Pesquisadores apresentam ao Ministério da Saúde relatório com 42 recomendações para o fortalecimento da saúde no Brasil
Pesquisadores apresentam ao Ministério da Saúde relatório com 42 recomendações para o fortalecimento da saúde no Brasil
Documento destaca pontos positivos, mas aponta medidas prioritárias para o fortalecimento da saúde no Brasil
Dizer que o Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo para o mundo é ser repetitivo. Sua importância na assistência à população brasileira e sua capilaridade, chegando às regiões mais afastadas do país é internacionalmente reconhecida, mas apesar do potencial, é preciso promover ações práticas continuamente para desenvolver o sistema. Por isso, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançaram um relatório que traz 42 recomendações para o fortalecimento da saúde no Brasil, ao se aprofundarem sobre sete temas em que analisaram a resiliência e sustentabilidade do sistema, levando em consideração o período da pandemia de Covid-19: governança, financiamento, força de trabalho, medicamentos e tecnologia, prestação de serviços, sustentabilidade ambiental, saúde da população e determinantes sociais.
Dentre as soluções apresentadas estão o aumento do financiamento através da taxação de produtos nocivos à saúde, como álcool, refrigerantes e cigarro, fortalecimento das parcerias público-privadas na pesquisa, desenvolvimento e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, expansão da telessaúde na atenção primária e aprimoramento da transparência no uso de recursos do SUS. O relatório foi apresentado a autoridades da saúde, entre elas o Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A iniciativa integra a “Parceria para Sustentabilidade e Resiliência do Sistema de Saúde” (The Partnership for Health System Sustainability and Resilience – PHSSR, em inglês), através da aliança entre a London School of Economics (LSE), Fórum Econômico Mundial, AstraZeneca, Philips, KPMG e a Fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
“O Ministério da Saúde esteve presente, a ministra fez questão de mandar um secretário de grande importância, Carlos Gadelha, responsável pelo Complexo Industrial da Saúde, que destacou a importância desse estudo. O ministério está passando por um processo de planejamento e as recomendações podem ajudar as diferentes secretarias a utilizarem-nas como base para aprimorar as próprias orientações”, afirma Adriano Massuda, professor e pesquisador da FGV-Saúde, responsável por conduzir o relatório.
Importância do relatório
O PHSSR já elaborou 17 relatórios em diferentes países, sendo 4 focados em temas específicos: doenças renais, insuficiência cardíaca, doenças respiratórias crônicas e câncer de pulmão. Eles serviram como base para que governos realizassem mudanças para o fortalecimento da saúde em suas regiões, como ocorreu na Alemanha e no Japão. Atualmente, 10 novos relatórios estão em produção.
“Ficou claro que os sistemas estavam realmente sob pressão por muitos pontos de fraquezas que foram brevemente expostos, então decidimos focar na resiliência, que é realmente a capacidade de gerenciar riscos e, em última análise, a capacidade de absorver, adaptar, aprender e transformar em resposta às crises. Em seguida, a sustentabilidade, que é sobre a capacidade de longo prazo continuamente de manter suas funções e objetivos, o propósito final que escolhemos para analisar”, afirma George Wharton, diretor do departamento de Health Policy da London School of Economics and Political Science (LSE).
A análise busca mostrar que alguns problemas podem estar interligados e que muitas vezes não serão solucionados com uma única ação. Os pesquisadores apontam que é preciso olhar para a saúde de forma mais integrada, e por isso as recomendações abordam diferentes temas. Durante o evento de lançamento, José Gomes Temporão, ministro da Saúde entre 2007 e 2010, analisou o relatório e trouxe contribuições:
“Cuidar da saúde não depende só do Ministério da Saúde. É uma dimensão importantíssima mas não é a única. Se você não olhar para o contexto com esse olhar da determinação social, os resultados são fragmentados. Eu não resolvo a questão da obesidade infanto-juvenil sem enfrentar a questão da atividade física, do padrão alimentar, que tem a ver com a questão da carga fiscal e tributária sobre os alimentos, que tem a ver com o lobby na Câmara dos Deputados e do Senado”.
Ainda, o relatório é importante pois fortalece iniciativas que integram as empresas privadas na busca ativa por contribuições para melhorar os sistemas de saúde. A partir das recomendações, é possível que elas aproximem o diálogo com o governo para propor novas parcerias, incentivos para ampliação de acesso, inclusão de soluções e tecnologias ao SUS.
“Cada vez mais quando tiver governança a gente pode trabalhar justamente a parceria entre o público e o privado, como exemplo que nós tivemos durante a pandemia, que foi o desenvolvimento da vacina e a transferência de tecnologia da vacina de Covid-19 para ajudar o mercado brasileiro. Podemos vacinar grande parte da população sem fins lucrativos e de fato fazer uma parceria junto com o setor público”, afirma Olavo Corrêa, diretor-geral da AstraZeneca no Brasil.
Balanço do SUS
No relatório, foram indicados pontos fracos e fortes para os sete temas analisados. Os pesquisadores apontaram quais características do SUS merecem reconhecimento ou atenção, com o intuito de elaborar as recomendações finais. Com base em documentos, entrevistas e artigos científicos, foram observados aspectos da atuação do sistema de saúde.
“O relatório foi elaborado no final de um governo, depois de uma pandemia e início de novo governo. Isso criou uma certa dificuldade para a gente entrevistar atores chaves importantes para preparação do material, mas também abriu possibilidades. Tive a oportunidade de ser sub-relator do grupo de transição da Saúde, que foi relatado pelo ministro Temporão, então muitos dos documentos analisados coletamos nesse período eleitoral e de transição”, afirma Adriano Massuda.
Dentro os pontos positivos apontados pelo relatório estão: descentralização do SUS, participação da sociedade civil, existência das agências reguladoras independentes, aumento gradual no número de profissionais de saúde, capacidade de adaptação para o atendimento a pacientes com Covid-19, atratividade do país ao mercado, Programa Nacional de Imunizações, compras centralizadas pelo governo federal, cobertura da atenção primária, rede de hospitais universitários ao redor do país e programas de transferência de renda.
Já em aspectos negativos, os pesquisadores indicaram a ausência de políticas para o enfrentamento das mudanças climáticas, as desigualdades econômicas e sanitárias, o baixo número de leitos públicos de UTI, o atraso na digitalização da saúde, a baixa interoperabilidade entre sistemas, a extensa fila de solicitação de patentes, a ausência de um parque tecnológico, a má distribuição de profissionais e os frágeis mecanismos de controles de qualidade para novas faculdades de saúde.
“Temos mais de 24 ministros da saúde no período desde que o SUS foi implementado. O ministro Temporão foi um dos mais longevos, mas não é a regra. A gente torce para que a nossa primeira ministra mulher tenha longa vida à frente do Ministério, extremamente importante para ter possibilidade de fazer um planejamento de médio e longo prazo que precisamos para enfrentar os problemas estruturais. Predomina ainda no Brasil uma visão de curto prazo para o planejamento estratégico do SUS”, defende Massuda.
Recomendações e medidas para fortalecimento da saúde
Grande parte da discussão passa pelo aumento do financiamento do SUS. Os pesquisadores defendem que é preciso realizar uma ampliação progressiva do orçamento, chegando a valores entre 4% e 6% em 10 anos. A tributação sobre produtos nocivos à saúde, como cigarro, álcool e açúcar, é considerado um caminho para esse aumento, destinando os valores arrecadados à saúde. Adriano Massuda defende que esse foi um meio encontrado por outros países.
“O SUS é cronicamente subfinanciado. Nenhum país do mundo que tem sistema universal como o Brasil tem um modelo de financiamento com 42% de gasto de saúde público e 58% gasto privado. Isso é uma incoerência, uma distorção do modelo de financiamento de um sistema universal. Essa é uma questão que precisa ser enfrentada se a gente quiser ter um sistema universal que alcance todos, que seja integral e ofereça assistência de maneira abrangente a toda a população brasileira”, explica o professor da FGV.
Contudo, o ex-ministro Temporão questiona se esse valor seria suficiente para atender as necessidades da população. De acordo com ele, a medida aumentaria o gasto per capita de 1800 reais para 2700 reais, mas ainda seria praticamente metade do que o gasto privado per capita. “Essa é uma questão essencial que está na agenda em relação à reforma fiscal e tributária, sobre como essa questão da saúde vai entrar”, observa.
Por outro lado, algumas medidas não dependem exclusivamente da ampliação do financiamento. Temporão aponta que a capacidade de gestão, o modelo assistencial e a qualificação da atenção básica são temas possíveis de serem modificados. Aponta ainda a falta de acompanhamento dos usuários do SUS quando passam para outro nível de sistema.
O desenvolvimento de parcerias público-privadas eficientes também é uma das recomendações dos pesquisadores, assim como a integração de sistemas e informações, aprimorar a regulamentação e coordenação das operadoras de saúde e ter o Ministério com papel de coordenação das agências em alinhamento às políticas do SUS. A discussão sobre modelos de remuneração a hospitais também está na pauta.
O relatório ainda endossa a necessidade de fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde no país, além de defender que haja uma reforma institucional e tributária para reduzir burocracia, aumentando a competitividade com o mercado internacional. O fomento à pesquisa e desenvolvimento ao setor público e privado também é recomendado para o fortalecimento da saúde.
“O Brasil tem uma excepcional oportunidade, considerando as características brasileiras, o tamanho da população, poder de compra do Estado, a existência do BNDES, uma estrutura de ciência e tecnologia, de hospitais de ensino e de instituições de pesquisa, para construir uma política de longo prazo de internalização de tecnologias estratégicas para o sistema de saúde. A hora é agora, o momento é esse”, avalia Temporão.
Para Adriano Massuda, a regionalização da saúde, a reconstrução de programas tidos como sucateados e a taxação dos produtos nocivos são pautas imediatas. De acordo com o pesquisador, o Ministério precisa criar agendas para realizar o diagnóstico da demanda represada pela pandemia em relação ao câncer e doenças cardiovasculares, assim como desenvolver uma mobilização nacional para recuperar os índices vacinais, com a integração do governo federal, estados, municípios e sociedade civil.
“Tem que reconstruir a estrutura administrativa, mas ao mesmo tempo já pensar em ações que são estratégias para recomposição da força de trabalho no SUS e no Ministério da Saúde. É urgente ter carreiras no Ministério da Saúde para áreas que dependem da atuação do estado. Essas questões são imediatas”, conclui Massuda.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.