Rogerio Scarabel, ex-ANS: “2023 será desafiador e deve haver consolidação no mercado de planos de saúde”

Rogerio Scarabel, ex-ANS: “2023 será desafiador e deve haver consolidação no mercado de planos de saúde”

Mesmo com número recorde de beneficiários registrado em 2022, de […]

By Published On: 30/01/2023
Rogerio Scarabel

Mesmo com número recorde de beneficiários registrado em 2022, de cerca de 50 milhões de pessoas, o setor da saúde suplementar vive um momento desafiador. De um lado, as pessoas estão acessando mais os serviços de saúde. De outro, o sistema de saúde não para de evoluir, inclusive com a chegada de tratamentos novos e mais caros. E dentro desse contexto ainda há um cenário de insegurança jurídica com mudanças que podem impactar a estrutura dos planos. Este foi o pano de fundo da entrevista com Rogerio Scarabel, sócio da M3BS Advogados e ex-diretor-presidente da ANS, no Futuro Talks.

Durante a conversa, Scarabel abordou estes e outros desafios da saúde suplementar no Brasil, que passa por mudanças profundas para deixar de ser um plano que cuida de doenças para, literalmente, promover a saúde de seus beneficiários ao investir em hábitos saudáveis e apostar na prevenção, algo que as healthtechs de planos de saúde já têm feito — o que ajuda a diminuir a sinistralidade e, consequentemente, os custos dos planos.

Ele falou ainda sobre a mudança do conceito de atendimento, com o fortalecimento do cuidado no domicílio dos beneficiários, e também das tendências para 2023 e os próximos anos: a integração do mundo físico com o digital, o acesso dos indivíduos ao sistema, a consolidação de mercado e as respectivas discussões sobre formação de grupos econômicos e concentração, o debate da coparticipação e franquia, a interoperabilidade e o open health, dentre outros.

Veja a entrevista a seguir:

Em 2022 os planos tiveram cerca de 50 milhões de beneficiários, o maior número desde 2015, em um cenário em que as pessoas buscam cada vez mais acesso e qualidade. Como você vê esse cenário em 2023? Os planos de saúde vão crescer?

Rogerio Scarabel – Eu penso que a palavra, a partir de agora, é consolidação deste mercado. Realmente, é um ano desafiador. Houve um acréscimo de cerca de 3,5 milhões de vidas desde aquela desde 2020. Se formos comparar, período por período, novembro de 2022 contra novembro de 2021, foram 1,6 milhão de vidas. Isso mostra, como você disse, a relevância que as pessoas sentiram e observaram na área da saúde, e agora nós estamos nesse 2023 desafiador. Desafiador por quê? Eu reputo a razões até de geopolítica, que envolve as questões de muito aumento de custo nos insumos, até mesmo em razão de transporte, impactados pela guerra, assim como o preço de combustível e de materiais. Então começa, não só por isso, mas também em razão dessas questões macroeconômicas. E aí, quando você vem para o Brasil, você tem esse impacto inflacionário. Nós tivemos uma inflação também por conta da pandemia, toda aquela questão econômica que houve nos principais anos pandêmicos. Você tem toda essa questão econômica que vem impactando. Quando você fala em crescimento de plano de saúde, nós precisamos lembrar que 75% deles são empresariais. Então, se você observar a linha da empregabilidade com a linha dos beneficiários, elas são gêmeas, correm sempre juntas.

Ou seja, as pessoas têm plano de saúde porque têm um emprego.

Rogerio Scarabel – Exatamente, principalmente porque elas têm emprego. Então, quando a economia vai bem, o setor de planos de saúde também vai bem. Nós falamos de 2020, quando é que foi a saída? Exatamente por conta do impacto econômico da pandemia. Com a demissão em massa, saíram as vidas também em massa, e depois você tem a retomada da economia. Aqueles impactos tão desastrosos se estabilizaram, toda aquela previsão não ocorreu e as coisas foram então retomando gradualmente na área da saúde e na economia.

Então nós precisamos esperar um pouco para entender como que vai ficar essa questão macroeconômica para dizer com certeza se vai ter crescimento ou não?

Rogerio Scarabel – Eu acredito que sim. Eu acredito em uma estabilidade, ou seja, nós vamos crescer menos, mas em 2023 eu penso que ainda vamos crescer. Claro que tudo pode acontecer, mas você tem aí um caminho sem muita instabilidade na economia. Deve ser estável, então deve ficar também estável nesse patamar de 50 milhões.

Mesmo nesse cenário de crescimento a ANS divulgou um balanço do terceiro trimestre das operadoras e trouxe números de prejuízo dos planos de saúde, além de aumento na sinistralidade. O setor de planos de saúde fala de risco de quebra se não tiver algum tipo de diálogo e transformações nesse aspecto. Existe mesmo risco de quebra?

Rogerio Scarabel – Eu não consigo compreender como um risco de quebra. O que eu entendo é assim: a saúde é uma economia de escala. Então, quanto maior você for, menores são seus custos e mais fácil você se coloca no mercado. Eu acredito que vai, sim, ter uma maior dificuldade para os planos de saúde médios e pequenos, com uma maior consolidação pelos grandes grupos. Então, assim, “quebrar” é algo que eu não consigo compreender exatamente o que é. Mas que algumas instituições terão mais dificuldades, quanto a isso não há dúvida, porque este é o mercado de escala. Se você olhar para o cenário, nós temos 700 operadoras. Dessas 700 operadoras, 2/3 têm menos de 20 mil vidas, elas são pequenas. Desses 2/3, a média é de 8 mil vidas, então elas são muito pequenas. Quando você fala de incorporações de tecnologias de altíssimo valor, isso sim pode trazer uma maior dificuldade. Quando você começa a retirar limites de procedimentos, de utilização, que existiam naquele momento em que foi precificado, pode vir a ter um descompasso. Isso ocorre porque você tem uma dificuldade com a questão dos incentivos, com questões de controle. Nós falamos muito sobre custo, sobre preço, mas pouco se fala da utilização. Algo que custa barato e você utiliza muito às vezes tem impacto maior do que uma tecnologia muito cara que se utiliza menos.

O rol da ANS foi a grande pauta que tivemos no ano passado. No fim, foi determinado que o rol é exemplificativo. Qual o impacto disso em termos de crescimento, de previsibilidade e precificação? E como você acha que isso deve caminhar em 2023?

Rogerio Scarabel – Sobre essa questão do rol taxativo e exemplificativo, essa história não acabou. Nós ainda temos alguns capítulos pela frente em razão de uma ação de inconstitucionalidade da Lei 14.454 que foi interposta no STF e está aguardando o julgamento que deve ocorrer nos primeiros meses de 2023. A questão do rol impacta diretamente na questão da previsibilidade. Como é que eu precifico algo que eu simplesmente não imagino o que vai acontecer? Como é que desenvolvo uma política de planejamento se eu não sei quanto é que vai impactar economicamente? Esse é um aspecto do rol. O outro aspecto é a qualidade da tecnologia. Quando você tem uma lei que diz que toda e qualquer tecnologia que demonstre eficácia está coberta, o que isso verdadeiramente quer dizer? Porque, assim, toda tecnologia que você traz para o país que é aprovado pela Anvisa tem uma certa eficácia. Então, quando você não tem limite de eficácia, não se tem condições de fazer uma análise de eficiência dessa tecnologia. Existe muita discussão sobre ser contra a incorporação de tecnologia e eu penso que esse não é o ponto. O ponto não é sobre não querer incorporar, nós temos que entender que a incorporação de tecnologia transforma a vida das pessoas e elas são fundamentais. O próprio envelhecimento da população vem desse desenvolvimento tecnológico, de tratamento e de cuidado que permite isso. A tecnologia é fundamental e os laboratórios, as farmacêuticas, as sociedades médicas têm uma grande participação nesse desenvolvimento tecnológico. Então este não me parece ser o problema. O problema aparece na qualidade. O que é que está sendo administrado? Qual é o nível de segurança dessa tecnologia?

Isso se perde quando você não tem mais esse critério do rol?

Rogerio Scarabel – Exatamente. Nós temos que entender que várias tecnologias têm comprovação de eficácia, mas quais são esses níveis? E os outros requisitos de avaliação de tecnologia em saúde? Isto acaba por impactar, impacta na segurança. Muitas tecnologias têm um preço muito alto, mas entregam muito pouco. Não que não tenha eficácia, mas existem outras tecnologias que têm mais eficácia por preço muito menor. Se não tiver quem avalie, você pode ter então um descompasso tanto na entrega de qualidade de uma tecnologia como também nessa questão do impacto financeiro em razão de não se ter precificado e de como é que isso se comporta. Claro que quando a gente fala da lei sobre o rol taxativo e exemplificativo, ela é uma lei jurídica e não uma lei de saúde. O objetivo da lei foi se contrapor à decisão do STJ que impedia o pleito junto ao poder judiciário, mas quando você faz isso e vai ao poder judiciário, na minha opinião, você está criando uma grande iniquidade.

Do ponto de vista do usuário?

Rogerio Scarabel – Sim, do usuário. O que é o rol? O rol é uma regra. Ele permite que, eu tendo uma condição e você tendo a mesma condição, nós dois recebamos a mesma tecnologia. Quando você não tem isso, eu posso ser tratado de uma forma e você de outra. Quando eu vou para o poder judiciário, então, por exemplo, um juiz pode conceder a liminar, outro juiz pode não conceder. Então você perde a regra e isso pode criar uma grande iniquidade.

Rogerio Scarabel – Com certeza. Primeiro que, estando no rol, estando contratualizado, tem que ser fornecido. Isso é uma judicialização adequada. Agora, aquilo que não está contratualizado, que não está no rol, você se vale de um poder do qual não faz análise? Ou seja, o poder judiciário vai fazer essa incorporação sem nenhuma análise? Isso que é mais preocupante, causa iniquidade, porque o juiz pode entender que você tem direito e outro pode entender que você não tem.

E o juiz não estudou aquilo para dizer se faz sentido ou não no sentido da saúde em si.

Rogerio Scarabel – Exato. Se nós entendemos incorporação de tecnologia, você tem a autorização legal para que a Conitec e a Agência Nacional de Saúde Suplementar avaliem a tecnologia. Não existe essa autorização para o poder judiciário fazer uma análise da tecnologia. Para mim, se existe um descompasso ou alguma outra questão nesse relacionamento, o mais adequado seria pedir que fosse analisado.

Você submeteria à ANS, por exemplo, e não necessariamente para o judiciário. Isso pode ser feito?

Rogerio Scarabel – Pode. A submissão do rol é isso. Desde 2018, com a entrada da RN 439, qualquer pessoa pode submeter qualquer tecnologia para ser incorporada.

Outra questão é a velocidade da resposta. A ANS melhorou?

Rogerio Scarabel – Isso já foi superado, na minha opinião. Hoje a agência faz uma análise em 6 meses, é a mais rápida do mundo. Não existe nenhuma agência ou órgão de incorporação tecnológica no mundo que faça em tão pouco tempo. Se eu não me engano, só em 2022 foram 39 tecnologias incorporadas. Não me parece haver uma justificativa para que você busque tecnologias que não são analisadas. Eu entendo perfeitamente, acho legítima a busca de todo cidadão que tem um familiar doente ou é acometido de alguma doença, que você faça uma busca de esperança. Eu acho que isso realmente é legítimo. Agora, uma tecnologia que não é analisada, que simplesmente tem uma demonstração de eficácia, aí a lei traz algumas coisas assim… à luz da ciência eu particularmente não sei o que isso objetivamente significa. Essas questões são importantes, mas é preciso aguardar e ver qual é o reflexo, porque ele também tem um ponto interessante. Quando você tira uma barreira dessa, você passa a ter um sistema concorrencial também muito maior, porque quando você determina a incorporação desta tecnologia e não da outra, você não tem uma concorrência entre elas. Além disso, a análise da tecnologia é comparativa. Eu tenho essa tecnologia que já existe, é mais barata, tem mais eficiência e eu tenho esta outra que é mais cara e tem menos eficácia. Eficiência é entregar mais com menor custo. Quando você tira essa comparabilidade, não permite que a outra com menos eficácia participe, você elimina uma parte concorrencial. Então, sobre esse aspecto, talvez possa ser um ponto positivo. No primeiro momento, eu penso que você pode ter uma baixa qualidade tecnológica, mas no futuro você vai estabilizando essas questões.

Considerando o envelhecimento da população e que isso está atrelado com o aumento de doenças crônicas, além do surgimento de novas tecnologias com um custo muito maior, como esse futuro, que já é um pouco presente, está sendo pensado?

Rogerio Scarabel – Já é um presente. Eu vejo muitos movimentos que, aliás, a agência já tinha feito. Em 2017, posso estar enganado, veio a resolução 430, que agora também deve ter mudado o número, que já previa a possibilidade de união de operações por conta do risco. Então, hoje é possível que operadoras se reúnam, através de um fundo comum, para fazer frente a um evento catastrófico para a operação.  

Como a indicação de uma terapia que tem um valor muito alto?

Rogerio Scarabel – Exatamente. Ou uma liminar, algo que não está precificado e é de grande monta. É possível ter um fundo. Eu defendo algumas outras coisas, porque o financiamento é o grande problema. Mas o que é importante no plano de saúde é nós entendermos que o valor que vem não precificado vai ser colocado na massa assistida, ou seja, no mutualismo, em que todo mundo paga para que algumas pessoas utilizem. Quando você tem essas incorporações, isso vai virar reajuste ou porta de entrada, ou seja, aumenta o valor da minha porta de entrada. Quando aumenta o valor na porta de entrada, pode ser que iniba a entrada de jovens no sistema, então você não consegue aumentar o seu mutualismo. E quando você tem o reajuste muito forte, pode ser que as pessoas que lá estão não consigam se manter, então também pode ser um elemento de saída e, principalmente, dos mais idosos, porque com o envelhecimento e aposentadoria, a sua renda também diminui.

Você não está mais empregado, então não tem necessariamente o convênio pela empresa.

Rogerio Scarabel – Isso. Você tem uma diminuição de renda, mas com impacto maior do plano de saúde. Se você observar a movimentação dos planos de saúde, você vai vendo as pessoas fazendo downgrade dentro da operadora, depois eles vão trocando de operadora para planos mais baratos, e depois, saindo do sistema. Este é um movimento. Quando você tem um movimento em que você não consegue ter essa compreensão e tudo incorpora, talvez o mercado não seja de 50 milhões, talvez o mercado possa vir a diminuir, talvez nós não tenhamos 700 operadoras. Tudo isso são reflexos possíveis.

Não dá para pensar em um outro modelo que não seja o mutualismo? Tem gente pensando em modelos diferentes para estruturar isso, além desse fundo que você trouxe? Compartilhamento de risco, por exemplo?

Rogerio Scarabel – Isso tem sido feito. E eu digo mais, agora já existe um novo modelo, eu estou participando de alguns estudos sobre isso, de compartilhamento de resultado. Porque assim, o compartilhamento do risco eu simplesmente não pago se não atingir aquela meta que nós fizemos, não é? Agora, se atingir, nós vamos compartilhar o resultado. Então, já existem vários movimentos desse pagamento, de todo mundo envolvido no financiamento dessa prestação. Isso envolve mudança da remuneração, dessa questão do fee for service por uma outra forma que, na minha opinião, não existe uma mudança. Eu não acredito nessas questões muito simplórias. Acho que a questão é muito complexa. Você tem situações em que é possível umas questões e outras não são possíveis de serem feitas de uma única forma. Penso que essa questão de todo mundo multisetorial, multiprofissional, multidisciplinar, eu quero crer que vai ser a grande tendência do mercado a partir de agora. Já vem ocorrendo de uma forma mais simples, muito tímida, mas eu penso que deve avançar nesse aspecto.

Há a questão dos cartões de consulta ou dos novos formatos de acesso à saúde, porque de alguma forma existe uma população que não está sendo assistida, que não consegue ter um plano de saúde e tem uma necessidade que não é atendida a tempo pelo SUS. Como isso entra no cenário de planos de saúde? Isso pode ajudar a ampliar o acesso?

Rogerio Scarabel – Nós tivemos um corte anunciado de R$ 22 bilhões no orçamento da saúde e pode ser até mais no SUS. Eu penso que esse mercado de clínicas e de cartões de desconto vai prosperar. O que nós não podemos confundir é a diferença entre uma coisa e outra. O plano de saúde lhe dá um atendimento integral, que é o diagnóstico, a terapia, o tratamento, a possível cura e a reabilitação. As clínicas e os cartões desconto não lhe dão um tratamento integral, eles resolvem um problema. Se você precisa de uma consulta, você vai receber a consulta. Prescreve o exame, se você tiver dinheiro você vai e faz. Se você precisar de uma cirurgia, você provavelmente vai pagar do bolso ou vai voltar para a fila do SUS. Então, eu não consigo visualizar neste momento este desenho para um plano de saúde, porque aí não seria um plano de saúde. São coisas diferentes. Você querer regulamentar esse mercado, eu não vejo essa possibilidade, porque daí você poderia até ter uma intervenção e poderia acabar com esse mercado. Isso porque toda intervenção estatal precisa ver qual é a falha do mercado, se não a agência não deveria intervir. Como ela não faz parte do mercado regulado, você não tem como analisar isso como falha. Então, são coisas completamente distintas. Em um você vai buscar e ter o atendimento integral. No outro você tem a resolutividade para aquele procedimento.

E os planos ambulatoriais entrariam nesse contexto de alguma forma?

Rogerio Scarabel – Os planos ambulatoriais já existem desde a regulação. Mas são poucas regiões, 3 ou 4, em que existe uma grande venda, mas na média brasileira eles nunca se movimentaram. Mas isto não é um plano de saúde. Ou seja, ele não tem a integralidade do cuidado. Na minha opinião, tudo é válido. A questão da incorporação é válida, é um desejo da sociedade. A questão do plano é um desejo da sociedade. Mas precisamos compreender que isto não é um plano de saúde. Se você incentivar, por exemplo, o plano de consultas e exames através da agência reguladora, ou seja, criar esse mercado regulado, qual seria o incentivo para que eu venda outros planos? Se a minha lucratividade ficar maior aqui, eu deixo de vender o outro plano. Por isso que a lógica é que todas as operadoras de saúde tenham um rol. Você pode discutir localização do hospital, tela plana, conforto, concierge, mas a entrega objetiva é a mesma para todos, por isso que todo mundo adquiriu um plano.

E aí você iguala a todos e, de fato, a competição é diferente?

Rogerio Scarabel – Exato. Quando você fala em ter um plano de consultas e exames, eu entendo que isso já existe, é um mercado que não deve ser regulado porque ele não é um plano de saúde. O ambulatorial já existe, mas ele não é atrativo para as operações por conta do risco. Isso ocorre porque um plano ambulatorial, se nós imaginarmos enquanto ambulatório, hoje você tem muitas tecnologias que são de administração ambulatorial, então isso estaria no plano ambulatorial. Quanto que custa um plano ambulatorial diante de uma tecnologia que custa 1 milhão de reais? Porque no plano de saúde você tem que cobrir todas as doenças no plano ambulatorial. E as tecnologias estão migrando para o oral, para o domiciliar, para o ambulatorial, que na verdade é um acompanhamento profissional. É uma equação bem complexa, que não é assim tão simples de se imaginar, mas é importante que esteja se discutindo e que enfrente o debate. Mas eu acredito que o mercado de clínica e cartão de desconto vai existir, deve aumentar muito, na minha opinião, exatamente por esse aspecto que você diz que as pessoas não conseguem ter acesso ao SUS. Nós temos milhares de cirurgias represadas no SUS, milhares de procedimentos e tantas coisas que nós conhecemos e ouvimos e com um corte ainda maior do SUS deve haver, sim, uma expansão muito grande desse mercado.

E as healthtechs de planos de saúde? Como você vê esse cenário dessas empresas?

Rogerio Scarabel – Na minha opinião haverá grande desenvolvimento. Se nós olharmos para o movimento de saúde depois da pandemia, e isso é muito bacana de debatermos, cada vez mais o atendimento vai ser domiciliar. Nós vamos caminhar para isso, e você só faz isso com tecnologia. A tendência é domiciliar, tecnológica e de autocuidado. Você vê hoje um movimento muito bacana e eu falo “muito bacana” porque, assim, nós discutimos isso em 2018/ 2019 todas essas questões de saúde, porque o plano é chamado de “plano de saúde”, mas nós cuidamos de doenças. Então, essas healthtechs entram muito nessa vertente de saúde.

De prevenção, de cuidado coordenado…

Rogerio Scarabel – Exatamente. De autocuidado, prevenção, conscientização, de ir à academia etc. Hoje você já tem operadora de saúde que você compra e tem direito a ir na academia. Isso é muito bacana. E isso você faz com a coordenação de uma healthtech. Então esse ambiente digital e físico, na minha opinião, é o que vai definir a próxima década aqui na questão da saúde e isso já começou. Eu me lembro que em 2022 nós já tínhamos 1.200 healthtechs com grande desenvolvimento. Hoje deve ter mais, mas também há a questão de que o mercado se consolida.

E são modelos que funcionam do ponto de vista do mutualismo, da tecnologia? Porque, querendo ou não, é um plano de saúde também que respeita um rol, certo?

Rogerio Scarabel – Sim. Mas a experiência e a fidelização, a conversa, a comunicação, o contato são completamente diferentes. Se você imaginar, nós estamos falando aqui, por exemplo, de envelhecimento, você pode fazer um cuidado da pessoa mais velha no seu ambiente domiciliar, e isso é muito interessante. Nós temos hoje aplicativos, relógios, vestíveis que você pode fazer controles e isso economiza um tempo enorme. Não podemos esquecer da aprovação da lei da telemedicina, que traz uma coisa muito interessante. Ela muda a Lei 8080 de 1990, que é a lei orgânica da saúde. A telemedicina passou a fazer parte de toda a formação do médico. Isso será uma formação do médico que está lá na faculdade.

Não vai ter mais aquele preconceito da telemedicina, não é? Ele já nasceu ali.

Rogerio Scarabel – Exato. Com isso, você vai ter residências preparadas para a telessaúde, teleorientação, telemedicina. Nós vemos a expansão do robô para cirurgias à distância, então não há dúvida que as healthtechs passam por essa entrega e cada vez mais tem sido incorporada pelas operadoras. As grandes operadoras têm centros de inovação que cuidam exatamente disso, com esse olhar de captar tecnologias e startups. A startup é muito interessante porque, por conta da sua facilidade e agilidade, ela vai exatamente na dor do cliente, algo que às vezes as grandes corporações não conseguem chegar. As startups conseguem fazer isso porque têm muita agilidade, muita facilidade e a tecnologia ajuda muito nesse aspecto de você encontrar, entre um movimento e outro, uma solução para uma necessidade.

Isso vai muito dentro do que você disse sobre pensar nessa saúde mais multidisciplinar, não é? Porque tem espaço para todo mundo e a saúde vai se desenvolver a partir de pequenas iniciativas de grandes corporações, desse diálogo e dessa mistura toda, certo?

Rogerio Scarabel – Sim. Na pandemia, quando ainda estava na ANS, nós fazíamos reuniões e convidávamos as operadoras para que elas mostrassem o que estava sendo feito de processos exitosos na pandemia, porque era uma coisa completamente atípica. Como é que você passa a cuidar das pessoas que estão em sua casa e não mais vindo ao encontro da operação? A operadora sempre foi um prédio em que você vai até ela. Isso acabou se alterando na lógica do cuidado e é uma tendência. Na minha opinião, com a consolidação da telemedicina, essa vai ser a grande tendência, você fazer esse cuidado, a prevenção, a gestão populacional. A própria iniciativa da agência no sentido de aperfeiçoar os programas de promoção e prevenção de riscos e eventos em saúde vai também nessa direção de deixar de ser um programa específico para ser um programa de cuidado de gestão populacional. É algo que está aí também sendo gestado nessa agenda regulatória para que isso ocorra. Acho muito bacana e faz muito sentido.

Como foi sua experiência na ANS?

Rogerio Scarabel – Eu entrei na DIPRO em 2018, que é a Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos. As atribuições da DIPRO são a incorporação de tecnologia, o registro de produtos, ou seja, a rede que você utiliza, reajuste, portabilidade…

Só temas quentes.

Rogerio Scarabel – Sim, só os temas quentes para a sociedade. É uma diretoria que tem temas importantes que impactam a vida do beneficiário. Então, foi uma experiência muito interessante. Nós tivemos a oportunidade de desenvolver esses projetos e de aperfeiçoar alguns outros, como a criação do rito, de uma forma mais organizada, da incorporação de tecnologia, com toda a capacitação e o debate sobre a incorporação de tecnologia, que ganhou muita relevância. Levar esse assunto para a sociedade e ver a importância que teve foi muito relevante. A questão da nova metodologia do reajuste que se mostrou muito resiliente, importante e inteligente na captação dos eventos para que ocorresse um reajuste adequado para a operadora, para o beneficiário e para o sistema. Expandimos a portabilidade para todas as movimentações dentro da saúde. Hoje, se você sai de uma empresa, você pode se movimentar para qualquer plano de saúde dentro de qualquer operadora. Foram questões bem interessantes. O guia de planos em que você faz a consulta, de forma que quem quiser consultar um plano e migrar de um para o outro, pode entrar na página da agência e pode fazer essa consulta e comparar dentro da sua faixa de preço. São entregas muito importantes. Outra entrega muito importante também foram os painéis dinâmicos. A agência tem muita informação, mas ela estava sempre restrita a dados, e foi feito todo o trabalho da agência de colocar essa página. Você pode ver reclamação, precificação, reajuste, situação das operadoras, tudo isso de uma forma bem amigável, bem intuitiva e dando informação para a sociedade. Há todos esses avanços de transparência, de previsibilidade e essas questões de análise de impacto regulatório. Agora você vê, para a agenda regulatória, já tem análises de resultados regulatórios, inclusive de todas essas normativas dos quais eu falei de incorporação de tecnologia, de reajuste, de coparticipação. Está muito mais transparente.

Isso é bom para a sociedade, para as operadoras, para todo mundo.

Rogerio Scarabel – A Conitec faz isso junto com a ANS. Por exemplo, todos os documentos de incorporação de tecnologia estão disponíveis para quem quiser fazer a sua leitura e a sua avaliação. Todas as reuniões, tanto da colegiada como das incorporações e todas as reuniões da ANS são transmitidas ao vivo. Você pode acompanhar em tempo real. Você pode ir participar, mas você também pode acompanhar onde quiser. Esse é um dos principais avanços, essa ampliação cada vez maior da transparência. Quando eu fui presidente, estávamos em um momento ímpar da sociedade no qual eu sou muito grato. Foi muito complicado, muito complexo, muito novo em que toda hora havia uma questão diferente para se analisar, mas foi muito rico em termos do crescimento e desenvolvimento de toda a agência. Isso mostrou o quanto a agência é uma instituição capacitada, o quanto seus servidores são capazes, são experts no assunto e têm um compromisso com a sociedade. O diretor não faz nada sem a equipe técnica e as análises que eles fazem. Eu sou muito grato por ter passado pela ANS. Construí muitos amigos, cresci muito profissionalmente e pude ver o quão importante é o trabalho comprometido de todos os servidores.

Agora, a pergunta que eu faço para todos os meus convidados é: que pautas que temos que ficar de olho em 2023? O que vai ser quente no âmbito da saúde suplementar?

Rogerio Scarabel – Eu acho que esse desenvolvimento do digital com o físico, isso é fundamental e está na pauta da agência. O acesso do indivíduo estava na agenda regulatória anterior e está previsto para ser aprovado nessa nova agenda regulatória. Por tudo o que aconteceu e por tudo o que virá dentro dessa visão de consolidação de mercado, uma discussão muito importante é em relação à análise do resultado regulatório que vai falar sobre grupo econômico, sobre questões de rede e questões de concentração de mercado. Isso é muito importante e está previsto na agenda regulatória. O debate da coparticipação e da franquia, que teve lá em 2018 e agora vai retornar. Essas questões também fundamentais que a agência está participando do Open Health, da interoperabilidade de dados, isso deve sim mudar. Tem uma pauta também na agenda regulatória que fala sobre o guia de planos que passa por essa interoperabilidade.

Aliás, onde estamos nessa questão do Open Health?

Rogerio Scarabel – Eu penso que nós estamos num momento de compreender o que se quer. Me pareceu que ele não foi pensado para ser lançado. Ele foi lançado e agora vamos pensar, não é? Está nesse momento. O que eu tenho observado é que ele passa obrigatoriamente por um registro único do cidadão brasileiro nessa sua transição entre SUS e saúde suplementar, que vem com aquela discussão do prontuário eletrônico. Isso passa pela portabilidade de forma mais ágil e fácil. Não que seja complexo e demorado, mas que ele seja muito mais simples, e isso é muito bom porque traz uma concorrência muito maior. O seu esforço de cativar, de fidelizar e de tratar bem com qualidade assistencial vai se destacar com entrega de serviços  mais adequados e em que você perceba uma maior qualidade. E as questões dos dados de você poder dar um tratamento de uma gestão populacional, de você ter maiores conhecimentos, coisa que não teve na pandemia, por exemplo. Você saber o número de leitos que tem a saúde suplementar disponíveis, lembra disso? Realmente isso aconteceu muito em questões epidemiológicas, um controle maior, passando isso também pela agência e pela saúde. Não que isso não exista. Isso existe e tem um controle, mas de uma forma muito mais simples.

Então 2023 vai ser um ano quente, não é?

Rogerio Scarabel – Vai ser um ano bom. Vai ser um ano muito especial para a saúde. Não me parece que vai ter muita instabilidade, como teve em 2022 por toda uma questão de uma tensão nacional. Eu acredito que seja mais estável esse ano de 2023 e estamos aí aguardando a agência nesses debates.

Natalia Cuminale

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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