrutura de atendimento em nosso país que a pandemia se encarregou de escancarar ainda mais, cabe a eles prover orientações de saúde e ambientes que levem à saúde. De nada adianta quem tenta se cuidar sair para fazer a sua caminhada e ter de respirar um ar poluído, ou acabar tropeçando no buraco da calçada e quebrando o braço, no meio do caminho. Ter de gastar duas horas para chegar ao trabalho e outras duas para voltar também não é saúde. Isso para citar apenas alguns elementos antissaúde das nossas cidades.
Nossos centros urbanos também precisam investir mais em parques e áreas verdes que favoreçam a estimulem o contato das pessoas com a natureza. Temos um número cada vez maior de estudos mostrando os importantes benefícios que isso traz para a nossa saúde física e mental, como redução do estresse e da ansiedade, melhora da pressão arterial, diminuição dos níveis de glicose no sangue e aumento da imunidade, entre outros. No Brasil, o Einstein é uma das instituições envolvidas nesses estudos, liderando, entre outros, o e-Natureza, grupo interdisciplinar de pesquisa sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar. Vale lembrar que, não por acaso, o tema está presente até na agenda de discussões de eventos globais focados em meio ambiente, como a COP-15 (sobre biodiversidade) e a COP-26 (mudanças climáticas).
Governantes, médicos e outros profissionais de saúde, instituições públicas e privadas do setor… São vários os atores que podem desenvolver ações para entregar pessoas saudáveis. Mas elas também têm seu papel a cumprir, com comportamentos e atitudes que costumamos sintetizar na palavra “autocuidado”. Há um trecho da crônica “A arte de ser feliz” de Cecília Meireles que diz o seguinte: “Quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim”. Em saúde, cada um também tem a sua janela. É preciso aprender a olhar e enxergar o que pode nos fazer saudáveis e cuidar de nós mesmos – sejamos do grupo dos “sem doença” ou daqueles que aprendem como gerenciar a doença para que ela não seja um empecilho para fazer o que querem e alcance a felicidade.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.