Roberto Santoro, presidente da Unidade Lab-to-Lab do Grupo Fleury: “É um modelo de grande impacto na democratização da saúde”
Roberto Santoro, presidente da Unidade Lab-to-Lab do Grupo Fleury: “É um modelo de grande impacto na democratização da saúde”
No mais recente episódio especial de Futuro Talks, Roberto Santoro falou sobre os detalhes do lab-to-lab, a integração digital e o potencial de ampliação de exames para o país
No universo dos exames laboratoriais, o conceito lab-to-lab, que consiste nos negócios feitos entre laboratórios, ganhou ainda mais destaque com a fusão entre o Grupo Fleury e o Grupo Pardini. O anúncio, feito no fim de 2022 e avaliado em R$ 2,5 bilhões, trouxe grande impacto no setor não só pelo tamanho do movimento, mas pelo potencial de ampliação de acesso e mais agilidade no diagnóstico, mesmo para parcela da população que reside em locais distantes. Este foi um dos temas do novo episódio especial de Futuro Talks, que recebeu Roberto Santoro, presidente da Unidade Lab-to-Lab e responsável pelas operações de suporte do Grupo Fleury.
Durante a entrevista, Santoro explicou em detalhes o modelo lab-to-lab, que permite que laboratórios menores acessem exames complexos que não compensariam fazer localmente devido à baixa demanda, como para o diagnóstico de doenças raras. Segundo ele, além de exames, o conceito também transfere conhecimento e tecnologia para os laboratórios parceiros ao abranger desde a coleta até a interpretação dos resultados. “É difícil encontrar no Brasil um modelo tão impactante de democratização em saúde”, defende.
Atualmente o grupo oferece cobertura em cerca de 3 mil municípios, sendo que mais de 2,2 mil são atendidos diariamente. Para isso, há uma operação logística complexa altamente conectada e integrada digitalmente. O transporte é predominantemente terrestre e conta com mais de 105 bases logísticas utilizando modal rodoviário. A partir dessas bases há transporte aéreo para 24 áreas técnicas produtivas, principalmente em São Paulo e Minas Gerais. Santoro disse que a maioria dos exames é liberada em até seis horas após a chegada aos núcleos técnicos.
Em maio de 2023, foi lançada até mesmo uma rota regular de drone em Belo Horizonte e região metropolitana para transportar amostras biológicas – de acordo com Santoro, o modal pode trazer benefícios pensando em locais de mais difícil acesso, como na região amazônica. Ao longo da conversa, ele ainda abordou o futuro do modelo, os potenciais de ampliação e os desafios para aumentar o acesso tanto na saúde privada quanto na pública.
Confira a entrevista a seguir:
Em abril do ano passado, foi anunciada a conclusão da fusão do Pardini com o Grupo Fleury, uma união que foi super bem recebida pelo mercado. Qual foi a lógica por trás dessa fusão?
Roberto Santoro – Essa fusão foi algo muito transformador para as duas empresas. São empresas de grande longevidade, quase 100 anos do Grupo Fleury, mais de 60 anos do Grupo Pardini. Ou seja, tem uma construção cultural, de serviços de prestação de saúde e de busca pela melhor qualidade, pela inovação e para atingir o melhor diagnóstico para quem precise e onde estiver. Acho que esse propósito foi uma coisa fundamental. E essa convergência foi muito importante para o setor. Primeiro, que é uma convergência de valor clínico, médico, de tecnologia, de inovação. E, ao mesmo tempo, ela convergiu duas grandes teses, que comportam essa integração, esse investimento.
Quais eram essas teses?
Roberto Santoro – Acesso e diversidade de negócios. O Pardini construiu, ao longo dos anos, uma infraestrutura de acesso, de portfólio, de produção, de logística para levar exames de alta complexidade para todo o Brasil, para os vários municípios. Qual é a importância disso? Primeiro, que você consegue, através de uma operação logística, de integração de sistemas e produção em determinados locais, levar diagnóstico transportando as amostras, sem transportar o cliente. E isso é muito importante. Você pode, por exemplo, diagnosticar uma doença rara, um recém-nascido, em regiões distantes dos grandes centros. Estamos falando das regiões Norte, amazônica, das entrâncias maranhenses, do Nordeste, regiões fluviomarinhas distantes. Temos um sistema de saúde extremamente capilarizado com gestão dos municípios – e vários pequenos municípios em que o alcance da verba pública chega através do SUS, do financiamento público. E eles podem coletar localmente. Nós transportamos, chega aos grandes centros e, depois da logística, processamento, você consegue liberar esses resultados o mais rápido possível. Isso significa acesso, dimensão territorial e a democratização mesmo da alta complexidade. Essa é a diversidade de negócios. O natural de laboratório é ter uma loja, atender o cliente com a sua própria marca. Aí vem uma tese de apoio, que chamamos de lab-to-lab, laboratório para laboratório, e que você dá toda essa dimensão de acesso que eu comentei agora. Essa foi a principal tese de investimento que nós tínhamos.
Como foi e como está sendo essa integração?
Roberto Santoro – A integração está indo muito bem, até melhor do que esperávamos. A principal integração hoje em grandes companhias é a cultural. O diagnóstico inicial de cultura mostrou várias convergências e similaridades. Hoje, você tem uma companhia muito mais próxima culturalmente. Os desafios de integração de sistemas e de pessoas têm um componente cultural muito importante para alcançar as sinergias necessárias. É claro que duas empresas grandes, em conjunto, podem realizar determinadas funcionalidades de maneira mais eficiente. Essa parte quantitativa é natural, mas a qualitativa é a mais importante, focando na integração entre pessoas e entre propósitos. Esse diagnóstico foi muito bem feito, e tivemos sorte porque havia muitas similaridades entre as duas culturas. Quando você tem uma cultura de qualidade, bons serviços e foco nos clientes, isso favorece muito a companhia.
Você está à frente do lab-to-lab, que virou uma unidade de negócios dentro do grupo, desenvolvida de forma pioneira pelo Pardini. De forma geral, o que é o lab-to-lab?
Roberto Santoro – Vamos recuperar essa história. Temos que lembrar que a maioria dos laboratórios foi criada para atender o paciente próximo, ou na sua cidade, na sua região, no seu bairro. Dentro do laboratório você processa os exames, tem uma área técnica. Agora, as áreas técnicas são diversas em todo o Brasil e com grau de complexidade diferente. Há áreas mais e menos especializadas. E varia muito. Geralmente os grandes centros e as grandes universidades influenciam o grau de especialização. A pergunta naquela época era: por que não ajudar e oferecer para outros laboratórios, uma vez que produzimos e fazemos exames que não possuem custo-benefício para fazer em todos os lugares no Brasil? E como oferecer? Então, o grande pioneirismo do Grupo Pardini, e agora junto com o Grupo Fleury, foi exatamente estruturar isso. Transformar esse negócio em algo, primeiro, válido do ponto de vista regulamentar. Segundo, com custo-benefício. Antes era uma atividade assim: você ligava para o laboratório, fazia determinado teste, mandava essa amostra para cá.
“E era um serviço quase de relacionamento, um pequeno serviço. Ao longo do tempo fomos entendendo as necessidades do negócio, separando do ponto de vista de cadeia de valor qual a perspectiva e a jornada desse cliente. É uma jornada diferente do cliente que vai até a nossa unidade, com a nossa marca.”
Tem também o desafio logístico…
Roberto Santoro – O desafio logístico é grande, porque nós oferecemos essa modalidade em mais de 3 mil municípios. Essa construção ao longo do tempo foi muito pioneira. Não que não existisse um relacionamento de você fazer exame para alguém, mas houve uma construção do negócio, a regulação para transportar amostras, seguir as normas aéreas, depois teve resoluções da diretoria colegiada da Anvisa, que justamente foi se adaptando e com estímulos ao próprio negócio. Tudo para entender a dimensão logística e de integração de sistemas. Esse business já nasceu praticamente sem papel, com integração do laboratório direto com o cliente. Vamos lembrar que o B2C, em geral, traz uma complexidade grande de stakeholders dentro da construção de sistemas. Esse modelo não, é algo proprietário, a maioria das empresas criou e conseguiu fazer uma integração quase perfeita, bidirecional. Hoje, praticamente é um serviço que não funciona com papel, é totalmente automatizado em termos de troca de informações. Você recebe a amostra, ele já manda a amostra com código de barra, com toda uma inteligência, e devolvemos o resultado. Você já vai ter rastreabilidade. Essa é a construção que foi feita. Agora, como negócio, ela é uma extensão do core. Antes o core era fazer exames, atender médicos, operadoras, agora não, vamos atender laboratórios que vão atender médicos, operadoras, municípios, atender o SUS. Essa expansão do core possibilitou esse grande negócio.
Hoje, com o lab-to-lab, os laboratórios conseguem ter acesso a exames que talvez não fariam. Como o lab-to-lab ajuda esses laboratórios a atenderem esses pacientes e a entregarem esses exames?
Roberto Santoro – Não é que os laboratórios não possam fazê-lo. A tecnologia está disponível para todos. Mas, às vezes, não compensa. Para determinados exames você precisa de escala. São exames mais raros. Vamos supor uma coisa bem simples: você tem um kit com 100 testes e validade de 30 dias, mas você faz um exame a cada 30 dias. Vale a pena fazer? Agora, os laboratórios que estão em grandes centros fazem esse teste todo dia. Então, o apoio foi numa hierarquização ao longo do tempo. Antes, você fazia aqueles testes muito esotéricos, difíceis, raros. Depois ele passou para testes especializados, que já tem um volume maior. Depois, testes que os laboratórios podem ou não fazer e hoje existe até apoio de testes básicos também, de rotinas. Tem laboratório que prefere mandar parte dessa rotina básica também. Quando você está próximo, com uma área técnica na proximidade desse cliente, você pode prestar o serviço quase completo. É claro que ele vai ter toda a coleta, a distribuição de amostras.
“Ele tem o básico de ser laboratório, mas o grau de terceirização vem aumentando ao longo do tempo. Até porque o número de testes também está aumentando. A introdução de novos testes é uma constante nesse mercado. Sempre está inovando, sempre tem novos testes.”
Como na área da genética, certo?
Roberto Santoro – Quando você fala da oncologia, hoje você tem testes que podem estar relacionados à prevenção, outros ao diagnóstico, outros ao tratamento, ao acompanhamento e tem toda uma integração. Hoje, determinado teste é importante numa terapia específica, um medicamento específico, uma molécula específica que precisa de uma positividade ou negatividade ou qualquer status para você poder ir em direção ao tratamento. Chamamos de terapia-alvo, ou seja, você tem um alvo específico para determinada molécula, determinada droga, que tem a ver com o teste também. Com o lab-to-lab, você pode acessar a amostra do cliente em vários pontos em todo o Brasil. Alcançamos 3 mil municípios, mas no entorno tem outros pequenos que você alcança também. Na logística, por modal rodoviário, chamamos isso de “milk run”, que era igual no interior: você vai coletando o leite de cada ponto até concentrar. O laboratório é isso também.
E isso contribui para a cadeia como um todo?
Roberto Santoro – Esse acesso é muito importante. Até porque a principal atenção à saúde é a atenção primária, que são as unidades básicas de saúde, os programas preventivos. E essa atenção primária está no município. E quem está ali auxiliando são laboratórios pequenos, médios e grandes também em torno do município, prestando esse serviço local. Você tem ali as atenções básicas, clínicas, enfermagem, técnicos, mas quando você associa esse diagnóstico rápido no local, você está dando uma resolutividade muito grande. Hoje sabemos que grande parte das decisões de atenção à saúde está relacionado em grande parte ao diagnóstico. É claro que os diagnósticos clínico, comunitário e social são importantes. Mas ao chegar com exames de forma rápida em cada município, a resolutividade aumenta muito. Então, a atenção primária e a resolutividade são muito importantes.
Tem um perfil específico dos laboratórios que acabam atuando no lab-to-lab ou ele é bem diverso?
Roberto Santoro – Olha, a grande maioria não fornece um serviço lab-to-lab. Vamos supor que você tenha algo em torno de próximo a 20 mil laboratórios com várias especialidades no Brasil. Claro, tem os mais especializados, fazendo anatomia patológica ou só genética, mas algo em torno disso. A grande maioria atende o seu cliente local com a sua marca. O lab-to-lab é uma exceção nesse mercado. Laboratórios que proveem soluções demandam logística, envolve um outro business, uma outra infraestrutura. Você tem um modelo de integração comercial também. É mais parecido até com uma grande operação de infraestrutura, logística. Você tem logística, comercial, que precisa de marketing de produto. Tem coisas muito próximas da indústria farmacêutica, dos antigos representantes, especialistas de produtos. Tem um marketing muito voltado ao próprio produto mesmo, porque a nossa função é também dar essa assessoria para esses laboratórios, não só o exame. Não é só recolher o exame e mandar o resultado. Você os ajuda a entender a validade desses exames, a interpretar.
Há uma transferência de conhecimento?
Roberto Santoro – Sim, tem uma transferência de conhecimento também. É difícil encontrar no Brasil um modelo tão impactante de democratização em saúde. Você presta serviços a uma rede muito grande de laboratórios, ou seja, praticamente a metade desses laboratórios têm algum relacionamento com apoio, algo em torno de 10 mil laboratórios. E você dá acesso, você transfere know-how, tecnologia, P&D, ou seja, você está gerando novos testes. A cada vez a logística se aperfeiçoa, se torna mais rápido, e você, como um prestador lab-to-lab, também tem que ter uma característica de produção com uma rapidez muito grande e muitas vezes uma necessária automação para dar velocidade, porque você tem um tempo logístico também. Quando você soma o tempo logístico com o tempo de análise técnica, tem que ser muito rápido. A grande maioria dos exames que chegam aos nossos núcleos técnicos são liberados em até seis horas.
Quais exemplos de exames que são possíveis de serem fornecidos nesse contexto?
Roberto Santoro – Uma linha de exames que é muito especializada é a genética. É uma classe de exames que você talvez precise de mais recursos, mais P&D. Há testes que têm uma validação mais simples, mas outros precisam de uma validação muito maior pelos grandes grupos. A genética é um grande campo que tem vários braços. Você tem a oncogenética, relacionado à oncologia, e agora há os grandes sequenciamentos, a genômica também, que é um novo mundo em que você consegue através de um rastreamento mais completo detectar determinadas predisposições a doenças – aí você tem uma complexidade maior.
“Muita gente às vezes pensa que é plug and play, e não é. Você precisa ter realmente uma experiência, uma capacidade de P&D para transformar esse teste em um produto que realmente faça diferença no diagnóstico.”
Não adianta só querer o teste e trazê-lo para o laboratório?
Roberto Santoro – Nem sempre. É claro que todo teste precisa ser validado, mesmo testes básicos. Você tem que ter uma validação, uma proficiência, um controle de qualidade. Isso é natural do negócio. Só que existem outros testes, eu dei um exemplo aqui, que é essa validação mais complexa, que demanda mais profissionais, mais conhecimento, às vezes demandam outras áreas. Não é só de P&D, mas também de áreas de bioinformática. São algoritmos mais complexos, validações populacionais mais complexas. Nem todo teste está pronto. Às vezes a pessoa remonta testes, que vai em uma determinada farmácia, faz um teste qualitativo, positivo e negativo. Acho que a linha genética é uma linha interessante.
Há outras linhas dentro desse contexto?
Roberto Santoro – Outra linha também muito comum é a de hormônios. Hoje, um TSH, que é um exame específico da tireoide, e o T4 livre também, que é um exame muito prescrito de uma forma geral, são exames de uma linha especializada muito propensa a ser terceirizada, até porque você precisa de mais escala para ter custo-benefício. A parte das doenças infectocontagiosas é muito terceirizada também, que envolve desde hepatites, HIV, enfim. Outra é de testes de paternidade, uma linha também muito terceirizada, até porque existe uma cadeia de custódia, uma certa complexidade também. Essas linhas são mais propensas. Desde esses rotineiros, hormônios, até o caso das doenças infectocontagiosas, a genética humana, a genética de oncologia.
Quais são os detalhes para se montar essa logística?
Roberto Santoro – Essencialmente você tem, primeiro, a escolha dos modais. O grande modal que existe é o modal rodoviário. É aquele carro especializado ou até moto que passa ali com todas as condições, as adequações de transporte. Vamos lembrar que o Brasil é um grande país de modal rodoviário, mais do que aéreo. Hoje, por exemplo, o Grupo Fleury, tem um alcance em torno de 2.200 municípios, pelo menos. Mas, quando olhamos o apoio como um todo, algo em torno de 3 mil municípios. Mas, diariamente, pelo menos 2.200 municípios, você está presente. E, no universo de 3 mil, você, ocasionalmente, tem um recolhimento ou, às vezes, eles mesmos enviam para nós por outras modalidades. Esse modal rodoviário chega em, mais ou menos, 105 bases logísticas. Ou seja, você tem uma grande capilaridade passando nas 2.200 cidades de carros e motos. Eles se concentram em pouco mais de 100 bases logísticas.
O que são essas bases logísticas?
Roberto Santoro – São pontos de consolidação de amostras. Geralmente, a base logística já está perto do modal aéreo. E, muitas vezes, no próprio aeroporto, na área de carga. Dessa logística do modal aéreo, estamos transformando 2.200 postos em 105 postos para, depois, podermos transportar em áreas técnicas produtivas centralizadas, que pode ser São Paulo, Minas Gerais, e tem outras também. Hoje, nós temos 24 áreas produtivas do Grupo Fleury, que podem ser utilizadas de acordo com a especialização, de acordo com o custo-benefício, a proximidade do cliente, enfim. Essa é a logística. Costumamos dizer que o modal rodoviário dá, mais ou menos, duas voltas e meia em torno da terra diariamente. Esse é o tamanho do modal rodoviário.
E não é só transportar, não é?
Roberto Santoro – Não. Há toda uma rede de controle de temperatura para você manter a estabilidade. O Grupo Pardini também foi pioneiro nisso no passado, de testar amostras e ver o quanto ela resistiu. Isso foi um trabalho artesanal. Ela precisa de temperatura ambiente até que ponto? Precisa estar congelada até que ponto? Isso foi criando um know-how. A roteirização e a estabilidade de determinadas amostras é um know-how que adquirimos com o tempo. E foi aperfeiçoando o tubo, aperfeiçoando a tecnologia. É uma construção intelectual também. O procedimento operacional padrão foi criado através de pesquisas, de amostragem, até chegar nessa estabilidade. A rede de frios foi um aprendizado. Somos uma empresa madura que tem seus processos controlados e toda a rastreabilidade do sistema. Lembra quando falei que desde o início dos anos 2000 você já tem integração direta, sem papel? Isso é um ativo muito importante. Essa interoperabilidade entre o apoio e o seu cliente é muito antiga. Eu diria que ela é anterior até ao B2C. O B2C, durante uma fase, ainda tinha muito papel. Hoje está bastante integrado, muito interoperável. Mas, no passado, o lab-to-lab, até pela simplicidade de você ir direto no cliente e voltar em termos de tráfego de dados, informações, é um pioneirismo. E hoje é um business que não tem papel.
“Nós somos mais digitais do ponto de vista de integração do que os laboratórios de apoio em outros países, que ainda utilizam muito papel também. Por outras variáveis, obviamente, não por acesso à tecnologia. Mas eu considero o lab-to-lab um dos modelos de negócio quase 100% digital em termos de integração.”
Vi uma notícia de que vocês já utilizam até drone em uma rota em Belo Horizonte. Isso está funcionando?
Roberto Santoro – Nós temos uma parceria com uma empresa de desenvolvimento de transporte de drones em saúde, que é a Speedbird. E qual é o principal objetivo? Criamos uma rota ali, mas essas rotas foram para validação, para gerar, inclusive, estímulos à própria ANAC. Testamos uma rota passando por uma região segura, até porque não é só a rota, é preciso validar o peso, a segurança, autonomia de voo e tudo mais. Isso vem melhorando a cada etapa. Mas o que é mais importante? O Brasil tem regiões fluviomarinhas que, para você atravessar o rio, você gasta, às vezes, dois a três dias. E um drone desse, simplesmente atravessa o rio. Você tem a outra margem, você tem uma pessoa que colheu o exame, consolidou as amostras. Às vezes barco não é viável ou tem que dar uma volta muito grande. Temos rios de grandes dimensões. E você atravessar em poucos minutos ou até horas, uma região fluviomarinha, é uma dimensão muito grande. Transportar saúde é algo muito nobre. Então, isso em algum momento vai ficar cada vez mais tecnológico, com mais autonomia, e vai ajudar nesse transporte das amostras. É seguro, sabemos disso, mas temos que provar que é seguro. Esse é o ponto. Essa rota, por exemplo, de Belo Horizonte que você citou, foi uma rota autorizada, mas ainda em fase de testes. Hoje toda a roteirização está voltada mais a testes de autonomia, segurança e capacidade de transporte. E também para que as agências reguladoras entendam a segurança, até para ajudar na regulamentação do transporte de drones. Esse é o nosso principal objetivo.
Sobre a jornada digital, você já mencionou o fato de não precisar de papel e que tudo isso é automatizado desde os anos 2000. Como funciona isso do ponto de vista do laboratório? Ele precisa de alguma forma se preparar para entrar nessa jornada?
Roberto Santoro – É muito simples. Todo laboratório hoje já tem um sistema próprio que atende o cliente com a marca dele localmente. E hoje nós desenvolvemos uma interface rápida que você já se conecta com esse sistema local. Conectamos com todos os sistemas proprietários ou de mercado. Hoje eu posso te falar que desconheço laboratórios que não têm um sistema de atendimento do seu próprio cliente. Então, já era um serviço mais digital do que outros. E já existem padrões, protocolos de comunicação para que você possa fazer. Então, você leva poucos dias para um novo cliente integrar e isso é interessante. Quando falamos de transformação digital ou maturidade digital, eu realmente não conheço um negócio com maturidade digital em healthcare igual ao lab-to-lab. É claro que é uma complexidade diferente. Quando você tem um outro ator como a operadora de saúde, você tem que ter uma integração. Quando você tem a integração do médico que prescreve, é uma outra integração. Mas o lab-to-lab já adquiriu uma maturidade digital, não é mais um desafio. Tem outros desafios, obviamente, assim de interface, usabilidade. Vamos sempre melhorando. Mas integrar um laboratório com a sua sede, onde você vai produzir, não é mais um desafio. E hoje não é mais preciso ter internet o tempo todo. Mesmo offline você já faz a integração, o código de barra, coloca no tubo, identifica o cliente. E, quando conectar à internet, ele já integra a informação com a central.
Interoperabilidade já chegou, então, no lab-to-lab?
Roberto Santoro – Exato. Chegou bem antes, talvez por ter uma simplificação em relação ao número de atores ali. Mas há uma complexidade para fazer a interoperabilidade com a operadora. Hoje, mais de 80% dos laboratórios privados atendem operadoras de saúde, e aí sim, há um grande desafio de interoperar. Você tem protocolos de comunicação, projetos de interoperabilidade nacional, mas ainda há uma certa distância. Cada um precisa se conectar com protocolos padronizados, mas mantém suas atividades. O apoio nasceu digitalmente em termos de integração e eu considero um nível alto de maturidade digital. É um desafio.
Do ponto de vista da sustentabilidade, quando olhamos para o setor todo da saúde e para a importância, inclusive, da sobrevivência e da atuação desses pequenos laboratórios, e quanto eles são importantes para as realidades da saúde dos municípios onde atuam, qual é a importância de um projeto como esse?
Roberto Santoro – É muito importante. Hoje, 50% do financiamento em saúde público vai direto ao município, desde que ele tenha gestão plena. Ou seja, ele gera um PIB municipal da saúde. E esse PIB é interessante, porque muita gente acha que às vezes a verba pública vai ser a prestação de serviço por entidades públicas, e não é. A maioria são laboratórios, pequenos laboratórios privados em cada município, que a Prefeitura ou a Secretaria de Saúde contratam porque receberam financiamento e isso compõe um PIB municipal extremamente sustentável.
“Por quê? Porque a atenção primária, a atenção básica à saúde está no município. E esses exames dão uma resolutividade municipal. Você tem muito pouco fechamento de laboratórios. Você tem mais expansão de novas unidades no Brasil nos últimos anos do que fechamento. Do ponto de vista financeiro, ele está dando sustentabilidade ao SUS na gestão municipal.”
Essa sustentabilidade também entra no sentido de geração de renda e emprego?
Roberto Santoro – Você tem técnicos, profissionais, laboratórios, autarquias, Santas Casas e todo esse sistema. Isso gera emprego. A importância da geração de emprego e renda da saúde no município é muito importante. É uma representatividade grande na economia. No município há uma economia de micro serviços. E um dos mais impactantes são os de saúde. Esse é o papel da sustentabilidade. Hoje o lab-to-lab, numa tradução de sustentabilidade em saúde e a integração com o governo, é um dos serviços mais sustentáveis que eu conheço. Em economia de saúde, faz todo sentido. Você tem sistema básico, tem exames de baixo custo. Essa escala acaba diluindo seus custos, dilui a logística. A logística já existe de fato. Nós adaptamos uma logística já existente, que é o modal rodoviário. Esses carros já estavam passando lá, talvez apenas não estavam adaptados a transportar. Você faz um exame de alta complexidade, transportando a amostra. E o paciente continua no seu lar, no seu município. Isso tem trazido muito benefício à população de uma maneira geral.
Esses laboratórios que têm essa associação com lab-to-lab, eles têm algum tipo de suporte do grupo para gestão, por exemplo?
Roberto Santoro – Sim. Esse é um ponto importante. Nenhum negócio de saúde funciona sem compartilhamento de conhecimento. E esse é o nosso papel. Não é um business frio de você me dar a amostra e eu te dou resultado. É uma construção intelectual de melhorias. Transferimos o conhecimento do produto do exame propriamente dito, da relação desse exame com o diagnóstico propriamente dito. Transferimos o conhecimento na interpretação. Nós temos um suporte, assessoria técnica, assessoria médica, de acordo com a complexidade. Vários níveis hierárquicos de assessoria. É interessante que, às vezes, você tem um PHD dentro do contact center dando suporte ao município, a esses laboratórios. É uma assessoria muito especializada. Você tem assessoria de marketing. Quando você vai lançar um novo teste, é como um lançamento de novo medicamento. Você tem toda uma estratégia de produto, os canais e os stakeholders. Transferimos ainda questões relativas a controles de qualidade, proficiência. E ele transfere também conhecimento do mercado para nós. Quais são as necessidades locais. Tem muito aprendizado. Nós aprendemos com o laboratório. Eu, pessoalmente, já lido com três gerações de donos desses laboratórios e são perfis diferentes, expectativas diferentes, mas dentro do mesmo core. E o importante do lab-to-lab é você também gerar negócios para os laboratórios. Por isso toda essa transferência de conhecimento. E tem essa virtuosidade. Fizemos um diagnóstico de uma doença rara, de um recém-nascido que precisa de uma intervenção precoce. Quanto tempo ele gastaria para fazer isso?
Talvez nunca tivesse, né?
Roberto Santoro – Existem determinados testes que você tem uma oportunidade de diagnóstico precoce para alterar o curso daquela doença. Hoje, um laboratório, independentemente do tamanho da cidade onde ele está, ele já acessa. É como se ele estivesse dentro do nosso laboratório acessando o portfólio de exames. O sistema está integrado. Se não tiver, ele liga através de um call center, ou através do digital, do chatbot, enfim. Esse grau de comunicação e de parceria é muito grande. Você conversa por vários canais hoje em dia. E, se nenhum canal funcionar, ainda tem o telefone.
Pensando no futuro do diagnóstico, para a inovação, para onde estamos indo?
Roberto Santoro – Primeiro, em relação aos negócios. Como negócio, eu ainda tenho muitos testes a serem introduzidos. No nosso caso, são novos exames. Existe ainda um gap de portfólio. Não é só nosso, não. Vamos lembrar que somos muito especializados. Mas, em relação aos Estados Unidos e Europa, nós ainda temos muito mais testes a serem oferecidos que possam fazer a diferença. Existe um caminho a ser percorrido, que tem a ver com P&D, com design de produto, com a introdução de nova tecnologia. Essa é uma obrigação nossa, como laboratório de referência, de apoio, e como uma grande referência lab-to-lab. Esse é o primeiro. O segundo, em negócios ainda, é você ajudar mais os outros laboratórios em gestão. Ou seja, transferir alguma expertise para que ele possa dar mais sustentabilidade financeira.
Como fazer isso?
Roberto Santoro – Às vezes, ele está fazendo a diferença no produto, mas ele pode fazer uma diferença em outras áreas relacionadas ao diagnóstico, como imagem, teleradiologia, uma infusão de um medicamento, pode fazer um eletro, exames de hipertensão, monitoramento da pressão. Enfim, ele pode fazer outros negócios importantes para o município. Vamos lembrar que ele é um ponto de apoio ao município. Se eu conseguir transferir esse know-how, ele vai ser mais relevante para a saúde local e relevante como negócio. Isso é parte da introdução de novos negócios dentro do negócio. Fora que, como negócio, ali é uma grande rede que você tem conectado. E eu fico pensando: qual outra rede é tão integrada digitalmente como healthcare no Brasil?
“Hoje nós temos a maior rede conectada de saúde através do lab-to-lab. Uma rede real, que tem logística, que tem integração de sistemas e que tem uma interface cultural também, de expectativas, de transferência de know-how e de educação.”
É treinar o olhar para essas coisas que acontecem no município.
Roberto Santoro – Olha que interessante, às vezes um aumento do número de casos de dengue em determinado município, o lab-to-lab detecta rapidamente. Então, como sistemas de vigilância epidemiológica, de detecção, também ajuda muito os dados. Tanto na época do Covid, nós fomos, provavelmente, a empresa privada que mais fez exames de Covid, até para dar acesso. Adaptamos determinados produtos para a população indígena. Enfim, o alcance foi muito grande. E detectamos nacionalmente o que estava acontecendo, até pelo nosso alcance.
E a parte de inovação do diagnóstico?
Roberto Santoro – Bom, eu diria que você tem algumas partes de inovação mais objetivas. Uma delas é prover soluções de diagnóstico não só relacionadas a exames laboratoriais, e uma integração com o SUS em termos de informação do município. É claro que você tem distâncias ainda de integração. Não importa se você é público ou privado. Vamos lembrar que a maioria dos laboratórios já atende indiretamente o sistema público através do município, ou financiamento público. Agora, a gente imagina prover informação completa, além dos exames de diagnóstico, introduzindo novos modelos de diagnóstico também e essa informação estar integrada com as necessidades do SUS. Eu acho que é uma inovação tecnológica.
E é possível?
Roberto Santoro – É uma inovação baseada em dados, em compartilhamento de dados, em modelos. Você pode criar modelos preditivos, não só para o município, mas em algumas doenças que são de responsabilidade federal. É claro que existem doenças de comunicação compulsória, esse sistema já funciona muito bem no Brasil. Mas você pode ter uma integração de dados como inovação, para atuar e fazer políticas públicas de longo prazo e que tenha a ver com economia e saúde. Precisamos ter mais custo-benefício, gerar menos adoecimento, menos doenças crônicas, justamente o importante nessa inovação tecnológica em gestão e compartilhamento de dados. Esse é o principal ponto de relação entre município, lab-to-lab e diagnóstico. O segundo ponto: precisamos de interoperabilidade. É claro que você tem todas as políticas regulatórias, a LGPD é muito importante, mas essa integração pode ser muito maior e hoje você tem interoperabilidade de acordo com a necessidade de cada ente na saúde. É uma integração com determinada operadora, com laboratório, mas precisamos de um sistema, de um projeto nacional, um sistema de barramento nacional, que permita que você tenha compartilhamento de dados.
“Tem países, por exemplo, que não importa se o cliente for atendido pelo sistema privado ou público, a informação é única, mas tem que ter governança sobre essa informação, e geralmente é uma necessidade pública. Ela não pode ser só uma necessidade privada, mas principalmente uma necessidade coletiva e pública.”
A interoperabilidade nacional é um projeto difícil?
Roberto Santoro – Tem gente que nem acredita mais, que vai acontecer por outro tipo de sistema. Eu acredito que ela vai ser não um projeto único, nacional. Mas pode começar com os atores que nós temos, como no lab-to-lab, e ir se estendendo a partir de pequenos atores, um grupo de stakeholders. Quando você espera, geralmente não acontece. Mas quando eu, mais operadora, mais médicos, municípios, laboratórios, já criamos, dentro da regulação, um compartilhamento, isso já é o primeiro núcleo. Eu sempre penso que quem deveria trazer inovação é o sistema privado. Nós deveríamos gerar mais ideias, mais contribuições nesse sentido para o sistema público, até porque temos um país com diversas necessidades sociais. Mas nós, que estamos no sistema de saúde suplementar, acho que temos essa obrigação de gerar esse tipo de inovação. Falamos da interoperabilidade, nós falamos na integração de dados como inovação de dados, meio de compartilhamento. Agora, o terceiro ponto é trazer, de fato, o diagnóstico ao conhecimento mais acessível.
O que é esse conhecimento mais acessível?
Roberto Santoro – É transferência desse conhecimento do exame para várias comunidades de prescritores, de médicos, de alguma forma, seja através de uma plataforma, uma universidade corporativa. O conhecimento é desproporcional no Brasil. Às vezes você tem mais acesso a determinados centros, um conhecimento mais próximo. Eu não estou falando de qualidade de profissionais, mas da geração de conteúdo mesmo. Precisamos levar mais conteúdo de diagnóstico. Às vezes, há testes tão complexos que você precisa conversar com o laboratório, às vezes, com especialista laboratorial, com médico, patologista e outros profissionais, biólogos, bioquímicos, biomédicos, para poder interpretar aquilo. Levar essa informação de uma linguagem mais fácil, mais acessível, talvez, assim, menos professoral e menos científica, para que todos possam utilizar o diagnóstico da melhor forma possível. Ou seja, buscando custo-benefício e realmente menos adoecimento, transformação da saúde e para que a economia de saúde traga sustentabilidade financeira para o sistema.
Quais são as pautas que nós, aqui no Futuro da Saúde, temos que prestar atenção?
Roberto Santoro – A primeira é a comunicação de saúde. Precisamos transformar a comunicação. Talvez a nossa linguagem técnica, científica e professoral não seja mais a linguagem mais acessível ou que traga maior engajamento. Essa transformação da nossa comunicação, que acho que é o seu objetivo também, é muito importante para termos mais alcance. E não é subjulgar outras regiões. Não é isso. Mas precisamos criar uma comunicação mais engajada, mais fluida em saúde. O segundo tema é a maturidade digital. Quando eu falo maturidade digital, é realmente medir nos vários stakeholders o quanto eu estou preparado para uma transformação digital. Vejo muitas iniciativas de transformação, mas não é medido o potencial, o quão maduros estão os setores. Eu posso olhar a operadora, vários entes, vários participantes do sistema, laboratório, hospitais, onde eu tenho uma jornada com mais ruído, com mais necessidade de transformação digital. Essa maturidade, esse score de maturidade, é um projeto interessante. Você não tem transformação digital efetiva com baixa maturidade digital.
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.