Lideranças do setor aprofundam debate sobre criação de agência única para ATS
Lideranças do setor aprofundam debate sobre criação de agência única para ATS
Evento no Rio de Janeiro reuniu lideranças da saúde para debater, pela primeira vez, a possibilidade de criação de uma agência única de ATS.
Autoridades de diferentes segmentos do setor da saúde se reuniram no Rio Health Forum, evento promovido na quarta-feira, 6, para debater alguns dos principais desafios atuais da saúde. Um dos temas mais explorados foi a possibilidade de o Brasil adotar um modelo de agência única de avaliação de tecnologias. A proposta almeja unir os processos realizados para incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) e saúde suplementar, trazendo mais independência, celeridade e sustentabilidade ao processo.
Esse foi considerado pelos presentes o primeiro encontro formal com autoridades e representantes da saúde que se propôs a discutir a proposta. Carlos Amilcar Salgado, diretor do Departamento de Regulação Assistencial e Controle da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, foi o representante do Governo durante a reunião.
“O Ministério da Saúde tem um papel importante na liderança desse processo para poder construir um modelo de governança que dê segurança e sustentabilidade para o setor. O mais importante aqui nesse momento é o debate. Daqui nós vamos, ali na frente, saber se vale o esforço institucional ou não [de se criar a agência única]. Não é uma agenda hoje que está colocada dentro do Ministério, mas há muito interesse em discutir”, afirmou Salgado. A fala vai ao encontro do que afirmou Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, em entrevista exclusiva ao Futuro da Saúde, durante o V Congresso da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), ocorrido em 1 de novembro.
Além dele, executivos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), indústria farmacêutica, de operadoras de planos de saúde, fabricantes de dispositivos médicos, hospitais, Judiciário e especialistas em economia da saúde estiveram presentes no encontro promovido para debater o tema, organizado pela Iniciativa FIS.
O debate em torno da agência única tem ganhado força em um momento onde o setor discute os preços de terapias cada vez mais avançadas, a decisão do Superior Tribunal Federal (STF) sobre a judicialização de medicamentos não incorporados ao SUS e a necessidade de governança por parte do Ministério da Saúde para integrar os setores público e privado.
Apesar de posições divergentes sobre o papel da agência única, podendo ou não integrar discussões sobre precificação e negociação de medicamentos, existe um esforço da saúde em debater os objetivos que poderiam levar a sua criação, assim como os ganhos que poderiam trazer para a sociedade.
“Quando se cria uma agência dessa, começa intuitivamente a levar a um comportamento de quem pensa no país como um todo e não como um país segmentado. Tem a chance de discutir os problemas na essência, com a complexidade necessária”, afirma o ex-ministro Nelson Teich.
Debate em curso
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem sido um dos principais atores que levantam a discussão da agência única, em busca de trazer mais previsibilidade e sustentabilidade para os planos de saúde. Encabeçada pelo diretor da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos (DIPRO), Alexandre Fioranelli, a proposta tem ganhado força nas discussões em eventos e painéis do setor. Para ele, a ideia possibilita mais acesso, equidade e capacidade de monitoramento das novas tecnologias.
A proposta conta com o apoio de Denizar Vianna, ex-secretário da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, que tentou levar a proposta para frente na sua gestão, entre 2019 e 2020. À época, elaborou, em parceria com o Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS), um documento com a proposta de Projeto Estruturante de Agência Nacional de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ANATS).
“Nós, como sistemas de saúde, temos que definir o que é prioridade, baseada em carga de doenças, em necessidades não atendidas, para que haja um ranqueamento das escolhas. E esse é um processo que a Europa está avançando para tentar uniformizar, harmonizar esses processos com métodos transparentes, análise de decisão e critério para trazer o ponto de vista de fabricantes, de pacientes, de reguladores, de pagadores, para que, minimamente, tenha uma legitimação desse processo”, afirma Vianna.
A criação da agência única é proposta como uma solução para frear a judicialização, dando mais celeridade e confiabilidade ao processo de análise, por não ter influência direta do Ministério da Saúde. Ainda, o ex-secretário defende que os processos desenvolvidos na saúde suplementar e no SUS são semelhantes. Vianna também defende que a precificação deve estar atrelada ao processo de avaliação de tecnologia.
“Se a coisa realmente avançar vamos começar por uma área específica. Doenças raras, por exemplo, que hoje é uma área crítica e certamente se beneficiaria de compras centralizadas por parte do Ministério da Saúde, pelo seu poder de compra e recolher de barganha. E combinar uma forma até de uma fila única. Já existe isso no transplante, com separação de quem paga, público ou privado”, propõe ele, que também é presidente do Rio Health Forum.
Vanessa Teich, diretora de Transformação da Oncologia e Hematologia do Hospital Israelita Albert Einstein, pós-graduada em economia da saúde e mestre em avaliações econômicas para Avaliação de Tecnologias em Saúde pela Universidade de York, também defende que é preciso discutir o modelo de compras dos planos de saúde: “Falta na saúde suplementar o recurso da negociação de preço. Porque é claramente uma questão de preço e volume. Se consigo ter um mercado novo para uma tecnologia, tenho volume e eu deveria poder negociar preço. Então, acredito que temos que, de alguma forma, endereçar como seria a negociação de preço para a saúde suplementar, porque já tem o caminho para o SUS e como seria a definição de prioridade dessa agência e a relação com a ANS e com o Ministério da Saúde”, afirma ela.
Para a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a proposta de agência única é vista com bons olhos. Seu presidente, Gustavo Ribeiro, afirma que não vê pontos negativos para a saúde suplementar que possam desestimular a criação de um órgão independente que faça as avaliações de tecnologia. “Para um pagador, principalmente um pagador alicerçado em premissas atuariais, é preciso ter previsibilidade. Se o preço é público ou não, o que precisa-se discutir é a forma de se gerar acesso”, observa ele.
Outras visões no Rio Health Forum
“A primeira pergunta que temos que fazer é qual é o problema que queremos resolver. O problema não é ter duas agências, dois grupos fazendo a mesma coisa. O problema não é juntar a avaliação. O problema é que temos que fazer as escolhas que a sociedade precisa, porque a gente vê sempre uma discussão onde cada player discute o seu. Essa discussão de valor hoje não vai levar a nada. Cada um trata valor para defender o seu”, observa o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich.
O ponto sobre a precificação e compra coletiva é um dos que mais há divergência na proposta de agência única. Teich aponta que o poder de compra é muito diferente, o que impede que haja uma incorporação conjunta, isto é, mesmos medicamentos para ambos setores. Segundo o ex-ministro, o SUS investiu, em 2022, cerca de 2 mil reais por habitante, enquanto a saúde suplementar investiu entre 4900 e 5 mil.
“Embora tenhamos sinergias nesse processo, vamos ter que, de alguma forma, considerar as peculiaridades de cada lado. A incorporação de tecnologia vai além do teste da eficácia, da efetividade, da eficiência dessa tecnologia. A sua incorporação tem que ser levada ou balizada pelo conceito do custo social. Para nós, dentro do próprio sistema público, já é difícil definir isso”, afirmou Carlos Amilcar Salgado, do Ministério da Saúde.
Para a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o processo de debate é essencial para entender o que o país almeja com a criação de uma agência única e quais problemas quer resolver, antes de tomar qualquer atitude que mude a estrutura e o processo de avaliação. “O sistema público e o sistema suplementar têm características muito distintas. Às vezes não é uma simplificação de dizer que nós queremos o mesmo tratamento para o país inteiro que vai resolver o nosso problema. Não podemos dar um caminho, um passo dessa envergadura, correndo o risco de a gente diminuir a qualidade do nosso empreendimento. Essa figura que fazemos de que esse processo vai naturalmente ter um aprimoramento da qualidade, gostaria de ver isso com dados e com consistência técnica”, argumenta Renato Porto, presidente executivo da entidade.
Com a decisão do Superior Tribunal Federal (STF) que criou regras mais rígidas para o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS por via judicial, o papel da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), responsável pelo processo de ATS no SUS, foi fortalecido. Com isso, Daiane Nogueira de Lira, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), questiona:
“Hoje o Judiciário todo sabe qual é o papel da Conitec. Às vezes esse também é o nosso desafio. A gente mal está conseguindo chegar nesse momento de legitimação da Conitec e vamos também trazer agora um novo discurso, uma nova agência? Como que se vai dar essa clarificação desse papel? Precisa ser um debate muito aprofundado, porque isso é regulação, precisa transportar essa legitimidade sem riscos para uma nova agência.”
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.