Reforma Tributária: saúde conquista avanços com alíquotas reduzidas e isenções fiscais
Reforma Tributária: saúde conquista avanços com alíquotas reduzidas e isenções fiscais
Novo regime fortalece sustentabilidade do setor, mas transição deve trazer novos desafios com mudanças para hospitais, indústria farmacêutica e dispositivos médicos
Após entraves e oscilações no Congresso Nacional, a primeira parte da reforma tributária foi oficialmente aprovada com a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última quinta-feira (16). Apesar de o texto ser considerado o possível e não o ideal nos bastidores, o setor da saúde saiu satisfeito com as mudanças e foi atendido na maioria das demandas.
O novo regime trouxe uma redução de alíquotas, manteve isenções fiscais e zerou a tributação de alguns itens. Essas mudanças foram possíveis devido ao tratamento diferenciado para o setor durante a elaboração do texto, o que permitiu uma redução de 60% das alíquotas sobre o fornecimento dos serviços de saúde, para fabricantes de dispositivos médicos e indústrias farmacêuticas.
A Lei Complementar 214 define o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), utilizando três novos tributos: Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), Impostos sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS). Eles serão os substitutos que pretendem simplificar a tributação no país, no lugar de PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS. Segundo Renato Nunes, professor e advogado especialista em Direito Tributário, a simplificação e o olhar especial para a saúde foi o que impediu um possível aumento na tributação. A regulamentação da reforma tributária deve resultar em um IVA médio de 28%. No entanto, conforme Nunes, o setor deve trabalhar com um imposto um pouco acima de 10% devido à redução das alíquotas.
“Isso vai garantir uma neutralidade ou talvez um pequeno aumento de carga tributária. É fruto de um grande esforço setorial e se não tivéssemos conseguido teríamos um aumento bastante expressivo para os hospitais. Isso acabaria sendo repassado às operadoras, para os usuários e até mesmo no atendimento às entidades públicas. Por conta desse tratamento diferenciado, se houver algum aumento nos valores dos serviços de saúde ele não vai ser expressivo”, explica o advogado.
Nesse sentido, a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) considera o texto como uma vitória. Segundo o diretor de Relações Governamentais da associação, Marco Aurélio Ferreira, o setor temia que uma falta de neutralidade e excepcionalidade para a saúde poderia aumentar os tributos. “A reforma é muito necessária e temos conquistas, mas com certeza novas demandas vão aparecer durante a implementação e podemos trabalhar nisso através do diálogo constante entre as entidades e o governo. Tenho um olhar muito positivo e acredito que a reforma vem para melhorar muito a questão fiscal e dar mais sustentabilidade para o setor”, afirma Ferreira.
Para outros serviços, como as operadoras de autogestão em saúde, a reforma trouxe uma vitória estratégica ao garantir a continuidade da isenção fiscal. Na avaliação do presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS), Mário Jorge Vital, isso foi fundamental para manter a neutralidade e a sustentabilidade financeira. “Eu acho que foi uma conquista não só para as autogestões, mas também para os milhares de usuários. Se não houvesse essa isenção com certeza isso iria onerar os beneficiários. Essa garantia também traz equilíbrio e desenvolvimento para o sistema suplementar, visto que contribuímos de forma importante nas práticas assistenciais e na organização do cuidado”, destaca Vital.
Já para os planos de saúde a tributação também receberá a redução de 60%, mas ficará sujeita a regimes específicos de incidência do IBS e da CBS. A base de cálculo será composta pela receita dos serviços com a dedução das indenizações, dos valores referentes a cancelamentos, da taxa de administração, entre outras.
Setor farmacêutico e de dispositivos médicos se beneficiaram, mas discordam da definição de listas
Além dos hospitais e serviços de saúde com alíquota reduzida, outros segmentos também foram impactados pela reforma, como o mercado de dispositivos médicos e o setor farmacêutico. Em ambos foram definidas duas listas, uma com itens que terão redução de 60% nas alíquotas e outra com itens que terão tributação zerada. Os dois segmentos atuaram fortemente no diálogo com os parlamentares com o intuito de acabar ou, pelo menos, ampliar as listas, no entanto a redação final da lei manteve a especificação original.
Durante as discussões sobre a reforma, a indústria farmacêutica conseguiu com que o Senado Federal retirasse a lista de 383 medicamentos isentos e definisse linhas de cuidados, o que resultaria na ampliação dos remédios sem tributação. Contudo, a medida foi retirada na votação final da Câmara dos Deputados. Por isso, para Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), a reforma é boa, principalmente ao isentar 100% a venda de medicamentos ao governo, mas não é o que o setor esperava. Segundo o presidente, caso a alíquota modal continue em 28%, a tributação para medicamentos será cerca de 16%, o que ainda deixa o Brasil entre os países que mais tributam remédios no mundo.
“Tentamos explicar o cenário no Congresso, mas infelizmente a gente não conseguiu se fazer entender e quem vai pagar agora é o consumidor porque essa não foi uma boa solução. Para a indústria, a reforma é boa e necessária, mas poderia ter alguns ganhos que pouco mexeriam na alíquota modal e que ajudariam o consumidor”, diz o presidente. Para o setor o ideal seria a inclusão das classes terapêuticas na isenção, mas diante da recusa da proposta, o Sindicato vai investir em atuar em conjunto com o Ministério da Saúde para atualizar as listas, visto que elas foram elaboradas em 2014. “Temos que incluir o que está sendo consumido pela população hoje. A nossa indústria é muito dinâmica, tivemos muitos lançamentos e essa lista precisa ser realmente revista com regularidade e efetividade. Atualmente ela tem muitas falhas.” complementa Mussolini.
O segmento de dispositivos médicos avalia que, apesar de também estar com limitações devido às listas de itens, a reforma traz avanços para o mercado. De acordo com Márcio Bósio, diretor institucional da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO), as listas abrangem cerca de 60% do volume de dispositivos médicos existentes no Brasil e trazem maior segurança jurídica em comparação ao modelo atual de tributação para os dispositivos.
O setor utiliza o Convênio ICMS 01/99 que garante a isenção do ICMS para dispositivos médicos utilizados em hospitais públicos e privados. O objetivo é evitar o aumento de preços e custos desses produtos, beneficiando a população e o sistema de saúde. No entanto, Bósio explica que o convênio é renovado regularmente, o que atrapalha a indústria. “Trabalhamos muito com licitações que são em geral de um ano. Então, como é que você forma preço para uma licitação com uma isenção que só tem garantida por seis meses? Nesse sentido, com a reforma tributária, o mercado conseguirá trabalhar de uma forma mais segura porque sabe que o preço daquele item vai cumprir a redução tarifária já de forma definitiva”, comenta o diretor.
Outra vitória para o segmento foi a continuidade da desoneração para dispositivos que já não tinham tributação, além da inclusão de novos itens pelo Ministério da Saúde. Apesar da existência das listas não ser o ideal, para Bósio a possibilidade de atualização a cada 120 dias é positiva. “Dentro do possível o que conseguimos foi manter a neutralidade do que já tínhamos. A nossa segunda batalha era incluir tudo que é dispositivo na lista de 60%, mas o governo e o Congresso não entenderam que era necessário. Esta válvula de escape para a inovação de poder incluir novos dispositivos à medida em que eles vão sendo registrados na Anvisa ameniza um pouco essa ausência do que ficou fora”, avalia.
Desafios para transição do regime tributário
A alteração completa do sistema tributário nacional ocorrerá somente em 2033, no entanto especialistas alertam que o segmento deve ficar atento a novos desafios que devem surgir durante a transição. O novo regime de impostos começará a passar por um período de testes a partir de 2026.
O advogado sócio de direito tributário do escritório de advocacia Lefosse, João Paulo Cavinatto, comenta que ainda vê muitos players do setor sem a preocupação necessária com as mudanças e pouco preparados juridicamente. “Muitos pensam que 2033 é muito longe, mas a reforma já chegou. Ela vai acontecer e trará impactos na carga tributária, na contabilidade, e o setor precisa começar a se preocupar em como implementar tudo isso. Especialmente porque vamos ter dois sistemas conversando simultaneamente, o antigo e o novo”, salienta Cavinatto.
Dentre os impactos esperados, o advogado Nunes destaca as mudanças no cálculo das tributações. De acordo com ele, atualmente se avalia o quanto de serviços foi fornecido, aplica o tributo e então o recolhe. Agora com a reforma, as empresas vão precisar verificar as entradas para apurar os créditos, abater o valor devido dos fornecimentos e então aplicar as alíquotas.
Outro ponto de atenção será a relação e a negociação com os fornecedores, visto que para hospitais a tendência é que os fornecedores tentem repassar todo o custo de IBS e CBS para as instituições. “Tudo isso são paradigmas para o setor da saúde, vamos ter desafios sistemáticos de apuração e negociação. Além de acompanhar a alíquota modal, pois se ficar muito acima de 28% podemos ter um aumento de carga”, alerta o advogado. O diretor da Anahp concorda com a vigilância da alíquota e destaca que o acordo de redução de 60% para saúde foi feito com previsões de que o valor seria de 26%. “Hoje está em 28%, o governo vai ter que calibrar isso. Se não, a nossa neutralidade fica fragilizada e isso é uma preocupação que precisamos ter”, afirma Ferreira.
Apesar de a reforma ter pontos de discordância e exigir maior preocupação com a transição, Cavinatto reforça que ela está apenas começando e ainda deve passar por alterações legislativas e executivas. “No final do dia ainda tem espaço de regulamentação. Obviamente não é uma reforma perfeita, mas é muito positiva. Ela resolve muitas questões do modelo atual e traz muita clareza e segurança para o setor”, afirma.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.