Renato Casarotti, presidente da Abramge: “Criação de um fundo seria uma das saídas para arcar com os custos de novas tecnologias”
Renato Casarotti, presidente da Abramge: “Criação de um fundo seria uma das saídas para arcar com os custos de novas tecnologias”
No mais recente episódio de Futuro Talks, Casarotti aborda o cenário atual e como as tendências do setor devem impactar o segmento de planos de saúde
Um dos elos mais pressionados atualmente no sistema de saúde brasileiro é o de planos de saúde. E essa pressão tende a aumentar ao considerar que o modelo de negócio baseado no mutualismo – onde todos pagam, mas o uso ocorre de forma diferente entre os beneficiários – terá que lidar com o processo de envelhecimento da população e os custos cada vez maiores dos novos tratamentos. Esse foi o pano de fundo da entrevista com Renato Casarotti, presidente da Associação Brasileira dos Planos de Saúde, no mais recente episódio do Futuro Talks.
Para o executivo, que também é vice-presidente de relações institucionais do UnitedHealth Group, essa questão de custos elevados das novas terapias, que antes ocorria de forma esporádica, deve ficar cada vez mais frequente e impactar tanto a saúde pública quanto a privada. Por isso, ele acredita que o ponto deveria ser encarado como uma política de estado. Casarotti inclusive sugere a criação de um fundo para arcar com os custos, em um modelo que poderia funcionar de forma semelhante ao da fila de transplante de órgãos.
Ao longo da conversa, o presidente da Abramge também abordou a questão da sinistralidade, com destaque para três movimentos. O primeiro é a necessidade de redução das fraudes, que segundo ele praticamente dobrou em poucos anos. O segundo seria a adoção de diretrizes de cuidado: em sua visão, apesar de ser tema sensível principalmente para os médicos, que tendem a achar que sua autonomia será reduzida, a adoção adequada pode trazer impacto relevante – uma ideia seria envolver as sociedades médicas para garantir que estes protocolos sejam altamente técnicos. O terceiro é a tendência de integração que já tem ocorrido no mercado, não apenas com a verticalização, mas com a união de players de segmentos dentro da saúde.
Casarotti falou ainda sobre as características de fragmentação e rotatividade dos planos, a coordenação de cuidado e promoção de saúde, a questão dos reajustes e rescisões de contrato, a importância da transparência para a sociedade e outros modelos que buscam a regionalização e soluções como cartões de desconto. Mesmo com todos os desafios, ele acredita que 2024 será um ano de retomada gradual para a saúde financeira do setor.
Confira a entrevista a seguir:
O mercado de planos de saúde encerrou o ano passado com prejuízo operacional de mais de 11 bilhões de reais. Por que isso aconteceu?
Renato Casarotti – Não tem uma razão única, é uma conjunção de fatores diferentes. Tem a ver, sim, com uma oscilação profunda do momento da pandemia. A pandemia gerou esses 2 anos muito descompassados. Em 2020 houve uma redução da utilização direta do sistema. Os esforços ficaram todos muito concentrados no Covid. Isso acabou levando a um esvaziamento de clínicas, mesmo de hospitais para outros fins. O setor teve até um resultado positivo e significativo naquele ano. Em 2021 aconteceu o efeito contrário, porque a gente teve aquele suspiro de uma percepção do fim da pandemia. Aí você já teve a retomada dos procedimentos eletivos. Só que a gente teve a segunda onda da Covid, que foi inclusive mais forte do que a primeira. Pouca gente lembra, o pior momento da pandemia foi aquele primeiro trimestre entre fevereiro e abril de 2021. Aqui em São Paulo, o caos dos hospitais lotados. E essa oscilação gerou um efeito, particularmente duro em 2021 e um rebote em 2022, de uma oscilação muito grande. Você vai lembrar que 2021 foi o ano dos reajustes negativos. Como o reajuste sempre leva em consideração os 2 anos anteriores, pegou um ano de uma redução grande de sinistro. E aí teve o reajuste negativo em 2021.
E em 2022?
Renato Casarotti – E 2022 a gente teve o efeito diametralmente oposto. Como a gente estava comparando 2021 com 2020, você teve aquele reajuste dos planos individuais de 15,5%, muito elevado. Na prática, o que acabou acontecendo nessa oscilação muito grande, a gente percebeu que não houve diminuição no número de vidas, mas um downgrade muito grande. No sentido de que todas as vidas que entraram no sistema entraram com o ticket mais baixo e mesmo aquelas que já estavam, começaram a procurar opções mais baratas. A percepção é que isso levaria a uma redução de utilização do sistema, uma redução do custo. Planos com perfil de tíquete mais baixo detém um, obviamente, custo mais baixo. Isso acabou não acontecendo. A gente teve esse pico de sinistro. A sinistralidade chegou a superar os 90%, encerrou o ano bem perto disso e levou o sistema a esse estresse que a gente está agora. Então, temos um sistema estressado, com uma frequência de utilização muito elevadas, um custo médico elevado e cuja receita não conseguiu acompanhar, levando a esse resultado operacional negativo.
Qual o tamanho desse desafio?
Renato Casarotti – É um desafio grande, um nó difícil de desatar. Porque para você desatá-lo, há poucas formas. Ou você tenta crescer mais receita, que é o que os setores têm tentado fazer, mas esse crescimento briga com o número de beneficiários. Quando eu tento aumentar o prêmio por meio do reajuste, eu vou perdendo vidas. É um equilíbrio muito difícil. Ou você tenta de alguma forma controlar os custos, o que é difícil porque a gente está com uma frequência muito alta. Mas é uma tentativa que a gente tem implementado para ver se consegue equilibrar esse jogo. Minha percepção: é um processo que vai tender a ser muito mais gradual e longo. Não veremos uma curva ou um gráfico em V no setor, não. A gente não vai sair desse buraco para crescer muito rapidamente. A tendência é que seja uma retomada gradual.
Como reduzir essa sinistralidade? Como fazer com que, de fato, as pessoas usem os planos de saúde somente quando elas necessitem? Há um esforço do setor de planos de saúde para tentar transformar um pouco essa lógica de utilização?
Renato Casarotti – Tem sim. Falando especificamente de despesas, acho que tem três pontos que podemos endereçar. Um é reduzir fraude e desperdício. Esse inclusive tem sido um foco grande do setor. A ABRAMGE tem um movimento, o Todos por Todos, que ajudamos a lançar e que hoje já tem sido compartilhado por várias outras associações, entidades que procuram explicar essa lógica coletiva, o que é um plano de saúde. Houve um aumento exponencial nesse tipo de coisa nos últimos 12 meses. Principalmente falando de fraude. E dá para fazer com coisas concretas. Conforme vai divulgando isso, percebe as pessoas refletindo no ponto mais emblemático, que é a coisa de quem pede o seu login e senha. Principalmente para fazer reembolso. As pessoas confundem um pouco da relação que elas têm com a operadora, com a relação que elas têm com uma clínica.
O login e senha não é da clínica e nem do plano, é seu. Não compartilha isso com ninguém. Você está abrindo uma porta para acontecer situações extremamente desagradáveis.
E o segundo ponto?
Renato Casarotti – Um outro ponto que eu acho também importante implementarmos de forma mais assertiva são os protocolos de diretrizes de cuidado. Todo mundo fala isso, mas tem uma relação de tensão entre protocolos e diretrizes e a liberdade e autonomia do médico. O protocolo é percebido como uma restrição, como uma limitação da atuação médica. Mas você percebe algumas coisas interessantes. Na semana passada – acho que nem era para ter vazado, mas vazou e repercutiu muito no mercado – a decisão do Einstein de proibir o uso daquelas cânulas que são feitas para ajudar a reduzir dor e tem uma eficácia questionada e um custo muito elevado. Para o hospital tem uma lógica de pertinência clínica muito forte, mas abre mão de receita. Então, a postura do Einstein foi de quebra de paradigma. Eu, como operadora, não posso fazer, agora eu posso seguir e tem muita gente seguindo. Mas acho que discutir e perceber isso, como uma referência tanto para você entregar o cuidado certo, evitar o desperdício, como também para fazer o ponto contrário, evitar a restrição ou a negligência do cuidado, é fundamental. Um bom protocolo, uma boa diretriz, adotado de forma mais abrangente pode ajudar demais a trazer eficiência para o sistema. E eficiência não é redução, é entregar o melhor resultado ao menor custo. Tem muito o que a gente pode fazer e eu vejo hoje o setor mais unido.
E o terceiro ponto?
Renato Casarotti – O terceiro ponto é uma coisa mais mercadológica, é você ver esses movimentos de integração acontecendo. E coloco sempre como integração para separar as suas diferentes modalidades. Todo mundo sempre fala de verticalização. É um modelo, já está há mais tempo, tem se consolidado, tem expandido. Mas tem enfrentado dificuldades também. Ele não é uma panaceia. E você começa a ver outros tipos de integração. Planos comprando hospitais, hospitais comprando planos, conglomerados envolvendo medicina diagnóstica também, outros elos da cadeia se envolvendo e gerando modelos de mais integração. Para mim esse é o ponto estrutural. O primeiro de combate à fraude e desperdício é um ponto necessário nesse momento. É uma urgência. Protocolos e diretrizes, para mim, é quase uma necessidade brutal de você, de alguma forma, trazer mais homogeneidade para cuidado que é entregue no Brasil. Agora, a integração, para mim, é a chave. E integração como referência de modelo assistencial é a chave para a gente realmente sair do buraco, no sentido de entregar um cuidado a um custo adequado para nossa população de forma mais sustentável.
E quando você fala de integração do modelo assistencial, isso tem a ver também com investir mais na gestão de saúde do paciente. Falta isso ainda?
Renato Casarotti – Falta. E a saúde privada tem um desafio, comparativamente, por exemplo, ao SUS. Porque no SUS há um pouco mais de perenidade nesse contato com o paciente, ou com o beneficiário ou com o cidadão nesse caso. Na saúde privada a gente tem um problema: como ainda somos muito fragmentados, essa gestão de saúde é difícil. Quando o pessoal fala de programas, por exemplo, de prevenção, mais até de promoção de saúde, imagina uma operadora cria um programa de cessação de tabagismo? Você começa a implementar aquilo, mas ainda há uma rotatividade muito grande no setor. O tempo de permanência gira em torno de 2 anos e meio. Com um plano em 2 anos e meio, dificilmente você vai conseguir entregar um resultado forte. Seja cessação de tabagismo, seja de monitoramento de cardiopatas, de diabéticos. Você precisa ter um pouco mais de tempo para conseguir entregar isso. E como você não vai prender as empresas ali, como é que você cria programas que sejam minimamente conectados ou que você possa usar a interoperabilidade para que, se você trocou de operadora, possa continuar fazendo aquele programa? Acho que passa por isso. E trazer a boa e velha discussão da coordenação do cuidado.
Como a coordenação do cuidado poderia avançar?
Renato Casarotti – Temos algumas armadilhas. A coordenação de cuidado é mais fácil falar do que fazer, e a gente precisa endereçar os problemas. Um problema que eu vi muito claramente em algumas das nossas associadas é investir muito com o médico de família. Você foi lá e contratou, e aí percebe que boa parte dos médicos de família formados – pelo menos os que vieram para as associadas – não conseguiam entregar na ponta o que a literatura mostra. A literatura mostra que um bom médico de família, um clínico geral, vai entregar 80% de resolutividade no primeiro contato. Isso é um número maravilhoso, ajuda a reduzir despesa médica. Na prática, como esse novo médico não tem essa formação tão apurada de fazer uma boa anamnésia, de fazer uma seleção dos exames diagnósticos para aquela necessidade, ele ainda tem virado um pouco um tirador de pedido. E se ele vira um mero tirador de pedido, ele não só não entrega o que a gente espera, como na verdade ele está agregando custo, ele está virando uma etapa a mais na jornada. Então, é preciso formação médica e boa utilização de tecnologia para isso. Eu fiz uma provocação na Amil recentemente. Estávamos falando de ChatGPT. E aí comentei: “Vocês acham que o ChatGPT ou alguma coisa parecida vai poder fazer coordenação de cuidado?” E uma das pessoas da equipe, um médico de família de formação, disse “de forma nenhuma, não pode”. Aí como ele é um cara muito honesto, ele parou e falou: “Renato, deixa eu te dar a melhor resposta que eu tenho agora aqui: não sei, talvez possa, não tenho a menor ideia. Há 3 meses, eu diria com certeza não, hoje não sei”. A gente está tão próximo de mudanças radicais nessa dinâmica que talvez possa. Ainda me parece muita contraintuitivo, mas talvez possa. Então, a gente tem que buscar essas formas para ajudar a fazer essa gestão de cuidados. A forma como ela acontece hoje ainda é muito precária, ela não entrega o que a gente precisa. Mas talvez com a integração, com interoperabilidade, troca de dados, a gente consiga facilitar e avançar nisso.
Nessa questão de rotatividade, faz sentido investir em fidelização? Ou talvez a saída seja realmente para interoperabilidade? Porque hoje a decisão do usuário é mais pelo preço, certo?
Renato Casarotti – Totalmente pelo preço. O nosso mercado também foi criado com essa dinâmica. A gente tem que fazer um mea culpa, menos um autoflagelo e mais uma constatação. É um mercado que hoje ainda se movimenta muito através dos corretores. O mercado de seguros em geral e planos de saúde não é diferente disso. E o fato dele fazer isso acaba gerando uma ciranda. O pessoal do setor brinca com a lógica do rouba-monte. O setor cresce pouco, está sempre um roubando carteira do outro. Para criar um relacionamento de longo prazo, eu preciso avançar. Como é que eu gero valor para esse beneficiário? Hoje, a percepção de valor está muito concentrada na rede de hospitais, principalmente. A gente percebe mudança em algumas empresas maiores que, obviamente, tem um foco grande na rede de hospitais, credenciada ou própria, mas já começam a perguntar de programa assistenciais, de como é que você faz gestão de cuidado, que tipo de informação que você compartilha com a empresa. Eu acho que investindo nisso você tende a conseguir trazer essa fidelização. E quanto mais tempo você tiver com aquele beneficiário dentro do sistema, um cuidado mais eficiente você vai entregar.
A alternativa a isso é a gente conseguir avançar com o prontuário único ou interoperabilidade, ou a mistura das duas coisas, para que essa navegação aconteça e ainda que haja algum tipo de perda nessa mudança, você mitigue essa perda, e gere uma continuidade de cuidado.
Voltando para a questão de protocolos e diretrizes, qual a dificuldade de implementar?
Renato Casarotti – Há uma dicotomia entre protocolo e autonomia médica. O ponto de tensão é muito claro e é compressível. Como profissional, uma lógica de autonomia plena é muito confortável. É aquela coisa que a gente vê muito na comunidade médica. “Entendo que o protocolo ideal é fazer essa medicação depois, mas na minha experiência funciona melhor fazer de um jeito diferente”. Tirar esse elemento de subjetividade é importante e a melhor forma de fazer isso é entendendo que isso tem que ser feito envolvendo os hospitais e a sociedade de especialidade médica. Não é uma jornada fácil e eu compreendo, porque mesmo nas sociedades eu sei que tem muita gente que entende que protocolos diretrizes são fundamentais para garantir um cuidado de qualidade. Mas para pra pensar, são órgãos de representação de classe, pessoas que foram eleitas para estar lá. Então, levar essa pauta demanda um engajamento, uma explicação grande para esses profissionais. Na minha opinião, quanto mais a gente envolver essas sociedades, vamos encontrar alguma que esteja mais aberta a isso.
Mas quando se fala de transformações no setor da saúde, nos eventos que se debate saúde, as sociedades médicas não costumam participar.
Renato Casarotti – Raramente. Você tem um pouco mais, às vezes, da AMB, ou dos conselhos. Mas precisamos achar quais são. Qual sociedade quer fazer o que o Einstein fez? Todas têm protocolos, mas vou botar um protocolo e vou exigir que as pessoas sigam o protocolo, acho que esse é um ponto. E fazendo dessa forma e depois disseminando isso entre os hospitais, envolvendo as operadoras, a tendência é de adesão mais alta. Agora, para um protocolo funcionar, ele tem que ter uma outra coisa para evitar a percepção de que ele é meramente restritivo. Além de qualidade técnica, você tem que ter um modelo de governança de exceção. Até para valorizar o profissional médico, porque ele vai entender o seguinte: 90% dos casos o protocolo vai ser fundamental. Ele resolve, eu tenho que seguir o protocolo. Isso vai, inclusive, fazer com que eu ganhe tempo, seja mais eficiente. Isso ajuda em tudo. Mas para 10% dos casos, por N razões diferentes, talvez eu precise fazer um ajuste no protocolo, e aí eu tenho que ter um modelo de governança de exceção. Porque não adianta simplesmente “olha, esse é diferente, pode fazer diferente”, aí não adianta. Assim, a consequência prática é que a exceção vai virar regra muito rapidamente. Mas se você tem um modelo de governança de exceção, com uma boa junta médica naquela unidade de saúde, que você possa levar nesse caso, por causa desse sintoma específico ou dessa evolução eu quero ajustar, trocar o ciclo, fazer aquela medicação primeiro, e isso é aprovado, acho que avança e traz segurança para o médico que faz, ele não perde a autonomia. E você de alguma forma padroniza melhor esse cuidado. Mas para mim não dá para tentar abraçar o mundo. Nós não vamos ter protocolos, diretrizes para todas as especialidades em uma semana. Quem é a primeira? É a cardiologia? é oncologia? Talvez algumas que sejam menos controversas nesse aspecto? Mas achar uma primeira que a gente faça esse trabalho.
É um ponto para chamar atenção mesmo, para que as sociedades médicas estejam mais envolvidas nesse debate de sustentabilidade da saúde também?
Renato Casarotti – Exatamente. E os nossos médicos não são capacitados nem educados para isso. Em outros sistemas você tem isso muito claramente. Ele faz escolhas, ele tem que entender o que é o mais eficiente, qual é o melhor cuidado, como é que eu faço essa equação. Precisa também trabalhar nessa capacitação. Mas de novo, para mim, a forma de fazer é começando pequeno. Não tão pequeno, que seja insignificante, mas encontrar uma que faça um bom projeto e ele avançando naturalmente. Esse protocolo do Einstein, por exemplo, eu sei que já foi seguido por 3 ou 4 grupos em uma semana. Tem uma lógica muito bacana também, que é a nossa lógica da concorrência do bem. Se alguém avança e tem uma iniciativa dessa e percebe que ela foi bem recebida, você acaba liderando pelo exemplo, naturalmente outras vão querer ou vão precisar fazer a mesma coisa. E aí gera um efeito em cascata positivo.
Vamos falar sobre fraudes. O que é fraude? Quais são más práticas que às vezes a gente não reconhece que, sim, são consideradas fraudes?
Renato Casarotti – Tem tantos exemplos. O reembolso. Ele está muito forte agora porque houve um crescimento exponencial. Você ainda tem muitos produtos que tem reembolso e o que a gente percebeu é que algumas clínicas – e nesse caso envolve crime mesmo – têm um modelo para explorar. Se tiver acesso aos dados do paciente, pode colocar uma consulta a mais que não foi realizada. Ou, por exemplo, se a minha consulta custa 500 reais e o meu reembolso é 250 por consulta, vou forjar que não foi uma, foram mais de uma. O pessoal chama de fracionamento de recibo. Nada mais é do você estar inventando que houve 2 consultas hoje, quando na verdade houve só uma. Tem uma capacidade enorme de aumentar essa conta médica e que muitas vezes o que eu falo, o beneficiário não percebe. Ou acontece à revelia dele mesmo.
Ele dá a senha e não sabe o que está acontecendo.
Renato Casarotti – A gente soube de alguns casos recentes. Teve até uma jornalista que estava fazendo uma reportagem e falou “não é bem assim”. Ela deu login e senha e abriu para o pessoal lá na ABRAMGE mesmo. Eles olharam e viram 4 pedidos de reembolsos que ela não sabia que tinha sido feito. Se você deu login e senha, nada impede essa pessoa de trocar a conta de destino desse dinheiro e depois destrocar. Você nunca nem vai saber que esse dinheiro passou pelo seu plano de saúde. E, no final das contas, isso tem um impacto em você, indireto no médio prazo. Isso interfere no reajuste que você vai pagar no ano que vem. Então, fracionamento de recibo, o reembolso sem desembolso, isso também é muito frequente. Forjar consultas, boletos falsos, captação, têm acontecido muito, recentemente, nos causa muita preocupação. A gente detecta muito, inclusive nas mídias sociais. Tem um caso que está sendo apurado com o inquérito aberto aqui em São Paulo, que já está mais conhecido, de uma clínica que fazia a captação dessas crianças na periferia, paga o plano de saúde – porque um plano de saúde custa 500 reais, 1000 reais, no máximo – e faz o pedido de reembolso, gerando aí de 30 a 40.000 reais por mês.
Tem acontecido com procedimentos estéticos também, certo?
Renato Casarotti – Isso virou uma febre. São os tratamentos estéticos disfarçados de cuidado. A gente fez um apanhado grande da ABRAMGE, notificou o Google e outras plataformas, pedindo para retirar foto de um musculoso, “ganhe massa muscular pago pelo seu plano”, “faça a harmonização facial, aplicação de botox”. Problemas que na propaganda eles nem escondem. Quando você vai ver como isso é feito, isso vem como uma intervenção médica necessária. Mascara aquele procedimento para tratar aquilo como um procedimento médico-clínico, para tentar fazer o reembolso. A gente percebe uma expansão muito grande pela utilização indevida de um mecanismo do reembolso, somado à muita gente esperta no mercado. Tem pessoas que fazem isso e ainda ensinam os outros a fazer. A gente percebe que houve uma proliferação deste tipo de prática recentemente, que tem um impacto. Eu diria que no passado o impacto do desperdício era muito superior ao da fraude. Ele ainda é, o desperdício, naquele sentido da ineficiência não proposital.
Mas o número de fraudes subiu consideravelmente. De 1 ano para cá, o valor de reembolsos no Brasil mais do que dobrou.
Do ponto de vista tecnológico, houve uma facilitação das operadoras para que se pedissem os reembolsos?
Renato Casarotti – Também. Existe uma lógica de você resolver para o beneficiário. E ali abriu-se uma janela de oportunidade como tudo. Fraude tem um pouco isso. Alguém descobre um filão. A fraude era até diferente, eu lembro da época que o médico perguntava se é com nota ou sem nota, lembra? Tinha aquela coisa que você usava para descontar do imposto de renda e aí era uma prática super comum. O que você estava fraudando na verdade, era o fisco, mas era fraude do mesmo jeito. Agora eu acho que essa explosão recente teve a ver com o filão que foi descoberto. Esse filão, por exemplo, dos tratamentos estéticos é muito claro. E hoje a gente tem muita visibilidade de como isso proliferou demais e acompanhou o próprio crescimento desse tipo de tratamento estético. Entenderam que tem uma forma de fazer isso através do plano. Agora, como é que a gente combate esse tipo de prática? A percepção que eu tenho é que no curto prazo o efeito direto disso vai ser uma redução crescente do número de produtos com reembolso. O reembolso sempre vai ser necessário até do ponto de vista regulatório. Imagina uma região que você não tem rede credenciada, por alguma razão você tem que reembolsar. Mas o reembolso como ferramenta, como diferencial de um produto para outro, a tendência é ficar muito nichado. Só talvez em produtos muito premium. E ainda assim, acho que ali também haverá uma redução significativa deste tipo de ferramenta, que eu entendo que é muito útil.
E qual a importância de educar a sociedade?
Renato Casarotti – Fundamental. Eu acho que tem uma questão de educação dos prestadores. E eu percebo isso muito forte na comunidade dos prestadores, muita gente que separa o joio do trigo. Tem um trabalho também forte dos hospitais em combater isso. Não só dentro dos hospitais, mas de educação. Tenho uma parceria grande com eles. Então, acho que a gente tem que fazer isso melhor. E com os consumidores, com certeza. O ponto aqui é sempre você não vilanizar o consumidor. Óbvio que você tem consumidores que fraudam, em qualquer indústria vai ter. Mas no nosso setor tem muito mais gente que acaba se envolvendo indiretamente do que propositalmente. A questão do login senha foi a coisa que mais pegou. Mas se estão te pedindo outra coisa, como “entra pela emergência, porque aí é mais rápido”, mas se parar para pensar, se não é emergência, por que que eu estou entrando pela emergência? Se eu estou entrando pela emergência, eu provavelmente estou ocupando o espaço de alguém que precisaria entrar pela emergência. Se as pessoas começam a fazer essas perguntas… meu pai falou uma coisa que que me marcou muito: “Meu filho, se o negócio parece errado, provavelmente é”. Acho que esse é o principal ponto de bom senso. E quando as pessoas percebem – aí entra na lógica do Todos por Todos – que o plano de saúde é um serviço coletivo, você não tem que limitar acesso a ninguém. Você tem que garantir que o acesso é dado a quem precisa. Se todo mundo trabalha dessa forma, tende a ser sustentável e conseguir entregar cuidado no longo prazo.
A imagem dos planos de saúde normalmente não é muito boa. O que é problema de imagem e o que de fato precisa ser consertado? E o quanto falta de conscientização da sociedade sobre como funciona o processo dos planos de saúde?
Renato Casarotti – Eu acho que é um pouco de tudo. E aí eu vou aproveitar o gancho do Todos por Todos. Essa é a iniciativa que a gente traçou lá atrás junto com o time da ABRAMGE. Eles falam muito de campanha de comunicação. Os setores empresariais têm uma referência, todo mundo adora falar do agro é pop. Como é que a gente faz isso? Tem uma questão financeira de ter os recursos para fazer. O nosso setor é super fragmentado. Todo mundo tem opinião, todo mundo tem ideia. É difícil você conciliar, mas a gente precisa achar uma mensagem que ajude a explicar como funciona um plano de saúde. Mas eu preciso encontrar uma forma de fazer isso, porque a gente tem uma tendência natural de passar uma falsa erudição, que é quase uma maneira de afastar as pessoas. Quando eu falo de mutualismo, das contas, prestações, das provisões, segurança prudencial, isso serve não só para o plano de saúde, serve mesmo para a classe média como um todo. Todos os termos técnicos, é uma forma também de passar uma erudição e de manter uma distância confortável do meu interlocutor. Eu preciso fazer o contrário, eu tenho que me aproximar
Como fazer isso?
Renato Casarotti – É um trabalho muito bacana conduzido pela área de comunicação, mas que envolveu toda a diretoria da ABRAMGE, as associadas, consultorias muito boas. A gente chegou nessa lógica do Todos por Todos para tentar mostrar a importância do plano como um processo coletivo. Dizer, olha o plano é um pouco diferente. Ele não é um produto que você pega na prateleira, você usa, acabou a sua relação. O plano é muito mais parecido com um condomínio. A gente faz quase o papel de um de um síndico. Mas no final, o que você está fazendo ali é tentar fazer a gestão dos recursos daquelas pessoas, tentar entregar o que é necessário para quem precisa. Mas, para isso funcionar, invariavelmente eu preciso de gente que está pagando e não usando. E quando você abre e fala isso de forma muito clara, tem um primeiro momento de susto, de revolta. Mas como assim? Eu estou pagando e não uso? Quando a gente fez a pesquisas qualitativas para fazer as mensagens-chave nos focus group foi maravilhoso. “Como assim? Tem gente que está usando o meu dinheiro?” É uma coisa muito maluca, o brasileiro é muito solidário, ao mesmo tempo, é muito individualista, por mais paradoxal que isso seja. E a gente começou a desenhar essas mensagens. Fizemos televisão, TV a cabo e tal, mas focou muito em rede social. E nos envolvemos com fenômeno recente que para nós foi uma grata surpresa, que são os influenciadores. É uma jornada, falei muito com o time, com as associadas: “Não queiram imaginar que a gente vai mudar a percepção de décadas em meses”. Não vai acontecer numa campanha. Agora, a gente precisa estar frequentemente falando fora da nossa bolha empresarial e da nossa bolha de saúde e estando aberto para ouvir também. É um processo de escuta ativa muito grande. Os primeiros vídeos que a gente lançou, ficava bem dividido.
Teve críticas e elogios?
Renato Casarotti – Por que essas críticas acontecem? Vamos tentar mapear, como é que a gente chega nessas pessoas? E entendendo o seguinte: o conflito sempre vai ser natural. Qualquer um que lida com o consumidor, e com uma coisa tão importante quanto é o acesso à saúde, vai estar nessa linha de tensão, é natural que seja assim. Isso não pode gerar em nós uma acomodação e, ao mesmo tempo, não pode gerar uma frustração quando eu tento fazer. Eu tenho que ouvir, elaborar e comunicar de novo. Eu tenho uma esperança real de que a gente vai conseguir fazer uma transição. Acho que a gente avança, mas é uma jornada. São décadas de uma reputação muito negativa. Mas, de novo, não ter medo de tocar as feridas abertas e ter muito orgulho. Eu acho que um efeito colateral desse movimento que eu senti nas associadas e que não foi projetado, mas foi muito bem-vindo, foi um sentimento de orgulho das pessoas que trabalham no plano de saúde. Você tem mais de 1 milhão de pessoas que trabalham diretamente. Essas pessoas acordam todo dia para atender o telefone, para aprovar um procedimento, para garantir acesso. Gente como nós, que não acorda querendo sacanear ninguém, acorda dando o máximo. E para essas pessoas, o passivo reputacional é muito dolorido, para elas poderem falar com orgulho que trabalham nesse setor, que estão ajudando as pessoas a terem acesso à saúde, é muito importante. É uma jornada. A gente fez aquele primeiro momento de pico, tem alguns outros picos de movimento para os próximos meses e depois tem uma frequência de comunicação para que não seja só uma onda.
Pensando no longo prazo, com a sociedade envelhecendo, precisando mais de cuidados de saúde, chegando novas tecnologias que as pessoas vão demandar. Esse modelo do mutualismo vai continuar?
Renato Casarotti – É um bom ponto, debate interessantíssimo. Acho que ele vai permanecer, sim. Você tem um mutualismo na saúde suplementar, mas mesmo na saúde pública, ela tem um lado um tanto mutualista, também, de outra forma, pelo pagamento dos impostos. Mas todos nós pagamos para quem precisar usar. Então, eu acho que como base do modelo, ele precisa continuar. A gente precisa fazer duas coisas – até mais, mas duas me vem à mente. Como é que eu trato essa transição demográfica, porque ela é um desafio para o mutualismo. E o mutualismo, seja na saúde suplementar, seja no modelo de previdência que a gente tem. Na pior das hipóteses, eu tenho que pelo menos mitigar esse efeito. Seja pela promoção e prevenção, seja pelo diagnóstico precoce. Eu preciso achar alguma forma de que isso pare em pé, mas vai ser um desafio muito grande. E do outro ponto que você falou das tecnologias, eu acho que esse é um outro desafio grande modelo mutualista. Porque o modelo mutualista não foi desenhado para o altíssimo risco.
Quando se pensa em ter novas terapias, CAR-T Cell, terapias gênicas, eles antigamente eram vistos como cisnes negros. Como isso agora está virando uma regra, representa um altíssimo risco. Modelo mutualista atual não endereça isso.
Altíssimo risco pela percepção da operadora.
Renato Casarotti – No sentido de quando você pensa num plano de saúde, como ele é uma gestão de risco, ele endereça bem aquele risco médio. Uma operadora de 30, 35 mil vidas vai resolver os seus problemas de internação, a sua cirurgia cardíaca, a sua consulta com o oftalmologista, ela entrega isso muito bem. Mas ela não vai conseguir pagar um tratamento de altíssimo custo. Ela não tem dinheiro para fazer isso, é muito forte para o modelo dela, ela não para em pé. Para mim, a forma de endereçar esse ponto específico – estava falando com o Henrique Neves, lá do Einstein – é criar um outro modelo. E esse modelo não vai poder ser no nível de empresa. Não vai ser – na minha cabeça – nem no nível de saúde suplementar. A gente vai ter que pensar num modelo de estado, quase juntando os dois subsistemas. Acho que a melhor forma ainda é através de um fundo com injeção forte de capital privado. Pode ser através de um valor em cada boleto, tem inúmeras formas de fazer isso. Deveria ter recursos públicos também. Eu sempre indago se não tem parte desse bolo tributário que a gente poderia trazer para esse fundo. Tem tanto dinheiro de coisa que gera externalidade negativa na saúde que não vem para a saúde, como tabaco e álcool. Eu poderia aproveitar uma parte pequena disso para fazer um fundo desse com bons critérios de elegibilidade. E pensar numa coisa parecida – não é exatamente igual, porque ela tem o fator moderador da disponibilidade – com uma fila de transplante. Qual é a ressalva que eu faço desse modelo? Tem dois pontos: a gente vai precisar avançar muito com interoperabilidade, com troca de dados. E vamos ter que ter excelentes critérios de elegibilidade, porque vai gerar atenção. Muito do que a gente tem intenção hoje no sistema não é a droga em si, mas é a indicação. Você tem uma amplitude de indicação enorme. Tem gente indicando para coisas que encaixam perfeitamente na bula e tem gente indicando para coisas muito mais de um processo de tentativa e erro.
Mas é um processo que a Conitec faz hoje em dia.
Renato Casarotti – É. E para chegar nesse ponto, esse fundo vai resolver todo o problema do altíssimo custo? Não. E o Henrique fez o paralelo com o modelo de Israel. Eles separam o valor de orçamento para esse fundo, que é o que ele vai atender naquele ano. Quando bate no teto aquele orçamento, OK, agora só ano que vem. A gente vai rediscutir uma coisa que hoje está debaixo do tapete aqui no Brasil que é a nossa interpretação do conceito ou do princípio de integralidade em saúde. Eu vou ter que ter muita discussão bem democrática de priorizar de acordo com os recursos disponíveis. E o que eu vou priorizar esse ano não vai ser tudo e eu vou incorporar o que está priorizado. Eu tenho que ter um modelo que, depois, esse fundo vá crescendo e talvez o patamar do que é considerado alto custo também tem que ser ajustado. Talvez até de forma proporcional. Para poder depois discutir o que vai entrando. Mas hoje esse debate ele existe na Conitec, mas muito fechado. Quando ele interessar toda a sociedade brasileira, olha, você só vai ter acesso ao CAR-T Cell por esse mecanismo. Eu acho que esse debate sempre tende a ser mais democrático e tem que ser mesmo. Quanto que vai custar? Qual que é a população coberta? Quem está atendido? Você tem que ter mecanismos para que você não tenha populações que fiquem negligenciadas, voltar àquela chaga das doenças raras que eram totalmente negligenciadas. Quanto mais transparente, mais democrático e mais rápido a gente fizer esse processo, vai ser melhor.
E quem poderia liderar um movimento como esse do fundo? Tem que vir do governo?
Renato Casarotti – Esse modelo só funciona com uma regulação centralizada. E aí acho que passa para o Ministério da Saúde. Mas não quero ficar terceirizando, acho que temos todos que participar disso. Já tenho conversado sobre isso com muita gente. Eu não tenho os detalhes ainda. Falei com o ministro Nelson Teich sobre isso. Falei com Tiago Matos, do Oncoguia, que gosta desse tipo de debate. Temos que juntar pessoas. O Tiago deu uma ideia muito boa: “Renato, pega alguma coisa, joga a público, deixa o pessoal bater e vamos amadurecendo isso”. Mas a gente precisa avançar. Para mim, é absolutamente fundamental que a gente consiga avançar para esse alto custo, porque ele já não está mais daqui a 3 anos. Já está chegando, tem muita coisa aqui. E outra coisa: é para ser absolutamente transparente. Ele é um modelo importante, que traz benefícios para o estado brasileiro. Porque o estado brasileiro, por exemplo, vai sentar-se com uma empresa, como a indústria farmacêutica, e falar não só pelo SUS, mas pelo Brasil. Vai ter acordo de compartimento de risco? Qual o preço? Não acho que a indústria farmacêutica vai trabalhar contra. Porque para eles também, se de um lado aquilo acaba travando outras formas de acesso, que hoje existem mais no varejo, mais pulverizadas, é também uma garantia de pagador, garantia de um controle, previsibilidade, escala, pode fazer muito sentido para eles também, se for bem conduzido.
E não quebra o ecossistema de saúde.
Renato Casarotti – Exatamente. Não é uma panaceia. A tensão sempre vai existir na lógica do que que vai ser priorizado, o que não vai ser priorizado. Talvez, não no primeiro momento, que o fundo tende a ter mais recursos. Mas em algum momento vai bater no teto. E para mim, o quanto mais transparente esse debate for feito, melhor.
Se a gente parar aqui pra pensar, quais doenças vão ser priorizada? Oncológicas, as raras? As cardiológicas? As que afetam crianças, até qual idade?
Renato Casarotti – É um debate quase filosófico. Mas eu digo o seguinte, se ele não for feito, essa priorização acontece de outra forma, ela acontece de forma completamente aleatória. É quem conseguiu judicializar, quem tem dinheiro para pagar um bom advogado, as especialidades que eventualmente fizeram um trabalho melhor com aquela sociedade. Se nós, enquanto sociedade representadas pelo estado, não organizamos esse acesso, ele vai acontecer de forma completamente caótica e a tendência de esgotamento do sistema vai ficar completamente cristalizada. Vai chegar um momento – que eu falo inclusive com meus amigos da indústria – em que simplesmente não vai ter quem pague. Lembra o paralelo com a previdência? O gatilho para a reforma da previdência só aconteceu quando alguns estados começaram a falar “não vou pagar”. E aí aconteceu. Tinham os parcelamentos dos salários, parcelamento da aposentadoria. Não era ameaça, acabou mesmo. Temos que achar quem são as pessoas, quem são os líderes de cada um desses elos que vão ajudar a puxar isso. E no próprio Ministério, acho que aí tem uma quebra de um muro ideológico histórico entre saúde suplementar e SUS, que a gente também precisa quebrar. Mas em algumas conversas – semana retrasada estive num evento e compartilhei a mesa com o Jurandi Frutuoso, do Conass, e o Diogo Demarchi, do Conasems, era do Unidos pela Saúde, com o ex-ministro Nelson Teich, ele estava mediando. Cada um fez uma apresentação e aí eu fui o último a fazer. Eu lembro de o Jurandi dizer “os problemas são os mesmos”. É muito parecido. Não estou dizendo que a gente vai ter exatamente as mesmas soluções, mas tem muita coisa que podemos fazer juntos. Se conseguirmos nos ouvir mais, talvez a gente avance.
E sobre o tamanho dos planos, pensando em como estamos hoje, mas também pensando em número de vidas. Você acha que a tendência é que os planos reduzam? Fiquem estáveis ali, nos 50 milhões de usuários? Ou que de repente criam-se produtos?
Renato Casarotti – Somos otimistas. Falamos que a saúde suplementar tem aproximadamente 50 milhões de pessoas, mas tem muito mais do que isso. Tem dois blocos grandes que me levam a crer que esse número quase dobre. Eu vi uma estimativa de que mais ou menos 25 milhões de pessoas têm cartões de benefícios, de desconto, ativos hoje. Óbvio que tem uma variação muito grande, desde coisas muito simples, até cartões mais completos. Mas é muita gente. Além disso, você tem um segundo componente que está completamente à margem da regulação, que são os institutos de previdência. Somados, também chegam perto de 20 milhões de pessoas, é muita coisa. Então, assim, primeiro, já é um mercado privado muito grande, é muito maior do que a gente imaginava. E para mim, os cartões de benefício são resultado de uma limitação que o setor tem, seja porque os nossos planos hospitalares ficaram mais caros e difíceis de acessar para muita gente, seja porque um produto que nós tínhamos, praticamente acabou, que era o plano ambulatorial.
Por que acabou?
Renato Casarotti – Por duas razões ele deixou de existir, razões difíceis de mexer e difícil até de debater, mas quando as pessoas param para ouvir, dá para conversar. Nada mais é que o plano de consultas e exames, era fazer tudo fora do ambiente hospitalar. E servia um propósito. A primeira mudança foi quando – eu não me lembro o ano exato – mas houve uma mudança legal para ter pelo menos uma internação de 12 horas, que seria uma emergência, tem que cobrir. E colocaram no plano ambulatorial. No começo até foi muito limitado, porque a internação de 12 horas não é o que vai quebrar um plano. Só que ao longo do tempo, criou-se também uma indústria a dizer que você entrava pela internação de 12 horas e depois havia decisões judiciais, liminares, aquelas 12 horas viravam internação completa. Quando começou a ficar muito abrangente, muito disseminado, começou a impactar o custo do plano e o preço foi subindo. Já foi ficando cada vez mais perto do plano hospitalar. A segunda mudança foi quando se incluiu entre as coberturas do rol os antineoplásicos orais. Que são caros, mas tudo bem, mesmo os endovenosos também não eram baratos. Só que os antineoplásicos orais não são ministrados em ambiente hospitalar. Quando você traz isso para cá pensando em prevalência de neoplasias de câncer no Brasil e o custo desse tratamento, o preço desse plano foi subindo. E aí não faria sentido vender um plano ambulatorial que custa o preço de um plano hospitalar. Esse mercado fecha e aí os cartões de desconto que entregam nada mais além do que consultas e exames começaram a avançar.
E não tem a regulação da ANS?
Renato Casarotti – Aqui tem um bom ponto que a gente estava discutindo os recentemente. O que é solução? Regular isso? É eu poder competir com isso? E ainda, eu acredito que por mais que um plano ambulatorial seja regulado, que seja só de consultas exames, ainda vai ser mais caro do que o cartão desconto. Mas se eu pudesse comercializar esse tipo de plano, eu teria condição de competir aqui pelas garantias, pela garantia de acesso, pela garantia de se o plano quebrar, você vai continuar tendo o cuidado. Tem provisão técnica, tem um monte de coisa que dá essa garantia para quem presta o serviço e para quem usa o serviço. E acho que dava para avançar. É um debate superdifícil porque rapidamente alguém vai chamar de subsegmentação, de qualquer outro nome, miniplano, os nomes são ótimos. Então, isso sempre vai surgir, mas eu acho que conforme vai crescendo, o espaço para esse debate tem que acontecer. Até porque eu acho que com um prontuário único implementado ou pelo menos interoperabilidade, esse tipo de plano pode funcionar. O grande gargalo do SUS, obviamente, não está na atenção primária que eles fazem muito bem.
Tem gargalo na alta complexidade? Tem, mas ele é muito menor do que as pessoas acham. Você tem muitas ilhas de excelência. Onde está o gargalo do SUS?
Na atenção secundária.
Renato Casarotti – Exato. Vai tentar fazer uma mamografia, vai tentar marcar consulta com urologista. São 2, 3 meses, às vezes mais do que isso. Lembra que, na saúde suplementar, uma consulta simples eu tenho que marcar em 7 dias, o exame, a mesma coisa, mesmo uma cirurgia, mas um exame de mais alta complexidade são 21 dias. Os prazos regulatórios me empurram para entregar esse cuidado, mais rápido. Então, a pessoa vai ter que pagar para ter atenção secundária? Alguém pode querer pagar. E se esse dado puder transitar, eu vou, de novo, de alguma forma desonerar o SUS aqui e trazer essa pessoa para ter acesso. Na alta complexidade, há dois argumentos que ouço. Um é ruim, o outro eu acho válido. O ruim é que vai gerar pressão no SUS. Quer dizer, é melhor que a pessoa não faça o exame, então? Se eu não sei, não aconteceu. Mas ela vai chegar lá. A única coisa é que ela chega lá muito mais grave, numa situação de saúde muito mais perigosa. O argumento que acho válido é o seguinte: essa pessoa que compra plano ambulatorial vai furar uma fila de acesso à alta complexidade. Como ele vai fazer a consulta mais rápido, vai fazer o exame mais rápido, ele chega mais rápido de quem está no SUS. É verdade. É por isso que eu acho um argumento válido. Qual é o ponto que eu discuto muito? Você não pode ter duas portas. E eu acho que o benefício dessa pessoa conseguir fazer a consulta mais rápido, ter acesso a um exame diagnóstico mais rápido prevalece sobre essa lógica da fila. Em alguma medida, que eu não sei quantificar hoje, o fato dele não estar aqui deveria, pelo menos em tese, reduzir a fila do outro lado também. Ou seja, se eu tenho mais gente acessando por aqui, eu não deveria levar 3 meses para marcar uma consulta. Óbvio que isso aqui sempre vai ser mais rápido, ou em algum momento isso se regula ao ponto que o plano ambulatorial também perde o valor dele. Se eu consigo acessar ao mesmo tempo no SUS, para que que vou pagar para acessar? Então, assim, esse eu acho um debate válido, mas o que não me agrada é não poder debater, é quando você começa esse debate e aí vem o cancelamento do miniplano, da restrição de direitos. Não pode debater isso? Até porque, de novo, isso já está acontecendo, porque essa pessoa faz isso pelo cartão de desconto, ela faz isso de outra forma. Então, não dá para a gente simplesmente ignorar que isso existe. Mas, para responder a sua primeira pergunta, acho que tem espaço para crescer, sim, principalmente nesse nicho.
Dá para crescer no mercado de planos regionais também?
Renato Casarotti – Também. E aí vou dar um pitaco, regionais com individuais. Eu acho que esse é um outro ponto. O plano individual tem as travas dele, que eu acho que também deveríamos rediscutir. Inclusive, no ponto do reajuste, não é poder reajustar mais. Mas para mim, a lógica do reajuste na média para o mercado todo, qualquer bom economista vai dizer que ele é ineficiente, porque quando você está ajustando, pega a variação de despesas do mercado todo, fecha uma média e diz que todo mundo pode aplicar. Todo mundo que está acima dessa média – porque o perfil de produto naturalmente vai estar cima – para de vender. Então, você não vai achar produto individual de rede credenciada. E todo mundo que está abaixo dessa média, não reajusta na variação, reajusta no teto. Temos que mexer e acho que dá para abrir mais, para fazer mais oferta de plano individual.
É uma defesa que você já fez para mim uma vez, que é individualizar o reajuste de acordo com o resultado.
Renato Casarotti – Exatamente. Você ainda olha ali para uma carteira, e dentro da carteira daquele plano, você tem que ter algum mecanismo, porque obviamente, quanto menor essa carteira você vai ter oscilações muito grandes. Normal, é que nem se você pensar num plano familiar, a oscilação de sinistro pode ser um episódio, que faz o sinistro disparar. Então, você tem que ampliar isso para mitigar essas oscilações, mas para mim, seria uma forma mais transparente de saber o seguinte: esse plano regional de acesso coordenado com rede própria vai ter uma variação de custo menor do que um plano de rede credenciada? Por isso ele custa menos e dá para as pessoas a opção, ou não, “quero pagar mais caro porque, eu quero ter acesso a uma rede mais abrangente”. Quando você padronizou tudo, esse aqui na prática, estão reajustando mais do que precisa, e esse aqui desapareceu, sumiu. Mas a lógica regionalizada funciona. Porque o que eu acho que as empresas perceberam é o que a gente vendia no passado – nós também ajudamos a criar essa demanda – era lógica do plano nacional. A ampla rede credenciada. Lembra do tamanho do livro. Quanto mais grosso o livro melhor, mais reembolso. A gente fomentava, ajudamos a criar uma cultura de consumo em saúde. E a cultura de consumo de saúde é muito ineficiente. Ah, mas o plano só atende no ABC? Mas para muita gente, o fato de ele atender no ABC é literalmente o que ela precisa. E se isso ajuda a reduzir o custo e facilita o acesso dela. Ah, mas então, se ela estiver fora da região dela, se ela estiver em viagem em Goiás, vai ter que usar o SUS? E qual o problema disso? É um cidadão brasileiro como qualquer outro, que tem direito a acessar. Acho que rediscutir algum desses conceitos é importante.
Essa rediscussão está acontecendo?
Renato Casarotti – Vejo isso começando a acontecer. Vamos ver se é sustentável. Tem uma animação grande agora de desenhar produtos que são mais ajustados pela necessidade daquelas pessoas, que a gente vê o seguinte, qual vai ser o nível de satisfação e se isso é sustentável a longo prazo. E aí tem um elemento aqui que é fundamental, eu falo muito isso para as associadas da ABRAMGE: valorizem o processo de venda. Eu tenho certeza de que uma parte enorme dos ruídos, das tensões, dos problemas de depois do uso do plano, está no processo de venda. Se esse processo de venda é feito de forma clara, transparente, se eu deixo muito claro para a pessoa que o acesso vai ser no ABC, nesses hospitais, desta forma. Não estou dizendo que ficaremos isentos de qualquer ruído, mas isso mitiga tanto. A gente ainda tem muito problema no setor de um processo de venda que foi mal-feito, mal realizado e a pessoa tem impressão de que ela comprou algo diferente do que ela recebeu. Isso gera frustração, quebra de expectativa, reclamação. Então, principalmente para esses produtos mais regionais, produtos individuais ou familiares, é fundamental.
Não é um RH de uma empresa que está comprando uma coisa que ela conhece, é alguém que está tendo contato com aquele produto. Ser didático e transparente é fundamental.
Além de todos os desafios que falamos, como você vê as movimentações como o que tivemos com o rol e agora com o PL dos planos de saúde?
Renato Casarotti – Na discussão específica do PL dos planos de saúde – eu já tive oportunidade de comentar isso – acho que não pode ter vaca sagrada, temos que estar abertos a discutir todos os pontos. Tem uma necessidade de modernização, sim, do marco legal, que já tem mais de 20 anos. Mas a percepção que eu tenho é que o debate tem se focado muito nos sintomas. Vamos debater o reajuste, a rescisão. O risco de focar nos sintomas é que a gente não olhe para as causas. Eu sei que que parece uma frase de efeito, mas um paralelo que a gente faz é – pensando em medicina – você só ficar dando remédio para febre para alguém que tem uma infecção. A febre talvez baixe no curtíssimo prazo, mas se eu não resolver o problema da infecção, ela volta de forma exponencial e muito mais agressiva. Então, “ah, vamos criar um limite para o reajuste, uma trava para o reajuste”. Será que a trava para o reajuste resolve as causas do porquê os reajustes são tão altos? Não. E como ela não resolve, se eu coloco uma trava aqui e os custos continuam subindo de forma exponencial, rapidamente eu levo esses planos à bancarrota. E a rescisão? Por que estão acontecendo? Vamos olhar também quais são as causas disso. Por que os custos subiram tanto? Como é que a gente resolve a questão das incorporações tecnológicas? Frequência? Problemas demográficos? Acho que esse debate é fundamental. Agora, ele é muito mais difícil, não tenho dúvida. É muito mais fácil colocar um teto do reajuste, como é hoje para o plano individual, proibir todo e qualquer tipo de rescisão – independente de porte, de tamanho do cliente, de situação. Uma coisa é a rescisão de alguém que está em tratamento, outra, uma rescisão pura e simples. As soluções imediatas são atrativas, mas como não resolvem as causas, acho que aceleram o colapso do sistema.
Transparência resolveria?
Renato Casarotti – Acho que a gente pode avançar muito em reajuste, em aspectos de transparência, de mais clareza. Acho que a transparência no reajuste vai inclusive, ajudar a identificar melhor as causas dele. Em rescisão, tem pontos que dariam para olhar, com certeza, regras mais claras. Exceções à rescisão, como já existe na própria jurisprudência. Você não pode fazer rescisão com a pessoa internada, obviamente, desde que ela esteja adimplente com o plano. Dá para fazer esse debate, mas é fundamental debater as causas. Senão, vai ser uma vitória de pio. Como as soluções para cá, de tabelamento, são mais fáceis, elas acabam sendo mais atraentes para quem está, principalmente, no Congresso Nacional. Acho que nosso trabalho é tentar conscientizar os parlamentares a olhar para cá. O que pode ser feito para ajudar a resolver as causas desse estresse de custos que a gente tem na saúde. Eu acho que tem espaço para fazer esse debate, eu vejo de uma forma otimista.
Já se pensou em um modelo de cashback?
Renato Casarotti – Já, não desta forma específica.
Porque existem esses modelos em outras indústrias.
Renato Casarotti – Existem sim. E eu acho que também não dá para ter vaca sagrada, não. Eu já ouvi que o cashback é um modelo superinteressante porque a pessoa vê o dinheiro de volta. Eu já vi isso em relação a descontos. A lógica é menos da questão do uso ou não uso, porque você também não quer levar a pessoa simplesmente a não se tratar, se ela precisar, mas adesão a programas de promoção e prevenção. Então, a adesão ao programa de cessação de tabagismo ou de atividade física poderia levar a algum tipo de desconto. Eu gosto da ideia, acho que vale o debate. Eu tenho ouvido cada vez mais. Você vai ter uma resistência muito grande – na minha percepção, pelo menos, equivocada – de que isso é uma seleção de risco ao contrário. Então, se eu estou dando desconto para quem faz exercício, eu estou, de alguma forma, discriminando o obeso, ou estou discriminando, quem não pode fazer exercício físico. Eu volto para aquele ponto que eu comentei contigo: para mim tem muito mais cara de cancelamento. Tem uma cara de não querer debater ou de ver um problema em tudo. Porque claramente é uma coisa que poderia ser feita, ou para utilizar uma coordenação de cuidado. Tem ideias interessantes.
Há exemplos?
Renato Casarotti – Já houve produtos no passado – eles não ganharam escala – que a operadora fornecia um agente para fazer a condenação de cuidado, médico de família. Se você passa por ali, os exames que são solicitados não têm coparticipação. Se fizer direto, não tem problema nenhum, mas você vai pagar coparticipação. São modelos de indução regulatória. Eu gosto de indução, sempre acho que tem um efeito mais positivo do que a restrição. A restrição ou contenção regulatória é absolutamente necessária, mas ela tende a gerar by-passes. Lembra dos cartões desconto? Toda vez que você fecha uma porta, alguém vai tentar abrir uma janela. A indução regulatória tem um efeito mais difícil no começo, mas quando ela avança, ela tende a ser muito mais perene e sustentável. Então, assim, é um modelo que faz sentido e o cashback pode ser. Ele nada mais é do que um desconto com uma outra pegada, com dinheiro de volta na conta. Eu acho que estamos no momento de rediscutir isso, de buscar, de entender de que forma, ou na utilização de uma rede preferencial. Nesse momento a gente tem que abrir para discutir isso de forma ampla, mas sair um pouco do campo das ideias e de novo, talvez pegar um programa. Vamos dar desconto para os cardiopatas que entraram num programa de prevenção de infarto do miocárdio da operadora e se comprometem a fazer os exames na periodicidade x, de fazer consultas. E vamos dar um desconto. Acho que tem muita coisa que dá para se pensar assim.
Para finalizar nossa conversa, como você vê 2024?
Renato Casarotti – 2024 a gente espera que seja um ano de recuperação, ainda lenta, mas vejo com otimismo. Porque, de novo, dentro da saúde, eu vejo os elos mais engajados e mais unidos. Ainda há questões a resolver, como a reforma tributária, de piso da enfermagem, outros temas que criaram um estresse no setor, mas uniram muito a cadeia. Então, acho que a gente está em um momento de buscar soluções de sustentabilidade. E nos percebendo como cadeia. Óbvio que há interesses diferentes, conflitos, pontos de tensão, mas acho que a gente se percebe mais como cadeia, e como cadeia que só existe enquanto cadeia produtiva. Outra coisa que me traz uma expectativa positiva é que a gente vê com reserva uma recuperação da atividade econômica. Já superando um pouco que se esperava no começo do ano. A aprovação da reforma tributária – por mais que tenha sido estressante para quem estava ali no meio, para setores específicos, inclusive o nosso – é uma evolução, passou a mensagem positiva para o mercado. Então assim, eu percebo uma retomada de atividade econômica, e o setor de saúde suplementar está ligado umbilicalmente à atividade econômica. Quanto mais empresas, mais empregos, geração de renda, mais espaço para o nosso crescimento ou para a nossa retomada de sustentabilidade. Então, vejo 2023 como um ano ainda de um baque, de uma estabilização. Talvez 2024, uma recuperação gradual, mas importante.
E quais pautas a gente, aqui do Futuro da Saúde, tem que prestar atenção em relação ao setor de saúde suplementar?
Renato Casarotti – Eu vou puxar sardinha para o tema que a gente já debateu aqui. Incorporação tecnológica, terapias de alto custo e encontrar solução para esse desafio específico vai ser fundamental para os próximos dois anos. E por que eu estou destacando isso? Porque esse desafio de incorporação de terapias de altíssimo custo para saúde suplementar e para o sistema público, eu tenho plena convicção que o nosso modelo atual não vai conseguir fazer e isso vai aumentar. A mesma pressão que a gente teve quando houve a mudança do processo do rol, antes da coisa do rol exemplificativo, o ciclo de 2 anos de atualização e toda a pressão que isso gerava. A chegada das terapias de alto custo com a insuficiência de recursos, e com o modelo completamente desorganizado para atender, vai gerar uma pressão enorme. E a gente vai ter que encontrar uma solução que ninguém sabe exatamente qual é. A gente vai precisar enfrentar isso muito rápido. E nas conversas que eu tenho, ainda vejo as pessoas com um pouco de ceticismo, “no final tudo se acomoda”. Eu acho que não vai ser acomodar e talvez a gente tenha que avançar rápido na busca dessa solução. Para mim, essa é uma pauta que ficou um pouco escanteada por causa de piso e reforma tributária, PL dos planos…ela está meio que em segundo plano, mas ela muito rapidamente – pelo potencial disruptivo dela – vai tomar a frente e vai exigir de nós uma capacidade de articulação, de interação e de criatividade muito grande. Espero que eu esteja à altura desse desafio e o Futuro da Saúde, até para fazer jus ao nome, sei que vai estar no forefront dessa discussão.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.