Resultados positivos dos planos de saúde devem continuar em 2024. Qual o próximo passo?
Resultados positivos dos planos de saúde devem continuar em 2024. Qual o próximo passo?
Analistas apontam que renegociação com prestadores e retomada da discussão sobre gestão da saúde devem voltar a agenda dos planos de saúde
Os dados econômico-financeiros dos planos de saúde relativos ao 2º trimestre de 2024, divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) no início de setembro, surpreenderam positivamente o setor. Isso porque após um longo período de resultados negativos, iniciado no período pós-pandemia, as operadoras demonstram uma recuperação mais estrutural.
Os planos de saúde tiveram lucro de R$ 5,6 bilhões no primeiro semestre deste ano, voltando a números mais próximos do que as operadoras apresentaram antes do surgimento da Covid-19. O 2º trimestre também foi marcado pela redução da sinistralidade para 85,1%, com índice similar ao de 2018.
Ações tomadas pelos planos de saúde como um forte ciclo de reajustes de mensalidades, reorganização da rede credenciada e exclusão de contratos deficitários estão entre os principais motivos para o controle dos custos. Analistas de mercado apontam que os efeitos dessas ações devem durar até o 1º semestre de 2025. A expectativa é que com esses resultados, operadoras retomem negociações com prestadores, como hospitais e laboratórios, que cobram redução das glosas e reajustes.
Contudo, os números foram alavancados pelos resultados das operadoras de grande porte, acima de 100 mil beneficiários, que tiveram 5 bilhões de reais de lucro a mais que em 2023, representando cerca de 95% do total. As operadoras de pequeno porte, com menos de 20 mil beneficiários, tiveram um aumento de R$ 66,7 milhões. Entretanto, as operadoras de médio porte, entre 20 e 100 mil vidas, tiveram uma redução no lucro líquido de R$ 1,4 bilhão.
“As grandes operadoras melhoraram muito os números, as pequenas e médias nem tanto, Isso sugere uma agenda que iniciaram, sendo que as médias e pequenas não. Por outro lado, tem também o poder de negociação. Grande parte também dessa melhoria veio via negociação com prestadores, sendo que as menores não conseguiram esse tipo de alavanca e ainda não trouxeram resultado”, explica Marcelo Compte, diretor executivo de Healthcare da consultoria Alvarez & Marsal.
O setor segue cauteloso para comemorar os resultados. Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirma que “apesar dos sinais positivos registrados no primeiro semestre, a entidade avalia que é prematuro concluir que o setor terá resultados equivalentes aos do período pré-pandemia neste ano. Na saúde suplementar, tradicionalmente, o segundo e o terceiro trimestres do ano são os que costumam elevar as despesas assistenciais”.
Destaques do setor
“Algumas empresas estão se recuperando mais rápido do que o restante do setor. Hapvida e a SulAmérica, por exemplo, acompanhamos que elas estão em um processo de recuperação um pouco mais acelerado. Como a taxa de juros ainda está alta, algumas empresas conseguem, mesmo com uma queda um pouco mais demorada na sinistralidade, gerar um resultado positivo. Isso porque o resultado financeiro compensa essa demora na melhoria operacional. Vimos isso principalmente nas seguradoras”, observa Rafael Barros, head de Saúde e Educação da XP Investimentos.
A SulAmérica apresentou um resultado líquido de 842 milhões de reais, cerca de 15% do lucro líquido de todo o segmento. A operadora, ligada à Rede D’Or, tem apresentado resultados expressivos, sendo a empresa que mais trouxe lucros para o setor. Em seguida vem a Bradesco Saúde, com cerca de 622 milhões de reais de resultado líquido. A Amil, que no 4º trimestre de 2023 apresentou um resultado acumulado negativo, com prejuízo de mais de 4 bilhões de reais, já mostra sinais de sua mudança de gestão. Neste 2º tri de 2024, a operadora mostrou um resultado positivo, com lucro líquido de 456 milhões de reais.
De acordo com Barros, o processo de recuperação das operadoras ainda está acontecendo e deve trazer novos resultados nos próximos 12 meses, com possibilidade de apresentar um melhor índice de sinistralidade e lucros maiores. No entanto, existem negociações com os prestadores de serviços de saúde, como hospitais e laboratórios, que deverão ser retomadas, já que muitos contratos estão sem reajustes por conta deste período de crise que o setor enfrentou.
“Sabíamos que as operadoras estavam se mexendo a partir de resultados ruins nos últimos trimestres. As operadoras estavam procurando soluções aos problemas que eles tinham e precisando ter resultados. O que surpreendeu foi que os resultados foram tão rápidos e dessa magnitude”, analisa Marcelo Compte.
Por outro lado, entre as principais operadoras do mercado, a Unimed Nacional é uma das únicas que teve resultado líquido negativo, com um prejuízo de cerca de 260 milhões de reais no acumulado de 2024. Ela conta com 1,975 milhão de beneficiários, estando entre as 10 maiores do país. Está entre os 30,74% das operadoras de planos de saúde que seguem com resultados negativos no Brasil.
Entre as modalidades, as operadoras de autogestão tiveram um prejuízo operacional de R$ 1,1 bilhão, não acompanhando a recuperação de outros segmentos. Em geral, são operadoras que possuem uma rede menos estruturada e uma carteira com idade acima da média do mercado, o que tem impacto nos custos operacionais e assistenciais.
O resultado das operadoras de pequeno e médio porte também chamam a atenção. Para Compte, esta é uma fatia do mercado que precisa se atentar para que não corram o risco de fechar e deixar os beneficiários sem assistência. Mas para isso precisam, de acordo com o diretor executivo de Healthcare da consultoria Alvarez & Marsal, revisar o modelo de negócio.
“Em primeiro lugar deveriam começar com uma agenda de eficiência forte, o que ainda não vimos. Trazer novas tecnologias e novas iniciativas, verticalização e internalização de serviços, o que geralmente nas operadoras pequenas e médias ainda não começou”, observa Compte.
Perspectivas para 2025
Apesar da cautela do setor, a perspectiva é que os resultados sigam melhorando ao longo de 2024 e 2025. Os analistas apontam que é possível ter um otimismo quanto às contas. “Sempre o quarto trimestre costuma ser melhor para as operadoras pelas festas de fim de ano. O número de cirurgias eletivas cai e as pessoas vão menos aos hospitais. A sinistralidade tem uma queda. As operadoras para fechar bem o balanço continuam a empurrar e glosar as contas com prestadores, deixando tudo para o primeiro trimestre do ano seguinte”, observa Marcelo Compte.
Contudo, as entidades que representam as operadoras de planos de saúde se mostram mais céticas. Em nota, o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Gustavo Ribeiro, afirma que “é importante aguardarmos mais alguns períodos para entender se o setor conseguirá chegar ao final desse ano nos moldes pré pandêmicos e, a partir daí, ampliar de maneira mais vigorosa o acesso da população brasileira ao sistema de saúde suplementar”.
Rafael Barros, da XP, reforça que o processo de recuperação dos planos de saúde deve continuar no segundo semestre de 2024. “Quando a gente olha uma janela de 12 meses para excluir o efeito de sazonalidade, a gente consegue ver uma queda na sinistralidade média do mercado”, observa.
Ao longo deste ano, as operadoras enfrentaram discussões no Congresso Nacional, principalmente em relação a cancelamentos unilaterais de contratos, o que provocou uma pressão para que as empresas freassem o ritmo. Com o risco de uma abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e com o reaquecimento do PL dos Planos de Saúde, houve um acordo entre entidades, ANS e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, nesse sentido.
Não há indícios que os temas voltem ao cerne da discussão em 2024, assim como outras demandas das operadoras, principalmente por ser um ano eleitoral. Na ANS, discussões como novos tipos de planos de saúde e mudanças estruturais também devem ficar para 2025, quando um novo diretor-presidente assumir a cadeira, já que o mandato de Paulo Rebello se encerra em dezembro.
Próximos passos
Com as contas mais acertadas, o setor deve voltar a discutir assuntos que foram pausados em meio à crise financeira. A discussão sobre modelos de remuneração alternativos ao fee for service deve voltar ao debate. Contudo, para isso ocorrer, é preciso que haja uma retomada da negociação com prestadores de serviços.
“Pelos planos de saúde estarem muito firmes nesse processo de recuperação, vimos o capital de giro dos hospitais e das clínicas um pouco pressionado. Os planos estão demorando um pouco mais para pagar, estão glosando mais. Existe um pouco de fricção no setor. À medida em que essa recuperação dos planos se consolide, ou seja, quando tivermos uma normalização das sinistralidades dos planos de saúde, a gente deve ver um processo de alívio nas contas dos prestadores como um todo”, observa Rafael Barros, da XP.
Os resultados do 2º trimestre de 2024 foram repercutidos pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), que cobra essa retomada pelo diálogo. Com reajustes modestos nos contratos, os prestadores cobram que a melhora das operadoras chegue também aos hospitais.
“Todos devemos contribuir na busca da eficiência e no combate ao desperdício, mas os hospitais e a medicina diagnóstica foram fortemente sacrificados com estratégias adotadas pelas operadoras em busca da volta do equilíbrio financeiro”, afirmou Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp, em nota divulgada à imprensa.
Outro ponto que merece destaque é a atenção à saúde e melhora na qualidade assistencial, atuando de forma mais ativa junto aos beneficiários. A redução da sinistralidade nos planos de saúde não significa que a população esteja mais saudável ou melhor acompanhada. Por isso, é preciso que a pauta entre novamente na agenda do setor.
“O que foi feito foi uma gestão de sinistralidade, não foi uma gestão de saúde. Nos últimos trimestres as operadoras estavam com muitos problemas financeiros e operacionais para resolver no curto prazo. Elas focaram em resolver isso, estão tendo sucesso. Uma vez estabilizando essa gestão da sinistralidade, vai ter que começar a pensar na gestão da saúde”, afirma Marcelo Compte.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.