Pesquisadores apresentam ao Ministério da Saúde relatório com 42 recomendações para o fortalecimento da saúde no Brasil

Pesquisadores apresentam ao Ministério da Saúde relatório com 42 recomendações para o fortalecimento da saúde no Brasil

Documento destaca pontos positivos, mas aponta medidas prioritárias para o fortalecimento da saúde no Brasil

By Published On: 29/06/2023

Foto: Divulgação/Flickr/Ministério da Saúde

Dizer que o Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo para o mundo é ser repetitivo. Sua importância na assistência à população brasileira e sua capilaridade, chegando às regiões mais afastadas do país é internacionalmente reconhecida, mas apesar do potencial, é preciso promover ações práticas continuamente para desenvolver o sistema. Por isso, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançaram um relatório que traz 42 recomendações para o fortalecimento da saúde no Brasil, ao se aprofundarem sobre sete temas em que analisaram a resiliência e sustentabilidade do sistema, levando em consideração o período da pandemia de Covid-19: governança, financiamento, força de trabalho, medicamentos e tecnologia, prestação de serviços, sustentabilidade ambiental, saúde da população e determinantes sociais.

Dentre as soluções apresentadas estão o aumento do financiamento através da taxação de produtos nocivos à saúde, como álcool, refrigerantes e cigarro, fortalecimento das parcerias público-privadas na pesquisa, desenvolvimento e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, expansão da telessaúde na atenção primária e aprimoramento da transparência no uso de recursos do SUS. O relatório foi apresentado a autoridades da saúde, entre elas o Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

A iniciativa integra a “Parceria para Sustentabilidade e Resiliência do Sistema de Saúde” (The Partnership for Health System Sustainability and Resilience – PHSSR, em inglês), através da aliança entre a London School of Economics (LSE), Fórum Econômico Mundial, AstraZeneca, Philips, KPMG e a Fundação da Organização Mundial da Saúde (OMS).

“O Ministério da Saúde esteve presente, a ministra fez questão de mandar um secretário de grande importância, Carlos Gadelha, responsável pelo Complexo Industrial da Saúde, que destacou a importância desse estudo. O ministério está passando por um processo de planejamento e as recomendações podem ajudar as diferentes secretarias a utilizarem-nas como base para aprimorar as próprias orientações”, afirma Adriano Massuda, professor e pesquisador da FGV-Saúde, responsável por conduzir o relatório.

Importância do relatório

O PHSSR já elaborou 17 relatórios em diferentes países, sendo 4 focados em temas específicos: doenças renais, insuficiência cardíaca, doenças respiratórias crônicas e câncer de pulmão. Eles serviram como base para que governos realizassem mudanças para o fortalecimento da saúde em suas regiões, como ocorreu na Alemanha e no Japão. Atualmente, 10 novos relatórios estão em produção.

“Ficou claro que os sistemas estavam realmente sob pressão por muitos pontos de fraquezas que foram brevemente expostos, então decidimos focar na resiliência, que é realmente a capacidade de gerenciar riscos e, em última análise, a capacidade de absorver, adaptar, aprender e transformar em resposta às crises. Em seguida, a sustentabilidade, que é sobre a capacidade de longo prazo continuamente de manter suas funções e objetivos, o propósito final que escolhemos para analisar”, afirma George Wharton, diretor do departamento de Health Policy da London School of Economics and Political Science (LSE).

A análise busca mostrar que alguns problemas podem estar interligados e que muitas vezes não serão solucionados com uma única ação. Os pesquisadores apontam que é preciso olhar para a saúde de forma mais integrada, e por isso as recomendações abordam diferentes temas. Durante o evento de lançamento, José Gomes Temporão, ministro da Saúde entre 2007 e 2010, analisou o relatório e trouxe contribuições:

“Cuidar da saúde não depende só do Ministério da Saúde. É uma dimensão importantíssima mas não é a única. Se você não olhar para o contexto com esse olhar da determinação social, os resultados são fragmentados. Eu não resolvo a questão da obesidade infanto-juvenil sem enfrentar a questão da atividade física, do padrão alimentar, que tem a ver com a questão da carga fiscal e tributária sobre os alimentos, que tem a ver com o lobby na Câmara dos Deputados e do Senado”.

Ainda, o relatório é importante pois fortalece iniciativas que integram as empresas privadas na busca ativa por contribuições para melhorar os sistemas de saúde. A partir das recomendações, é possível que elas aproximem o diálogo com o governo para propor novas parcerias, incentivos para ampliação de acesso, inclusão de soluções e tecnologias ao SUS.

“Cada vez mais quando tiver governança a gente pode trabalhar justamente a parceria entre o público e o privado, como exemplo que nós tivemos durante a pandemia, que foi o desenvolvimento da vacina e a transferência de tecnologia da vacina de Covid-19 para ajudar o mercado brasileiro. Podemos vacinar grande parte da população sem fins lucrativos e de fato fazer uma parceria junto com o setor público”, afirma Olavo Corrêa, diretor-geral da AstraZeneca no Brasil.

Balanço do SUS

No relatório, foram indicados pontos fracos e fortes para os sete temas analisados. Os pesquisadores apontaram quais características do SUS merecem reconhecimento ou atenção, com o intuito de elaborar as recomendações finais. Com base em documentos, entrevistas e artigos científicos, foram observados aspectos da atuação do sistema de saúde.

“O relatório foi elaborado no final de um governo, depois de uma pandemia e início de novo governo. Isso criou uma certa dificuldade para a gente entrevistar atores chaves importantes para preparação do material, mas também abriu possibilidades. Tive a oportunidade de ser sub-relator do grupo de transição da Saúde, que foi relatado pelo ministro Temporão, então muitos dos documentos analisados coletamos nesse período eleitoral e de transição”, afirma Adriano Massuda.

Dentro os pontos positivos apontados pelo relatório estão: descentralização do SUS, participação da sociedade civil, existência das agências reguladoras independentes, aumento gradual no número de profissionais de saúde, capacidade de adaptação para o atendimento a pacientes com Covid-19, atratividade do país ao mercado, Programa Nacional de Imunizações, compras centralizadas pelo governo federal, cobertura da atenção primária, rede de hospitais universitários ao redor do país e programas de transferência de renda.

Já em aspectos negativos, os pesquisadores indicaram a ausência de políticas para o enfrentamento das mudanças climáticas, as desigualdades econômicas e sanitárias, o baixo número de leitos públicos de UTI, o atraso na digitalização da saúde, a baixa interoperabilidade entre sistemas, a extensa fila de solicitação de patentes, a ausência de um parque tecnológico, a má distribuição de profissionais e os frágeis mecanismos de controles de qualidade para novas faculdades de saúde.

“Temos mais de 24 ministros da saúde no período desde que o SUS foi implementado. O ministro Temporão foi um dos mais longevos, mas não é a regra. A gente torce para que a nossa primeira ministra mulher tenha longa vida à frente do Ministério, extremamente importante para ter possibilidade de fazer um planejamento de médio e longo prazo que precisamos para enfrentar os problemas estruturais. Predomina ainda no Brasil uma visão de curto prazo para o planejamento estratégico do SUS”, defende Massuda.

Recomendações e medidas para fortalecimento da saúde

Grande parte da discussão passa pelo aumento do financiamento do SUS. Os pesquisadores defendem que é preciso realizar uma ampliação progressiva do orçamento, chegando a valores entre 4% e 6% em 10 anos. A tributação sobre produtos nocivos à saúde, como cigarro, álcool e açúcar, é considerado um caminho para esse aumento, destinando os valores arrecadados à saúde. Adriano Massuda defende que esse foi um meio encontrado por outros países.

“O SUS é cronicamente subfinanciado. Nenhum país do mundo que tem sistema universal como o Brasil tem um modelo de financiamento com 42% de gasto de saúde público e 58% gasto privado. Isso é uma incoerência, uma distorção do modelo de financiamento de um sistema universal. Essa é uma questão que precisa ser enfrentada se a gente quiser ter um sistema universal que alcance todos, que seja integral e ofereça assistência de maneira abrangente a toda a população brasileira”, explica o professor da FGV.

Contudo, o ex-ministro Temporão questiona se esse valor seria suficiente para atender as necessidades da população. De acordo com ele, a medida aumentaria o gasto per capita de 1800 reais para 2700 reais, mas ainda seria praticamente metade do que o gasto privado per capita. “Essa é uma questão essencial que está na agenda em relação à reforma fiscal e tributária, sobre como essa questão da saúde vai entrar”, observa.

Por outro lado, algumas medidas não dependem exclusivamente da ampliação do financiamento. Temporão aponta que a capacidade de gestão, o modelo assistencial e a qualificação da atenção básica são temas possíveis de serem modificados. Aponta ainda a falta de acompanhamento dos usuários do SUS quando passam para outro nível de sistema.

O desenvolvimento de parcerias público-privadas eficientes também é uma das recomendações dos pesquisadores, assim como a integração de sistemas e informações, aprimorar a regulamentação e coordenação das operadoras de saúde e ter o Ministério com papel de coordenação das agências em alinhamento às políticas do SUS. A discussão sobre modelos de remuneração a hospitais também está na pauta.

O relatório ainda endossa a necessidade de fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde no país, além de defender que haja uma reforma institucional e tributária para reduzir burocracia, aumentando a competitividade com o mercado internacional. O fomento à pesquisa e desenvolvimento ao setor público e privado também é recomendado para o fortalecimento da saúde.

“O Brasil tem uma excepcional oportunidade, considerando as características brasileiras, o tamanho da população, poder de compra do Estado, a existência do BNDES, uma estrutura de ciência e tecnologia, de hospitais de ensino e de instituições de pesquisa, para construir uma política de longo prazo de internalização de tecnologias estratégicas para o sistema de saúde. A hora é agora, o momento é esse”, avalia Temporão.

Para Adriano Massuda, a regionalização da saúde, a reconstrução de programas tidos como sucateados e a taxação dos produtos nocivos são pautas imediatas. De acordo com o pesquisador, o Ministério precisa criar agendas para realizar o diagnóstico da demanda represada pela pandemia em relação ao câncer e doenças cardiovasculares, assim como desenvolver uma mobilização nacional para recuperar os índices vacinais, com a integração do governo federal, estados, municípios e sociedade civil.

“Tem que reconstruir a estrutura administrativa, mas ao mesmo tempo já pensar em ações que são estratégias para recomposição da força de trabalho no SUS e no Ministério da Saúde. É urgente ter carreiras no Ministério da Saúde para áreas que dependem da atuação do estado. Essas questões são imediatas”, conclui Massuda.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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