Quais são os desafios da telemedicina para 2021?
Quais são os desafios da telemedicina para 2021?
Há um ano a telemedicina era autorizada em caráter emergencial
Há um ano a telemedicina era autorizada em caráter emergencial pelo Ministério da Saúde. O aval só aconteceu porque o país estava diante da crise causada pela pandemia do novo coronavírus. Era a melhor forma – e a mais segura – para que as pessoas pudessem ter acesso ao atendimento médico, diminuindo a exposição ao vírus e evitando sua disseminação. Um ano se passou e a telemedicina continua autorizada em caráter emergencial, sem a evolução de uma regulamentação definitiva. Nesse período, foram inúmeros avanços – e alguns tropeços.
De um lado, os pacientes puderam experimentar a praticidade de uma consulta à distância, os médicos viram na prática os receios que tinham em relação à modalidade, inúmeras empresas surgiram (e cresceram). De outro, o despreparo e a falta de direção abriram espaço para erros. Nas palavras de Chao Lung Wen, chefe da Disciplina de Telemedicina da Universidade de São Paulo (USP): “Ano passado foi um caos. Alguns fizeram trabalhos sérios, mas tivemos muitas ocorrências de iniciativas mercantilistas e inconsequentes. Os pontos mais problemáticos foram: ausência do aprendizado médico, ausência de definição de remuneração profissional, carência de plataformas sérias para o teleatendimento e a falta de ensinar a população o que é telemedicina”. Depois da breve recapitulação do ano passado, quais são os desafios da telemedicina para 2021?
De acordo com os especialistas consultados pela reportagem do Futuro da Saúde, a telemedicina ainda precisa superar algumas barreiras antes de alcançar seu auge. São elas: regulamentação, acesso à internet e a falta de preparo adequado de profissionais para atuar em ambientes virtuais.
Regulamentação
Atualmente, o ponto primordial é a questão da regulamentação. Em setembro passado, Donizetti Dimer Giamberardino Filho, vice-presidente do CFM e coordenador da Comissão Especial que revisa a prática, disse em entrevista ao Futuro que via um cenário mais favorável para a regulamentação, mas até agora não houve uma decisão definitiva e nem a publicação de novas regras.
A expectativa é que a regulamentação crie um padrão de atendimento e cuidados a serem tomados ao utilizar serviços da telemedicina, além de trazer segurança jurídica para empresas que desejem aderir a sistemas para esse serviço.
O médico e gerente de telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein, Eduardo Cordioli, explica um dos motivos para a demora na regulamentação: “Há um atraso na regulamentação porque o Brasil é um país continental, de várias unidades federativas, onde o Conselho Federal de Medicina precisa passar por assembleias que envolvam todos os conselhos”. Em 2019, antes do novo coronavírus surgir, o Conselho Federal de Medicina havia aprovado o uso da telemedicina para consultas à distância. Entretanto, a resolução foi revogada logo depois por questões políticas e debates dentro da classe médica.
Acesso à internet
De acordo com dados de 2018 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), três em cada quatro brasileiros tinham acesso à internet e, entre eles, o celular era o equipamento mais usado. Os dados mostram que 79,3% dos brasileiros com 10 anos ou mais têm aparelhos celulares para uso pessoal, com ou sem internet. Mas ter celular ou internet não necessariamente quer dizer que as pessoas conseguem realizar uma teleconsulta que, muitas vezes, implica em baixar um aplicativo específico e ter uma conexão boa o suficiente para fazer uma consulta em vídeo. Em geral, os pacotes de dados são restritos ou cobrem apenas o uso de redes sociais.
Nesse contexto, os especialistas defendem que a criação de pontos de atendimento de telessaúde em lugares remotos seria estratégica e permitiria que a comunidade daquele local se consultasse com médicos que estão distantes.
Leandro Rubio, médico especialista em cardiologia e criador da Missão Covid, uma plataforma que oferece atendimento gratuito a pessoas com sintomas de Covid-19, acredita que a Internet 5G pode minimizar os problemas de acesso à telemedicina. Ao todo, a iniciativa já realizou 91 mil atendimentos e conta com 1.400 profissionais, que buscam atender pelo menos cinco pacientes por dia, cada um. Foram atendidas pessoas sem convênio médico, idosos e pessoas sem acesso à saúde, inclusive em aldeias indígenas. “O 5G vai acelerar ainda mais a resolução desse problema. Nem todas as regiões têm um acesso adequado e a velocidade da internet também vai ser otimizada, melhorando a performance da telessaúde e levando mais assistência”.
Acesso ao sistema público e sistema privado
No SUS, os pacientes têm acesso a um programa chamado Consultório Virtual. A plataforma emite um endereço eletrônico para o paciente e a consulta pode ser por videochamada ou por ligação telefônica, o que facilita a questão da falta de acesso à internet. Além disso, as consultas são registradas, permitindo também a emissão de atestados e receitas. Ao final do atendimento, o paciente recebe no e-mail o que foi concluído na consulta e pode responder a uma pesquisa de satisfação. O principal público nesse serviço foram pacientes com doenças crônicas, hipertensão e diabetes.
A expressividade do programa ainda é baixa, no entanto. De acordo com o Ministério da Saúde, foram 25 mil atendimentos virtuais entre maio e dezembro do ano passado. Como comparação, operadores privados realizaram 5 milhões de consultas remotas, de acordo com o levantamento Saúde Digital Brasil, entidade que reúne os principais operadores privados de telemedicina, citado pelo jornal O Globo.
A startup Conexa Saúde, que oferece plataforma e demais serviços de telessaúde para empresas e pacientes, informou que a população usuária de telemedicina aumentou de 150 mil para 3,5 milhões no Brasil. Acostumados a realizar cerca de 50 consultas diariamente, passaram a atender 15 mil pacientes por dia após o início da crise sanitária. “Foi um avanço inimaginável, muito por conta da necessidade. No momento da pandemia, a gente percebe que o médico teve uma queda de receita de até 80%, devido a dificuldade de acessar os pacientes”, analisa o CEO da startup, Guilherme Weigert.
Despreparo
A primeira faculdade a começar a ensinar a disciplina de telemedicina no Brasil foi a USP, em 1997, quando foi introduzida por György Böhm e coordenada por Chao. Segundo o professor Chao, mesmo mais de duas décadas depois, somente 12 das 310 escolas de medicina estão preparando seus estudantes para essa modalidade. “Médicos começaram a usar redes sociais como WhatsApp, Instagram, Facebook e Skype para atendimentos. Mesmo gratuito, elas não podem ser usadas para essa finalidade porque não tem garantia de segurança ao paciente”, alerta Wen.
Enquanto as faculdades de medicina não se atualizam, resta aos profissionais buscar treinamento em outros lugares antes de se aventurar no serviço digital. Uma alternativa é procurar os Núcleos de Telessaúde, um serviço público que está disponível em cada estado do país. Nestes locais, é possível encontrar auxílio para o atendimento de saúde primária, além de fazer treinamentos na área para a capacitação dos profissionais.
A falta de preparo adequado dos profissionais pode culminar também no desvirtuamento da proposta da telemedicina, que é democratizar o acesso à saúde, conforme alerta Wen. Ele lembrou de iniciativas comerciais que começaram a lançar produtos com um custo extremamente baixo, como operadoras de telefone celular, que cobraram R$49,90 por um atendimento ilimitado por telemedicina. “É uma estratégia mercantilista. Não podemos perseguir a redução de custo porque toda vez que foi feito isso, diminui-se cada vez mais os serviços que são ofertados para as pessoas. Quando nós pensamos em reduzir desperdício e melhorar a logística, nós vamos usar aquele dinheiro para aumentar a quantidade de pessoas que podemos cobrir e com a melhor qualidade possível”.
Qual o caminho?
Cordioli, do Hospital Israelita Albert Einstein, acredita que esse serviço esteja evoluindo em três fases, sendo a primeira delas a fase hardware, que é a fase em que é preciso fazer conexão com as pessoas: “Isso já está pronto. Fazer consultas em todo o Brasil não é mais um problema”.
Atualmente, de acordo com ele, vivemos a segunda fase: “Agora estamos na fase de software. Onde além de podermos nos conectar e falar, estou usando software para que o dado computado em tempo real alimente a máquina e eu use processos e ferramentas de apoio à decisão baseados em algoritmos, que me apoiem a tomar a melhor decisão médica”.
Por fim, a terceira fase é a grande expectativa para a telemedicina do futuro: “Chegaremos ao cuidado ‘figital’, que é o físico junto com o digital”, diz. O paciente, por exemplo, vai procurar quiosques de telemedicina em aeroportos e shoppings, onde ele pode ser atendido à distância, em cabines com dispositivos próprios para isso. “É uma forma de colocar a ‘mão digital’ no paciente”, completa.
Para o médico cardiologista e CEO da startup Conexa Saúde, Guilherme Weigert, o futuro da sua healthtech é mais do que somente o acesso à saúde: “O foco tem que ser na jornada de cuidado do paciente. Queremos desenvolver diversos produtos para que a plataforma consiga acompanhar o paciente oferecendo cuidado em cada momento que ele precisa, mas de forma digital”.
Chao Lung Wen acredita em curadorias sérias de inovação em saúde para garantir que as ideias não sejam desenvolvidas apenas por empolgação, mas com um critério de qualidade.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.