Quais as possíveis fontes de recursos para o piso salarial de enfermagem?

Quais as possíveis fontes de recursos para o piso salarial de enfermagem?

No último domingo, 4, o ministro do Supremo Tribunal Federal

By Published On: 07/09/2022
Congresso e União precisam definir fontes de recursos para custear o piso salarial de enfermagem.

No último domingo, 4, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Roberto Barroso concedeu uma medida cautelar suspendendo os efeitos da lei do piso de enfermagem, por não indicar as fontes de recursos. Dessa forma, os entes públicos e privados têm 60 dias para apresentar o impacto financeiro que a adequação de salário irá causar, assim como se há risco de demissões e prestação dos serviços de saúde. A medida será analisada por outros ministros do STF na próxima sexta-feira, 9.

Apesar da liminar atender um pedido da Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), diversas entidades do setor já alertavam antes mesmo da aprovação no Congresso Nacional o risco de se sancionar o piso salarial sem estipular de onde viria o orçamento necessário. Na véspera da decisão do Supremo, a Associação Nacional dos Hospital Privados (Anahp) apontava que 98% dos hospitais privados não pagariam o reajuste em setembro.

Estima-se que 16,3 bilhões de reais serão necessários para realizar o aumento, nos setores público, privado e filantrópico. Existem diversos projetos de lei que podem vir a ser vinculados ao piso, garantindo a fonte de recursos. Nesta terça-feira, 6, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se reuniu com o ministro do STF e apontou três caminhos possíveis: a correção da tabela SUS, a desoneração da folha de pagamentos do setor e a compensação da dívida dos estados com a União.

“Não existe fórmula para criar um fundo nacional do piso de enfermagem para mandar dinheiro da União direto ao enfermeiro, porque ele pode ser celetista, por cooperativa, por concurso público estatutário, vinculado à Organização Social de Saúde, hospital filantrópico, fundação estatal. Diferentes figuras jurídicas. Obrigatoriamente, só é possível financiar o piso se você incrementar o financiamento das políticas de saúde”, defende Nésio Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Secretário da Saúde do Espírito Santo.

Desoneração da folha

Dentre as possíveis soluções apresentadas pelo presidente do Senado, algumas já eram apontadas por entidades e deputados envolvidos no debate. A principal delas é a desoneração da folha de pagamento, que favorece os hospitais privados e filantrópicos na adequação ao piso, sem que seja necessário repassar o valor aos planos de saúde e, consequentemente, à população.

A ideia é que, assim como já é feito em 17 setores da economia, como indústria têxtil, fabricante de veículos e transportes, as empresas deixem de arrecadar 20% de impostos sobre salários dos funcionários e passem a recolher entre 1,5% e 4,5% sobre a receita bruta. O projeto de lei, de autoria da deputada Carmen Zanotto, corre em caráter de urgência na Câmara dos Deputados.

No entanto, o consultor de finanças públicas Murilo Viana, mestre em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), alerta que apesar de ser uma possível solução, pode gerar um impacto nos cofres públicos. “A desoneração da folha gera uma perda de arrecadação para a União, além de ela poder ter que compensar a previdência. Gera uma espécie de despesa, com a perda de receita que o tesouro terá que compensar à previdência. Pode até impactar a lei do teto de gastos”, explica.

Um levantamento da Brasscom – Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais – apontou que o valor arrecadado nesses setores que são desonerados foi maior do que se houvesse a obrigatoriedade do imposto. Segundo os dados, em 2020 as empresas recolheriam R$ 10,41 bilhões sem a desoneração, valor menor que a arrecadação compensatória de R$ 12,95 bilhões, atrelada ao recolhimento de 1% dos produtos importados.

Além disso, é preciso colocar na balança se o valor deixado de arrecadar tem um impacto maior que as possíveis demissões, fechamento de leitos e desestabilização no sistema de atendimento. Estimativas de 5 grandes entidades do setor apontam o risco de 83 mil demissões e fechamento de 20 mil leitos.

“Hoje já temos no Brasil 17 setores econômicos beneficiados pela desoneração da folha de pagamento. Por que a saúde não pode ser mais um dos setores beneficiados? Um segmento tão importante? O que mais sofreu para salvar vidas? Que se reinventou na pandemia para salvar vidas? A enfermagem brasileira precisa receber o seu salário conforme a lei do piso nacional”, defende a deputada Carmen Zanotto.

Tabela SUS

A correção da tabela SUS é outra pauta defendida pelo presidente do Senado e que vai ao encontro das demandas dos hospitais privados e filantrópicos. Segundo a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), existe uma defasagem de 60% entre os serviços prestados e o que é pago pela tabela SUS.

O presidente do Conass, Nésio Fernandes, alerta que, mesmo que essa pauta não esteja diretamente ligada ao piso salarial de enfermagem, é muito importante que a tabela seja atualizada para garantir a continuidade dos serviços prestados: “Existe uma condição objetiva de um setor estratégico que participa do SUS de maneira complementar que já é subfinanciado, que tem uma regra de remuneração horrorosa orientada pela tabela SUS. Se colapsa esse segmento, colapsa o SUS junto”.

Cerca de 60% das instituições ligadas ao SUS são privadas. Somente as santas casas e hospitais filantrópicos correspondem a 50% de todos os atendimentos públicos de média complexidade e 70% da alta complexidade, de acordo com a CMB. Em cerca de 800 municípios eles são os únicos hospitais da região.

O consultor de finanças públicas Murilo Viana também acredita que essa seja uma das saídas para custear o piso para aqueles prestadores que são conveniados ao sistema público: “Para o setor privado que atende o SUS, poderia ter um aumento do repasse para atendimento. Já existe uma pressão da rede conveniada e poderia ser um estopim para uma onda de fechamentos de leitos e comprometer o atendimento SUS”.

Dívidas com a União

Na conversa com o ministro Barroso, o presidente do Senado também apontou que uma das saídas para custear o piso salarial no setor público seria a compensação das dívidas dos estados com a União. Minas Gerais, por exemplo, tem um saldo devedor de R$ 149,9 bilhões.

O presidente do Conass, Nésio Fernandes, alerta que a participação da União na saúde é modesta e que poderia ser ela a financiar o piso, aumentando os repasses aos estados e municípios, que representam 98% dos leitos públicos: “Em 2021, enquanto os Estados aportaram 463 reais per capita no financiamento que seus serviços de saúde executam, a União entrou com 190 reais. No mesmo ano, enquanto os municípios gastaram 562 reais per capita, a União colocou 464 reais. A participação da União no financiamento do SUS é caracterizada pelo subfinanciamento, subparticipação e subpapel”.

Com a redução do recolhimento dos estados e municípios do ICMS por conta da lei que busca reduzir os preços dos combustíveis no Brasil, a tendência é que estados e municípios já sejam impactados e tenham uma diminuição das verbas destinadas à saúde.

“Diferente do que foi feito com os agentes de saúde, onde o Congresso Nacional e a União estabeleceram o piso e os recursos, nós temos um cenário onde nenhum deles estabeleceu a origem dos recursos para a enfermagem, em um contexto de ajuste fiscal, desequilíbrio de contas públicas e frustração de expectativa de receita com a mudança do ICMS”, analisa Nésio.

De acordo com o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), as unidades federativas deixarão de aplicar 17 milhões de reais para a saúde e educação. ”Quando você reduz a arrecadação, bate diretamente nos cofres desses entes, porque de todo ICMS arrecadado, 25% deles são transferidos obrigatoriamente dos estados aos municípios”, aponta o consultor de finanças públicas Murilo Viana.

Outros meios para bancar o piso de enfermagem

Além dos apresentados por Rodrigo Pacheco, outros meios foram apresentados no Congresso Nacional, mas que ainda estão em tramitação na Câmara e no Senado e aguardam discussões e votações por parte dos parlamentares. A deputada Carmen Zanotto lista alguns deles:

  • Jogos de azar (PL 442/91) – O texto já foi aprovado pela Câmara e está no Senado;
  •  Tributação de lucros e dividendos (PL 2337/21) – Medida integra o projeto de reforma do Imposto de Renda enviado pelo Planalto e já aprovado pela Câmara;
  •  Aumento dos royalties da mineração (PL 840/22);
  •  Royalties do petróleo (PL 1241/2022) – Com estimativa de arrecadação acima de R$ 118 bilhões em 2022, segundo Zanotto;
  •  Loterias da saúde (PL 1561/2020) – Aprovado no Congresso e aguardando sanção presidencial.

“Os parlamentares defendem que fundos públicos da União que estejam parados sejam utilizados para pagar o salário dos enfermeiros. A ideia é destinar os recursos que estão ‘amarrados’ e ‘engessados’ para a área de saúde”, explica a deputada.

No entanto, todos os projetos de lei ainda precisam ser aprovados no Congresso, sancionados e os parlamentares apresentarem dados detalhados sobre a possível arrecadação, de forma que cubra ou amenize os impactos da adequação do piso salarial de enfermagem. Especialistas apontam para o risco da pauta dos enfermeiros servir de “escada” para propostas que estavam paradas e que os valores estipulados não se concretizem.

O consultor Murilo Viana acredita ser pouco provável que se tenha uma definição tão específica, a fim de associar uma proposta ao piso. Ele explica que “pode-se fazer algum tipo de vinculação com leis, mas vai ter muita dificuldade da União aceitar porque não é um gasto que vai ocorrer só em um ano, é um gasto contínuo. Existe uma dificuldade operacional de calibrar corretamente quanto é preciso transferir. Mesmo municípios próximos têm diferença salarial grande”.

Nésio Fernandes, presidente do Conass, defende que independente de onde o dinheiro vier, será a União e o Congresso que irão definir em conjunto. “A nossa parte como gestores é opinar e apresentar o pleito de maneira adequada. Mas quem vai fazer a avaliação final de onde pode tirar com um menor impacto fiscal, melhor repercussão e desempenho dos indicadores econômicos do país, é o Congresso Nacional”, conclui.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

About the Author: Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

Leave A Comment

Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

Artigos Relacionados

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br