Renato Porto, presidente da Interfarma: “Ecossistema farmacêutico muda completamente com novas regras de pesquisas clínicas”

Renato Porto, presidente da Interfarma: “Ecossistema farmacêutico muda completamente com novas regras de pesquisas clínicas”

No mais recente episódio do Futuro Talks, Renato Porto comentou os avanços das pesquisas clínicas no Brasil e o potencial brasileiro na área

By Published On: 20/05/2024
Renato Porto, presidente da Interfarma, em entrevista ao Futuro Talks

O Brasil enfrenta desafios significativos para entrar na rota global de pesquisas clínicas. No entanto, a relevância do mercado farmacêutico brasileiro pode tomar outro rumo após a aprovação do Projeto de Lei que muda as regras sobre o tema e aguarda sanção presidencial. Para Renato Porto, presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o PL pode fomentar economicamente e cientificamente todo o ecossistema. Ele é o entrevistado do mais recente episódio de Futuro Talks.

O Brasil ocupa a 20ª posição no ranking global de pesquisa clínica, realizando atualmente cerca de 280 ensaios clínicos e estudos clínicos por ano no país. Apesar do otimismo, Porto observou que, mesmo com a aprovação do PL, levará tempo para o país se consolidar no desenvolvimento científico. Por isso, enfatizou a importância das capacidades instaladas e a necessidade de qualificação desses espaços e dos pesquisadores para, posteriormente, vermos uma intensificação da pesquisa clínica no país. Além disso, destacou a diversidade brasileira como um fator facilitador para isso e reforçou que o novo cenário deve representar mais acesso aos pacientes a novos tratamentos. 

Ao longo da conversa, ele também abordou o processo de incorporação de novas tecnologias. Porto explicou que cada país tem características e que é preciso avaliar quais os critérios são os mais adequados para o Brasil – como os limiares de custo-efetividade. Ele adiantou que a Interfarma está se debruçando nos últimos meses em fazer workshops e estudos para apresentar suas recomendações do que seria o cenário ideal para o mercado brasileiro.

Na entrevista ele abordou ainda inovação, dados de vida de real, Complexo Econômico-Industrial da Saúde e transferência de tecnologia. Porto é advogado especializado em vigilância sanitária e direito processual civil, com experiência tanto no setor privado quanto no público. Foi ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e liderou iniciativas que promoveram a eficácia operacional da agência – neste tópico, externou sua preocupação com a necessidade atual de aumentar o número de servidores.

Confira a entrevista a seguir:

Como você vê esse avanço e o potencial das pesquisas clínicas? O que elas podem mudar no ecossistema de saúde que conhecemos?

Renato Porto – O Brasil, hoje, apesar de ser o sétimo maior mercado farmacêutico do mundo e estar caminhando para a sexta posição, ainda não tem uma posição adequada nos processos de pesquisa clínica e desenvolvimento científico. Aqueles que desenvolvem bem mudam o curso dos tratamentos. Ou seja, não se trata apenas de fazer medicamentos, mas também de aprender e desenvolver tecnologias com valores agregados relevantes. As indústrias que realizam essas pesquisas, e todas as nossas indústrias fazem isso, possuem qualificação de mão de obra. Mas hoje, temos cientistas que deixam o Brasil porque o ambiente da pesquisa clínica não é adequado. Além disso, temos a incorporação dos pacientes de pesquisa nos melhores tratamentos do mundo. Se a pesquisa clínica está sendo realizada para mudar o curso de uma doença e o paciente se beneficia dessa pesquisa, ele naturalmente ou automaticamente está tendo acesso à terapia mais avançada disponível no mundo.

O que mais pode mudar nesse ecossistema com as mudanças nas regras de pesquisas clínicas?

Renato Porto – Também está envolvido nesse processo de desenvolvimento e de mudança do marco legal de pesquisa clínica um grande campo de investimento econômico. O sistema de pesquisa no mundo envolve valores da ordem de mais de 100 bilhões de dólares. Fazer pesquisa clínica também é bom para a economia brasileira e para o sistema de saúde como um todo. Com esse projeto, temos a capacidade de trazer cerca de 1 bilhão de reais por ano em investimentos em pesquisa e incorporar mais 50 mil pacientes nesse processo. O  PL 6.007/2023 pode transformar a vida das pessoas. O ambiente e o ecossistema de pesquisa mudam completamente a partir da aprovação desse projeto. Além disso, quem aprende a fazer pesquisa clínica também incentiva outras cadeias de medicamentos. Mesmo na indústria de inovação radical, ao desenvolver esse ecossistema, estamos naturalmente impulsionando também o setor que produz medicamentos genéricos e similares. E isso é absolutamente relevante para o ecossistema de atenção à saúde como um todo. Ou seja, a parte do desenvolvimento inicial de uma inovação radical. Depois, temos uma inovação incremental, e em seguida, a fabricação de medicamentos cópias, que de fato ampliam o acesso para a população. Então, esse ecossistema de atenção farmacêutica, que é o nosso grande foco – levar medicamentos para as pessoas – mudará completamente.

Uma vez que esse projeto de fato comece a valer, qual é o primeiro passo a partir disso? Temos essa estrutura pronta para dar esse start logo?

Renato Porto – Nós ocupamos a posição de 20º no mundo em fazer pesquisa. Isso significa que nós estamos fazendo hoje cerca de 250 ensaios e estudos clínicos no Brasil. Essa mudança não acontece de imediato. Não é que vamos sair de 20º para 10º, que é a perspectiva que a Interfarma apresenta para um estudo desenvolvido pela Copenhagen Economics, num primeiro momento. Precisaremos qualificar esse sistema. A Interfarma já está trabalhando para de fato fazer uma avaliação de como estão todos os nossos hospitais. A Interfarma hoje trabalha para se conectar com a Ebserh, para que tenhamos os mais de 40 hospitais federais neste processo de qualificação. Precisamos dar o primeiro passo, que é fazer essa avaliação de como estão as capacidades instaladas. Um segundo passo é a qualificação dessa capacidade instalada e um terceiro passo da própria absorção da pesquisa clínica. Não dá para no dia seguinte achar que isso vai mudar. Porém, os estudos que estão sendo desenvolvidos hoje foram preparados e planejados há alguns meses. Precisamos dar o passo na mudança do arcabouço legal para que essa sinalização seja dada para o mundo. Nós estamos falando de estudos multicêntricos, então sair da classe de estudos 3 para ir para a classe de estudos 2 e para a classe de estudo 1, precisamos entrar em estudos multicêntricos. E aí o Brasil passa a ter o olhar dos grandes centros de desenvolvimento para que essa mudança seja de fato aconteça.

E da parte do paciente? Você acredita que hoje os pacientes já estão mais abertos a esse tipo de conceito de participar?

Renato Porto – Como primeiro passo, a qualificação do pesquisador é extremamente importante. Existe uma série de classes de pesquisadores até você ser o responsável por uma pesquisa clínica. E esses pesquisadores são o elo de ligação entre o paciente que é sujeito a uma pesquisa e a própria pesquisa. A qualificação dele é que vai fazer com que esse paciente se sinta absolutamente seguro e adequado a fazer parte de um estudo clínico. Acredito que o paciente brasileiro está assim. Ele sabe que participar de uma pesquisa é extremamente seguro e que participar dessa pesquisa pode dar para ele também a oportunidade não só de um tratamento pessoal, de ter o benefício, mas de contribuir para a ciência como um todo. Vimos o que aconteceu no período da pandemia. Muitas pessoas indo atrás para participar da pesquisa clínica da vacina do Covid. Porque queriam contribuir com a ciência. Não se tratava apenas de obter acesso à vacina, mas de ajudar o mundo a enfrentar a crise e superar a pandemia.

“Acredito que o cidadão brasileiro seja solidário e compreenda que esse processo é parte integrante do progresso científico global.”

Isso também vai ajudar a ter uma incorporação mais rápida desse tipo de novas terapias aqui no país?

Renato Porto – Acredito que o caminho é provocador, e é assim que temos que enfrentar. A ciência é assim. Entendo que isso mudará completamente esse cenário também. Por quê? Porque se temos de fato uma pesquisa e um sistema que qualifica todas as pessoas que estão relacionadas a esse processo, também vai qualificar aqueles que avaliam as tecnologias para o acesso da população. Então, uma pessoa, ou um pesquisador, ou um ator do processo — por exemplo, de incorporação de uma tecnologia — servidores da Anvisa, servidores da ANS, para falar muito objetivamente, se esse sistema de pesquisa começa a ebulir e a funcionar no país de uma maneira muito fácil, muito completa, todo esse sistema será afetado. O pesquisador da Anvisa, da Conitec, o estudioso que está fazendo a avaliação de uma incorporação de um produto, vai entender por que aquele medicamento passou pela pesquisa, foi registrado numa autoridade reguladora, e traz um benefício ao tratamento do paciente. Acredito firmemente que todo esse sistema muda.

Outro ponto quando falamos de pesquisa clínica aqui no Brasil é usar a diversidade da nossa população. Isso também deve trazer outros tipos de dados?

Renato Porto – Sim, sem dúvida. O Brasil tem uma capacidade natural para fazer pesquisa clínica. A diversidade é talvez o mais importante. O Brasil tem uma população extremamente miscigenada. Quando nós estamos falando de uma pesquisa global, de uma pesquisa multicêntrica, isso facilita muito a incorporação de novos pacientes na pesquisa. Sem dúvida nenhuma, acho que esse é um grande aspecto que o Brasil pode contribuir com o mundo. Nós temos uma população também muito urbana, o que ajuda a executar essa pesquisa nos centros. Temos um desafio de levar a pesquisa para fora deste grande eixo que o Brasil tem, dessa concentração que chamamos de Rio-São Paulo. A pesquisa precisa ser feita na Bahia, Pernambuco, no Amazonas, em todos os lugares do Brasil. Assim vamos ter de fato um ambiente de pesquisa em ebulição.

Você acredita que atualmente, dentro do contexto do cenário nacional, há uma discussão mais madura sobre o acesso?

Renato Porto – Talvez esse seja o nosso maior desafio, e ele não é apenas difícil, é o maior desafio porque é de todos nós. Levar o medicamento para a população é o nosso grande objetivo. A indústria não inova apenas para deixar o produto na fábrica. Inovamos para realmente levar o produto às pessoas. Eu acredito que esse sistema hoje esteja se unindo. Começou-se a perceber que é necessário que todos nós trabalhemos em conjunto para que haja uma saída eficaz e rápida para que essas tecnologias cheguem, porque a população mundial hoje nos exige isso.

“É difícil explicar para o cidadão brasileiro que ele entra no Google, vê que uma terapia está sendo utilizada em algum país do mundo e que essa terapia não está no Brasil. Por que ela não está no Brasil?”

Essa é a nossa pergunta. O que podemos fazer para garantir que essa terapia, que está sendo utilizada em outro país, chegue rapidamente à população brasileira? A partir daí, isso desencadeia uma cadeia, envolvendo a indústria que inovou, o sistema público de saúde que absorverá parte desses tratamentos, o sistema suplementar que também absorverá outra parte desse tratamento, e a própria população, que deve ter consciência da utilização desse produto e entender para que esse produto foi destinado. No período em que estive na Anvisa, eu costumava dizer que não basta apenas publicar uma RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) ou tomar uma decisão; é preciso também legitimar e convencer as pessoas. Esse é o primeiro passo, pois, do contrário, podemos estar em uma situação em que uma decisão foi tomada, mas ninguém está convencido dela. E então, as ferramentas que o Brasil possui, os remédios, para usar uma palavra comum, não serão devidamente utilizados. Acredito que atualmente os diversos públicos, para evitar divisões, pois entendo que todos caminhamos juntos, estão buscando convergir para uma direção comum.

Mas, em termos de debate, como podemos favorecer essa chegada?

Renato Porto – Se eu fosse aprofundar essa fala, eu diria o seguinte: o primeiro passo que temos que entender é que o Brasil tem dois sistemas, e que foi assim que a saúde foi desenvolvida, é assim que a Constituição foi elaborada, trazendo uma série de regras. O artigo 196 diz que a saúde é um direito de todos e vamos fazer isso por dois caminhos: pelo caminho público e pelo caminho privado. E é por isso que é tão desafiador, nós temos um sistema chamado Sistema Único de Saúde (SUS), que nem é apenas público nem apenas privado. A integralidade é outro grande desafio, ou seja, como eu garanto que esse paciente terá acesso a tudo, ou seja, o melhor tratamento disponível naquele momento. Portanto, essa primeira explicação da base conceitual é muito importante para que todos nós tenhamos muito claro que existe uma complementaridade, que há o que deve estar no público e o que também deve estar no suplementar. A partir disso, criamos uma série de trabalhos a serem desenvolvidos, como essa incorporação, e como vamos trabalhar o sistema para fornecer as ferramentas adequadas para os operadores desse sistema, para que tomem a melhor decisão para o público que atendem.

De 2022, quando tivemos definições sobre os limiares de custo-efetividade, para cá, quanto o tema já está impactando as novas decisões da Conitec na incorporação de novas tecnologias?

Renato Porto – Nós só enfrentamos essa pressão no sistema porque, hoje, somos e devemos reconhecer que muitas coisas progrediram bem no Brasil. Atualmente, somos a principal onda de registro de medicamentos no mundo. Não podemos negar o papel significativo desempenhado pela Anvisa ao avaliar a eficácia e segurança desses produtos, tornando-os disponíveis no Brasil. No passado, isso não era assim, e talvez essa falta de observação sobre o processo de incorporação não fosse tão evidente. Naturalmente, o país evoluiu ao longo do tempo, progredindo adequadamente nessa primeira etapa, que é efetivamente trazer o produto para o cenário nacional. As indústrias têm confiança para fazer essa apresentação do dossiê porque os processos são desenvolvidos globalmente. A partir disso, o próximo passo é a avaliação. No entanto, avaliar isso apenas com base em um único limiar de custo-efetividade não é a melhor abordagem, na nossa visão. Precisamos compreender que existem outras ferramentas para isso. Nós, da Interfarma, defendemos uma avaliação por multicritério, ou seja, não apenas considerar uma ferramenta que avalie se o custo, a eficácia e o benefício dessa tecnologia são únicos. Precisamos olhar para o tratamento e para o sistema como um todo. Estamos buscando curar uma doença? Porque, se for esse o caso, talvez não exista um limiar de custo e efetividade aplicável. Se a doença for curada, não se trata mais de anos de vida, mas sim do resto da vida inteira.

Um cálculo difícil de fazer.

Renato Porto – Como você faz esse cálculo? Aqui nós não somos diferentes de outros países do mundo. Muitos países, para não dizer todos, estão refletindo sobre qual sistema ou metodologia adotar para decidir sobre a incorporação de novos medicamentos. O mundo está avançando rapidamente. A ciência parece estar progredindo a cada dia. E é muito difícil não ter consciência de que podemos ter um medicamento curativo que não estará disponível. O desafio aqui é avaliar novas metodologias. Estamos realizando uma série de estudos sobre como a Conitec atualmente conduz esse processo, e provavelmente teremos críticas. A transparência desse processo é fundamental? Sim. Para analisarmos esse processo, precisamos ter transparência sobre como foi conduzido e as bases em que se fundamentou. Ao avaliarmos os pareceres da Conitec, percebemos que a maioria, 72% deles, baseia-se em critérios de custo-efetividade. Parece que teremos algum problema, pois o limiar de custo-efetividade talvez não seja mais, na nossa opinião, o principal critério para fazer essas avaliações. E a própria Conitec já demonstrou isso quando ele incorpora um produto com 15 PIB per capita. Então, se tem um limite de 1 e de 3 para doenças raras, e aqui eu falo para um público absolutamente especializado: por que registrar o de 15? É porque nós temos certeza de que ele vai mudar completamente o curso da fibrose pulmonar, para citarmos essa terapia especificamente. E aí, os nossos operadores – nós da indústria, quem está no Ministério da Saúde, quem está na saúde experimental – têm que ter ferramentas para dizer: ‘esse produto é bom, ele é relevante para o tratamento, e ele vai ser incorporado’. Agora tem outro detalhe, que é muito importante. Talvez essas ferramentas não sejam as mesmas, ou não precise nem haver ferramenta na saúde suplementar.

“Muitos países do mundo não têm avaliação de tecnologia em saúde para a saúde suplementar. A saúde suplementar pode performar sobre outras bases. Ou seja, precisamos dar este passo de discussão. Eu não tenho a resposta agora.”

A ANS realizou no fim do ano passado um fórum de discussão para debater o limiar de custo-efetividade em nossa tomada de decisão. Na sua visão não faz sentido seguir por esse caminho, então?

Renato Porto – Eu acho que temos que tomar muito cuidado em igualar esses dois sistemas. Na base desse processo, esses sistemas não são iguais. Se caminharmos para igualá-los, talvez não tenhamos muito objetivo na saúde suplementar. O que nós queremos com esse processo? Essa regulação precisa ser indutiva, como a Anvisa fez lá atrás. Ela induziu que cada vez mais chegassem novos produtos com qualidade, eficácia e segurança, pelas suas regras. A ANS precisa – e não só a ANS, acho que aí o Ministério da Saúde, todos – precisa ter uma regulação indutiva a ponto de fazer com que esse sistema de saúde suplementar absorva, talvez, cada vez mais pessoas, mais pacientes, e que se aumente a qualidade desse atendimento. E talvez aumentar essa qualidade desse atendimento não seja na mesma proporção que o sistema público. Isso tudo é um processo que nós estamos desenvolvendo. A Interfarma, há três meses, começou a fazer uma série de estudos e workshops, inclusive internos, com o corpo das nossas companhias, para que, de fato, criemos uma massa crítica e uma base técnica. Dessa forma, a ANS, como já dissemos, precisa que esse processo seja feito em conjunto e proponha uma solução para a saúde suplementar.

Você acha que dá para ter essa conversa mais setorial do papel da saúde suplementar dentro desse contexto de acesso?

Renato Porto – Tem que ter. Não temos saída para isso. Acho que a ANS tem que ocupar esse espaço de liderança, conversar setorialmente e entender que essa cadeia de atenção da saúde suplementar é longa, como é a cadeia da saúde pública. Nós estamos falando desde o momento do desenvolvimento da tecnologia até o momento que essa tecnologia vai ser disponibilizada mesmo, no leito de um hospital ou na casa das pessoas. Então, não temos como fugir desse processo. Precisa ser falado setorialmente. A saúde suplementar é muito díspar, e isso me lembra um pouco do meu tempo de Abrafarma, onde você também via essas redes de farmácia que não são absolutamente iguais e se conseguiu fazer um sistema que tem medicamento em todos os lugares do Brasil, não falta medicamento nas farmácias. Acredito que a ANS tem que liderar esse processo. Esse é o grande desafio nosso na cadeia. Não precisamos resolver todos os problemas ao mesmo tempo, mas precisamos andar um pouco a cada tempo, a cada dia e a cada semana, para que ela realmente possa liderar esse processo. Não temos como fazer isso, na minha opinião, de outra maneira. Por isso, o nosso maior respeito é a Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Como anda o desdobramento da discussão da incorporação das terapias avançadas pela saúde suplementar?

Renato Porto – Bom, as terapias avançadas são terapias que mudam o curso da doença. Não temos mais dúvida disso. Esse foi o primeiro passo, em que a saúde suplementar discutia se isso era ou não medicamento. Então, é um medicamento de terapia avançada. A partir desse conceito, esses produtos estão sendo utilizados pela população por serem medicamentos. Todos eles, atualmente têm cinco registrados no Brasil, são de uso hospitalar, infusional. Então, a lei garante que esses produtos, de fato, sejam dados aos pacientes, disponibilizados ao paciente. O que a ANS tentou fazer ou fez com a publicação daquela nota, e foi uma nota questionada tanto pelo Sindusfarma e estamos questionando agora como amicus curie, é que este processo não pode ser uma barreira ou uma etapa condicionante ao tratamento da oncologia. Primeiro, porque nós temos uma lei no Brasil que garante o tratamento infusional e oncológico nos hospitais. Logo, o primeiro passo é: não criar, por este processo, uma barreira para o descumprimento de uma norma. E dois: este processo deve, se for feito, com a preliminar. Ou seja, com base em quais estudos nós chegamos ao modelo de incorporação da saúde suplementar.

Como fazer isso?

Renato Porto – Vamos ter avaliação de tecnologia na saúde suplementar? Ou não vamos ter? Porque se nós estivermos falando de um hospital privado, de um atendimento privado, o próprio dinheiro das pessoas pagando esse tratamento, faz sentido ter ATS ou não faz sentido? Porque se cada um pagasse o seu, eu vou pagar o que está registrado na Anvisa, se eu quiser. Então, fazendo esse raciocínio, a saúde suplementar precisa ter essa ferramenta de ATS ou não precisa? Se um plano de saúde quiser dar mais do que o outro, pode ou não pode? O grande desafio que nós temos nesse processo não é só também ser a barreira. Esse foi um passo. O passo maior e propositivo, e por isso nós estamos desenvolvendo uma série de estudos, é: claramente, com muita base técnica, o que nós vamos colocar para garantir esse melhor tratamento? E o que nós vamos colocar para induzir a cada dia o melhor tratamento? E não fazer com que esse processo seja a cada dia uma barreira, uma dificuldade para a atenção do paciente. E aí eu conecto rapidamente com algo que nós entendemos que é absolutamente temerário, um sistema errado, que é o da judicialização, onde a gente vai fazer não avaliação setorial, não avaliação de um grupo de pacientes, seja ele público ou privado, mas avaliação da necessidade de uma pessoa. E aí o sistema tem mais um problema.

Esses debates têm acontecido? As pessoas estão mais abertas para ouvir, dialogar e construir nessas conversas?

Renato Porto – Quando falamos de saúde, acredito que é fácil dizer que sim, porque todo mundo quer a melhor saúde, todo mundo quer o melhor. Eu acho que todos esses atores, independente das posições que estejam, todos querem que a saúde seja melhor. No final do dia é a minha saúde, eu que vou utilizar, seja o sistema público ou privado. É o meu filho. Então, é fácil dizermos isso. O difícil é realmente colocar essa discussão sobre as bases técnicas, fazer com que o desenvolvimento desse processo seja suportado por pilares técnico-científicos. E esse é o desafio. Porque muitas vezes as nossas decisões são no afogadilho, precisam ser tomadas muito rápidas. E isso pode fazer com que tomemos decisões que a técnica nos diz que é uma decisão ancorada. É assim: eu já sei onde eu quero chegar, e aí eu construo um racional para onde eu quero chegar. E esse caminho, a técnica regulatória diz que é o pior caminho.

“Ou seja, a técnica regulatória, a técnica de decidir para que uma sociedade inteira seja convencida, diz que você tem que fazer isso ao contrário. Livre de todas essas amarras, avaliando uma série de dados, uma série de estudos, de informação, para você tomar a melhor decisão para aquele público.”

E não necessariamente ela é para sempre. Existem regulações que você faz isso faseadamente para que você consiga chegar. Por isso, eu sempre digo nas minhas conversas, que a regulação precisa ser indutiva. Ela não é estática. Ela é hoje para chegar a um passo, amanhã para chegar a outro passo. Então, eu acho que os atores estão muito afeitos a esse diálogo e precisamos, de fato, fazer com que esse diálogo tenha base técnica. Aí nós vamos chegar a uma boa decisão e conseguir resolver esse problema do sistema como um todo.

Você disse que a Interfarma está realizando alguns desses estudos. Logo, vamos descobrir algumas dessas informações?

Renato Porto – Sim, já fizemos um estudo observando sistemas de incorporação de medicamentos em cinco países do mundo, além de outro estudo analisando vários pareceres da própria Conitec. Recentemente, realizamos um workshop interno para a Interfarma, trazendo três palestrantes que são talvez as pessoas mais especializadas em avaliação de tecnologia no mundo: um americano, um europeu e um brasileiro. Em breve, começaremos a compartilhar todo esse arsenal de informações. Diria que o próximo passo é levarmos esses resultados para as ruas e mostrá-los ao público.

Muito se debate dentro da indústria farmacêutica os novos modelos, como compartilhamento de risco ou abordagens de negócios diferenciadas. Você tem observado mais iniciativas nesse sentido dentro da Interfarma ou entre suas associadas? Como esse avanço está acontecendo no Brasil?

Renato Porto – Tenho visto sim. Os modelos alternativos para essa incorporação são caminhos que os países apresentam. O Brasil tem características diferentes de outros países, não só no arsenal de saúde, por ter 200 milhões de habitantes, por ter um sistema único. Mas ele tem características diferentes, como os preços das incorporações, os valores desses produtos são valores absolutamente publicados. Em outros países do mundo, eles não são publicados. Essa transparência ajuda ou não ajuda? O principal é que o nosso arcabouço, o nosso ambiente, permita esse cardápio de alternativas. Quando eu estava falando de ancorar uma decisão, eu conecto isso com dizer: por que ter só um método alternativo? Será que um único método, como compartilhamento de risco, é o adequado para resolvermos todos os problemas de todas as incorporações de medicamentos? Ou podemos ter, por exemplo, uma ideia de um preço não público para uma negociação? Tudo isso são opções que precisamos levantar para que o país decida, por ter, na minha opinião e na opinião da Interfarma, esse cardápio, para que cada tecnologia e cada laboratório possa utilizar dessa melhor ferramenta, pensando no resultado. Talvez a ferramenta para o público seja uma, para o privado seja outra. Para um produto é uma, para outro produto é outra, até mesmo de uma mesma companhia. Esse desenvolvimento de como vamos dar esse acesso sobre o viés da avaliação econômica também não é de única opção, como também não é avaliação de, por exemplo, limiar de custo-efetividade. Estamos falando de um processo muito complexo de fases, onde cada fase dessa tem ferramentas que devem ser utilizadas.

Está acontecendo mais na prática ou está apenas nas ideias?

Renato Porto – Acredito que o Brasil ainda tem um desafio em tornar isso mais claro e comum para todos. Isso é muito claro para nós, para as indústrias de pesquisa, porque estão em centenas de países, cada um com suas tecnologias, cada um com seu estado da arte em tempos diferentes, mas no Brasil, ainda não. Ainda falamos muito somente em limiar de custo-efetividade. Falamos muito só em compartilhamento de risco, que já é uma alternativa. Precisamos aumentar de fato essa discussão sobre as diversas etapas desse processo até chegar ao acesso e sobre as diversas ferramentas que existem dentro de cada uma dessas etapas. A cadeia é complexa e naturalmente é assim. Não vamos conseguir simplificá-la para obter o melhor resultado. É por isso que temos tanto trabalho aqui no Brasil.

Sobre a utilização dos dados de vida real, o quanto isso pode também ajudar?

Renato Porto – Os tempos mudaram. As tecnologias chegam mais rápido. Imagina que quando desenvolvíamos a tecnologia em 1960, para as pessoas saberem que ela de fato estava pronta, era só quando realmente ela estava pronta, quando ela já ia com todos os testes. O mundo evoluiu. Claro que os testes que são observados pela Anvisa para aprovar uma droga, um medicamento, são testes muito rígidos, harmonizados no mundo inteiro. Só que conhecer de fato o pós-registro, como isso acontece na vida real, dá uma segurança muito grande para o desenvolvimento, inclusive de drogas futuras, de medicamentos que ainda vão vir. Então, ter de fato essa segurança de que cada produto que está sendo utilizado está tendo o seu benefício, está sendo utilizado na hora certa, isso você garante como? Só com dados da vida real. Não é só ver o produto antes dele ir para a rua. Precisamos conhecer também o produto depois que ele vai para a rua. Esse estudo fase 4, que a Anvisa sempre nos diz e que poucas pessoas até falam – a gente fala estudo fase 1, 2 e 3 e já termina, mas tem o estudo fase 4. Esse estudo fase 4 é que hoje nós estamos dedicando muita força. O mundo passou a olhar muito mais para isso, sobre os benefícios que ele pode ter. Isso acelera o registro de drogas, a disponibilização de produtos.

“Usar esse dado, além de ser natural dentro da geração de produção de novos medicamentos, é absolutamente necessário para que tenhamos esses dados e tenhamos a prova de que ele é muito bom.”

E na prática, ele baliza as decisões ou ainda não?

Renato Porto – Na prática, o que acontece? Esse estudo de fase 4 serve como uma confirmação de tudo que foi feito nas fases anteriores. Chamamos o estudo de fase 1, 2 e 3 de pré-mercado, enquanto a fase 4 é o pós-mercado. O pós-mercado garante que tudo que aconteceu na pesquisa, no desenvolvimento e tudo que está acontecendo na fabricação está sendo garantido e está ótimo. Um passo importante nesse processo é que, com esse conhecimento, também conseguimos fazer uma crítica de quais produtos ainda são os mais eficientes e como essa cadeia deve se renovar. Portanto, numa incorporação de um produto, existem produtos hoje que estão disponíveis e que não são mais nem utilizados. Também podemos entrar nesse ciclo de utilização de dados da vida real para limpa essa base. Porque com essa limpeza dessa base, vamos ter um olhar mais fino, mais qualificado de como o nosso paciente está sendo atendido. E ele provavelmente está sendo bem atendido.

Considerando este contexto, é válido incluir dados de qualidade de vida?

Renato Porto – Os benefícios de um medicamento são amplamente demonstrados através do registro sanitário. Na fase 4, no entanto, podemos obter a confirmação de que os resultados de uma pesquisa não se limitam apenas a desfechos como sobrevida global sem progressão, por exemplo. Existem outros resultados que, talvez, possam ser ainda mais bem comprovados com a utilização deste produto em larga escala. Em outras palavras, a Anvisa segue as regras do ICH, sendo membro deste. Tais regulamentos são adotados globalmente. No entanto, há uma diferença entre realizar um estudo com 2 mil pacientes e utilizar o produto em 200 milhões de pacientes. Isso fortalece significativamente os dados. Assim, transitamos do âmbito da pesquisa para a vida real, onde podemos corroborar, reiterar e verificar novamente que este medicamento possui toda a base para o qual foi desenvolvido. Esse processo é crucial, especialmente considerando a rapidez com que os produtos são desenvolvidos, representando nossa principal garantia proporcionada pela indústria de pesquisa todos os dias.

Já ouvi de alguns players, e é comum às vezes nos debates de saúde, falar que no Brasil não tem segurança jurídica. Como é esse cenário na indústria farmacêutica?

Renato Porto – Precisamos separar dois passos claramente aqui. A Anvisa andou muito bem. Temos a prova muito clara de que a agência, que avalia a eficácia, segurança e qualidade do medicamento, está absolutamente alinhada com o mundo e tem técnicas para se proteger, inclusive, dessas alterações muito rápidas que podem causar uma insegurança jurídica. A parte posterior desse processo seria a parte de acesso, de incorporação e da própria saúde suplementar. Aqui, acredito que ainda temos um grande ganho pela frente. Temos boas oportunidades, nos próximos anos, de mudar um pouco esse cenário. Também acredito que isso seja o caminho natural. Primeiro, você faz a inovação, registra um produto, depois vai para uma etapa de acesso, seja ele no sistema público ou no sistema privado. Mas ainda temos, como é o caso da nota técnica da ANS, onde isso causa uma insegurança muito grande. Então, você tem uma lei que determina que o paciente tenha, de fato, um medicamento incorporado e disponibilizado e uma nota técnica da ANS pode colocar em xeque esse processo. Não colocou, ainda bem, porque os nossos pacientes, de fato, estão sendo atendidos. Mas isso gera, sim, uma insegurança jurídica elevada.

Sobre o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, qual pode ser o papel da indústria de inovação? Vai ter espaço?

Renato Porto – Sem dúvida. A indústria que inova pode trazer para o Brasil, dentro do processo do Complexo, a sua tecnologia. Inovar e transformar o estado da arte de um tratamento não é simples. Essas empresas levaram centenas de anos para alcançar esse nível. Estamos falando de hubs de inovação e pesquisa espalhados pelo mundo inteiro, e essa talvez seja a maior contribuição que se pode dar nesse sistema. Por isso, sempre enfatizamos que o Complexo não se resume apenas às fábricas. Embora as fábricas sejam bens tangíveis que podem ser estabelecidos em diversos lugares, há tecnologias avançadas que não permitem essa flexibilidade. No entanto, essa é talvez a parte mais simples do processo. A parte mais desafiadora, que demanda mais tempo, é, de fato, a inovação e a pesquisa. O Complexo pode se beneficiar de todo o progresso já alcançado na pesquisa e desenvolvimento dessas indústrias em outros países do mundo e, assim, acelerar o desenvolvimento da ciência no Brasil. Especialmente no caso da indústria farmacêutica, nossa contribuição nesse processo é exemplar. Talvez seja o que mais possamos ter de parceria entre um país, uma empresa, ou várias empresas, que estão em diversos outros países.

“Isso pode fazer com que o Brasil, de fato, cumpra o que o complexo econômico da saúde quer: acelerar a atração da inovação no Brasil.”

Tentando tangibilizar para algo mais prático, seria via transferência de tecnologia? Seria através da realização das pesquisas aqui? Como exatamente pensamos nisso de forma prática?

Renato Porto – A pesquisa clínica, como já conversamos, é apenas o primeiro passo e, na minha opinião, não está sendo devidamente capitalizada pelo complexo. Mas é o primeiro passo. Imagine que a pesquisa é o ponto de partida para qualificar a transferência de tecnologia, e é isso que acontece no mundo real, para que essa transferência seja absorvida. Podemos enfrentar dificuldades nesse processo. Por exemplo, podemos ter a tecnologia, mas podemos enfrentar obstáculos para transferi-la para o país. Talvez esse seja o motivo pelo qual várias parcerias de desenvolvimento produtivo não alcançaram seus resultados. Por quê? Porque a absorção dessa tecnologia também é um desafio. Quem desenvolveu levou décadas para fazer isso. E quem está absorvendo agora, talvez não leve décadas, mas leve alguns anos. E precisa estar qualificado para receber essa tecnologia. Então, o complexo econômico pode ser formado através da transferência de tecnologias, da absorção delas. Às vezes, não é necessário absorver um produto inteiro, mas apenas parte da produção, o que pode resultar em um ganho significativo de produtividade operacional. É por isso que não falamos apenas em PDP, um produto acabado, mas também na transferência de tecnologia de partes desse processo. Por exemplo, imagine que um medicamento é produzido e possui um controle de qualidade. Será que temos tecnologias embarcadas nos produtos que podem ajudar na manutenção dessa qualidade e que podem ser utilizadas em mais de um produto? Isso seria benéfico não apenas para uma PDP, mas para várias. É por isso que o Ministério agora começa a observar esses outros aspectos da transferência de tecnologia e não apenas o aspecto de construir, de fato, uma fábrica.

Sobre a Anvisa, estamos acompanhando o que está acontecendo em relação à quantidade de pessoal e uma preocupação setorial sobre os caminhos da agência. Por ter sido parte da Anvisa na sua carreira, como você enxerga essa questão?

Renato Porto – A situação da Anvisa é de fato muito preocupante. Na minha opinião, a Anvisa já esgotou todos os métodos disponíveis para racionalizar essa análise. Estamos falando de uma agência que hoje opera da mesma forma que outras. Uma agência que utiliza a avaliação de dossiês de forma concomitante, onde um país avalia uma parte e outro país avalia outra. Estamos falando de uma agência que adota o sistema de reliance, aceitando a avaliação de outras agências nesse processo. Chegamos a um ponto onde só há uma solução: mais servidores para a Anvisa. A agência chegou a um número de servidores que é absolutamente ineficaz para sua operação. Algumas comparações para você ter uma ordem de grandeza: a FDA que praticamente só cuida de medicamentos e que, em sua equipe de técnicos para avaliar medicamentos, possui oito mil pessoas. Enquanto isso, a Anvisa atualmente tem pouco mais de mil servidores para cuidar de todas as suas competências. Isso é muito difícil. Eu diria que no meu período era mais fácil. Tínhamos alguns desafios, mas era claramente perceptível que precisávamos harmonizar as regras do Brasil e do mundo para facilitar os registros. Tínhamos muito claro que precisávamos ampliar nossas cooperações internacionais, dar valor a outros documentos de outros países. Agora, é concurso público ou outra tecnologia para que a Anvisa tenha mais homens-hora. Não há outra solução. É preciso que, em algum momento, na avaliação de um medicamento ou de qualquer outro produto, o técnico olhe os dados e valide que um documento feito por uma autoridade é o que eu vou dar valor. Isso precisa ser feito por pessoas. E não temos essas pessoas hoje na Anvisa.

Já está impactando?

Renato Porto – Muito. Hoje, nossa perspectiva é que um registro de um novo medicamento leve mais de um ano. Isso é um tempo significativo, considerando que pessoas podem estar sendo impactadas, pacientes, porque o medicamento ainda não está disponível. No Brasil, atualmente, somos a primeira onda de registro. Quando uma droga é aprovada globalmente, ela chega ao Brasil. As empresas apresentam seus dossiês para registro na Anvisa. Se houver demora nesse processo, naturalmente, algumas pessoas podem estar sendo afetadas. E tudo isso não é algo que aceitamos. Estamos realmente lutando para que esse tempo diminua.

Na sua carreira você também participou da AbraFarma e de olhar para as farmácias como hubs de saúde. Fazendo essa conexão, como a indústria e as farmácias podem trabalhar de uma forma mais alinhada?

Renato Porto – Quando falamos de medicamentos, no fim do dia, falamos de cuidado com a saúde. Precisamos olhar também as pessoas saudáveis. A população mundial hoje aumenta a sua idade. Cada dia, as pessoas ficam mais velhas. Naturalmente, mais problemas. Podemos atrasar isso. Podemos fazer com que as pessoas vivam cada vez mais saudáveis. Podemos trabalhar na atenção primária, secundária e terciária. E quando fazemos isso, o que estamos dizendo? Se colocamos as farmácias dentro desse processo, e o Brasil tem 90 mil farmácias, podemos impactar, de fato, o sistema de saúde, com diagnósticos mais rápidos, com pessoas que vão entrar numa farmácia para, por exemplo, medir a pressão. Se ela fizer isso, talvez três vezes na semana por três semanas, a gente consiga, como Brasil, diagnosticar precocemente um problema cardíaco. E talvez o segundo passo seja não ter eventos graves relacionados a problemas cardíacos. Isso é o que podemos fazer. Não podemos focar apenas na terapia dentro de um hospital. Precisamos pensar no sistema como um todo. E, então, levar esse processo adiante, fazendo das farmácias um hub de saúde.

É antecipar…

Renato Porto – E aqui tem um ponto muito importante. Precisamos capacitar as pessoas para que realmente cuidem da sua saúde. A farmácia está muito próxima do cidadão, do paciente. Fazer com que as pessoas cuidem da sua própria saúde é algo fundamental para tornarmos esse sistema mais resiliente, mais saudável. Quanto mais cuidamos, melhor vamos ficar. E fazer com que as pessoas percebam isso também é um desafio dessa cadeia como um todo. Quando vemos muitas pessoas falando que um exame foi usado desnecessariamente, a cadeia tem muito desperdício, será que o próprio paciente não pode ser uma barreira para que se diminua esse desperdício?

“Medicamentos são 9% do custo do sistema privado. Será que podemos fazer com que o sistema seja mais eficiente, não só pela tração do medicamento?”

Se houver desperdício aqui, vamos também atuar. Mas talvez tenhamos muitos outros desperdícios na cadeia. Saúde tem um valor cada dia mais alto. Isso é natural. O que temos que combater talvez seja o desperdício. Esse desperdício na cadeia não pode existir. E aí, esse projeto de hubs se conecta um pouco com isso. Com olhar a cadeia como um todo, unir a farmácia a laboratórios farmacêuticos, unir a farmácia a laboratórios de análises clínicas, e passar a ter o cidadão como um elo nesse processo. Porque se ele estiver convencido do que ele vai utilizar ou como ele vai utilizar, talvez consigamos fazer com que o sistema opere de uma maneira melhor. E essa era a concepção desse projeto. E aqui na Interfarma, eu acho que isso faz todo sentido também.

Qual é a pauta prioritária da Interfarma ainda em 2024?

Renato Porto – Fora todos esses temas que nós já tratamos, o grande passo que a Interfarma vai dar é mostrar para a população o valor de uma inovação. Os cidadãos, as pessoas no mundo, precisam entender o quão importante é tudo que tem por trás de uma transformação de um tratamento. Quando dizemos que uma pesquisa demora 10 anos, isso é muito tempo. E não é tempo só destinado a gastos de recursos. É tempo que nós queremos diminuir. Porque no outro dia, vamos mudar o curso de uma doença, ou vai curar. Às vezes me arrepio, quando falamos de medicamentos que curaram. Medicamentos que tornaram uma pessoa que mal enxergava e agora vê. Medicamentos que tornaram uma pessoa que não tinha condição de andar, andando. E se falarmos em cura, precisamos dizer para as pessoas que isso é inovação. É para aí que estamos indo. E precisamos de fato dizer isso. O grande objetivo da Interfarma neste ano de 2024 é mostrar para todos que essa inovação vai mudar a sua vida. Essa inovação vai mudar o tratamento das doenças. E que precisamos inovar em incorporação, em registro, em acesso, em tecnologias avançadas como inteligência artificial, vamos fazer isso em todas as áreas, para que a população tenha no outro dia, o mais rápido possível, o melhor benefício que ele pode ter para aquela doença.

Quais são as pautas que nós do Futuro da Saúde precisamos prestar atenção?

Renato Porto – Vou citar dois. Acredito que o passo do desenvolvimento do Brasil é importante. O Brasil está atrás nesse desenvolvimento e precisamos elevar esse desenvolvimento, pois isso nos permite compreender melhor todo esse sistema e encontrar soluções para ele de maneira mais rápida. No futuro, acredito que é o acesso. Temos uma população muito grande, espalhada por todo o país, que se beneficia de dois sistemas. Acho que os desafios são esses: atrair investimento e tecnologia para que o país se desenvolva de dentro para fora, diminuir um pouco dessa dependência. O segundo passo é de fato ampliar esse acesso para que todos tenham o melhor tratamento disponível no mundo hoje.

Natalia Cuminale

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, com as reportagens, na newsletter, com uma curadoria semanal, e nas nossas redes sociais, com conteúdos no YouTube.

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