Birajara Machado, do Einstein: “Projeto DIAna pode ser o maior case de dados em saúde no mundo”

Birajara Machado, do Einstein: “Projeto DIAna pode ser o maior case de dados em saúde no mundo”

Em um país com dimensões continentais e mais de 200

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By Published On: 12/04/2023
Birajara Machado, coordenador do Projeto DIAna no Einstein

Em um país com dimensões continentais e mais de 200 milhões de habitantes como o Brasil, colher, padronizar e interoperar os dados em saúde pode representar um dos principais caminhos para aprimorar políticas públicas e melhorar o atendimento à população. Desenvolver uma arquitetura para que isso aconteça é o principal objetivo do projeto Data Initiative for Analytics (DIAna), uma parceria do Hospital Israelita Albert Einstein com o Ministério da Saúde (MS), via PROADI-SUS, que chega ainda em 2023 em sua etapa final.

Com alcance nacional, o DIAna atua no desenvolvimento de modelos de padronização de dados que promovem a interoperabilidade entre os serviços de saúde. Futuro da Saúde conversou com Birajara Machado, coordenador de pesquisa e gestor do projeto no Einstein, que explicou que “todo hospital, toda UBS tem o sua particular forma de gerenciar seus dados e ela continuará sendo utilizada. O que o DIAna vai fazer será padronizar a forma como esses dados chegam ao Ministério da Saúde. Estamos contribuindo para que informações de saúde sejam escritas num protocolo que transforma os dados antes de serem enviados. É como colocar um porteiro em um prédio, para organizar a entrada e saída de informações, com uma regra única de como distribuir e organizar os dados”.

A implementação do projeto deve ser concluída até o fim deste ano e, a expectativa, é que esteja em pleno funcionamento até 2028 – acompanhando a evolução da Estratégia de Saúde Digital. Machado adiantou que “esse ano, vamos apoiar o MS em projetos piloto para atendimento clínico, prescrição e dispensação de medicamentos. Aí sim, quando os dados começarem a ser trafegados, teremos capacidade de ter um data lake com dados consistentes, com capacidade de ingestão e consumo de dados, além de processos de governança”.

Confira a entrevista completa:

Para relembrar: como esse projeto foi desenvolvido, lá em 2021, e quais eram os principais objetivos a serem alcançados com ele?

Birajara Machado – O Einstein já atuava, por meio do PROADI-SUS, em alguns projetos com o Ministério da Saúde e um deles consistia em desenvolver inteligência artificial para facilitar diagnósticos. Para isso, precisávamos utilizar dados do país inteiro, mas tínhamos muita dificuldade de acesso. Além disso, não havia um controle de qualidade desses dados, que não contavam com um data lake – que é um ambiente de análise, projetado para armazenar, processar e proteger grandes quantidades de dados – organizado. Ou seja, não havia governança desses dados. Na época, tivemos contato com o diretor do DATASUS, o departamento de informática do SUS, que, em uma conferência de Big Data, nos apresentou a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), que tinha como objetivo justamente criar uma grande integração de sistemas e possibilitar a interoperabilidade desses dados. Para ajudar com o tráfego desses dados, migramos para outras iniciativas, com foco em apoiar a RNDS. Daí surgiu o DIAna.

Como são (ou eram) administrados os dados do SUS antes do DIAna? E por que é tão importante fazer essa organização?

Birajara Machado – Veja, o SUS é uma babilônia, conta com milhares de sistemas diferentes e é muito difícil fazer essa conexão. Nós temos o paciente como foco, que chamamos de sr. José. Você encontrava fragmentos da história de saúde do sr. José em diversos canais e a premissa básica para conseguirmos um tráfego fluido no sistema é poder encontrar não apenas informações espalhadas desse paciente, mas o sr. José inteiro, com toda a sua jornada em um só lugar, não importando se ele fez um exame em uma cidade, depois passou por consulta em outra e assim por diante.

A organização dos dados possibilita um melhor atendimento, diagnósticos mais precisos, economia de recursos – afinal, se o sr. José fez um exame de imagem na semana passada, eu provavelmente não preciso pedir um exame igual agora – e empoderamento do paciente, que vai ter total controle dos seus próprios dados de saúde.

O paciente é o dono dos seus dados?

Birajara Machado – Sim, como diz a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o dono do dado não é quem o utiliza, mas sim a pessoa a quem ele diz respeito. Nesse caso, o paciente precisa autorizar o uso dos dados quando for passar por um atendimento em saúde, por exemplo. É como funciona com o Open Banking, que permite o compartilhamento de dados financeiros entre instituições, a depender da liberação do usuário, é como se fosse um “Open Health”.

Um sistema único de dados vai também facilitar e possibilitar novas pesquisas em saúde, certo? Como será o uso dos dados, considerando a LGPD?

Birajara Machado – Com certeza. A partir do momento que tivermos o data lake, muitas possibilidades se abrirão, principalmente relacionadas a projetos de melhorias e inovação, pesquisas e estudos. Nesses casos, os requisitantes receberão os dados anonimizados. Nossa proposta, inclusive, é que os dados possam ser cruzados com os pacientes, gerando informações de ainda mais valor, podendo chegar a melhores e mais assertivas conclusões. Ou seja, se uma pesquisa precisa de imagens de raio-x e um paciente conta com um raio-x e uma tomografia, podemos cruzar esses dados e fornecer uma informação mais acurada, tudo de forma anonimizada.

Como foram definidos os dados que serão computados e organizados no data lake?

Birajara Machado – Os dados de saúde são complexos e, por isso, antes de tudo, delimitamos um contexto negocial-clínico. Ou seja, primeiro precisamos entender quais dados fazem sentido para o paciente e para o seu cuidado em saúde e em qual contexto. Por exemplo: a pressão arterial é um dado importante. Mas quando um médico ou enfermeiro vai aferir a pressão de um paciente, isso é feito em um contexto que faz sentido ali na hora. A pessoa é gestante? Estava consciente? A aferição foi feita em qual braço? Tudo isso é importante e precisa ser padronizado num modelo de informação. Nós cuidamos de cada detalhe disso lá no começo e criamos modelos (também revisamos os que já existiam) que foram aprovados por diferentes agentes dentro do MS. Só então fazemos a implementação computacional desses modelos, consolidando um modelo de interoperabilidade.

Então esse trabalho vai muito além de tecnologia, certo? Quem são (e quantos são) os profissionais que fazem parte do projeto?

Birajara Machado – Esse é um projeto em que a computação é apenas um componente, mas o cenário macro é muito maior, envolve entender as doenças, o sistema de saúde, a diversidade do país e suas diferentes realidades, além dos impactos sociais. Somos 46 pessoas atuando nesse projeto dentro do Einstein, em uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de tecnologia, como cientistas e engenheiros da computação, médicos, enfermeiros e biólogos. Eu mesmo sou físico teórico com pós-doutorado em neurociências. Sem contar os alunos: hoje, temos dez estudantes de cursos como engenharia biomédica e medicina que estão fazendo iniciação científica e participam do projeto. Inclusive, nós aproveitamos a oportunidade de trabalhar em um projeto tão completo e complexo também num caráter formativo e, com isso, alavancarmos profissionais. Alguns dos colaboradores que são fixos foram treinados em projetos anteriores.

Dentro do DIAna, o que já foi implementado e o que está sendo trabalhado?

Birajara Machado – O projeto está em fase final para ser entregue ao MS. O DIAna atuou no Registro de Imunobiológico Administrado (RIA) para COVID-19, que já existia, traduzindo as informações para constar no passaporte de imunização em inglês e espanhol, e adequando o modelo já existente para contemplar a vacinação infantil. Também atuamos em um modelo para Resultados de Exames Laboratoriais (REL) para COVID-19 e MonkeyPox. Também contribuímos para os modelos de Registro de Atendimento Clínico (RAC), Registros de Prescrição e Dispensação de Medicamentos (RPM e RDM) e Sumário de Alta (SA). Agora, apoiamos o DATASUS para aprovação de um modelo de Regulação Assistencial, que irá organizar as informações das filas do SUS, como por exemplo cirurgias eletivas. Esse ano, estaremos contribuindo para um projeto-piloto para atendimento clínico. Aí sim, quando os dados começarem a ser trafegados, teremos capacidade de ter um data lake com dados consistentes, com capacidade de ingestão e consumo de dados, além de processos de governança

Pensando nas dimensões continentais do país, como esses dados serão computados?

Birajara Machado – A boa notícia é que não vamos precisar mexer no que já funciona dentro do SUS. Todo hospital, toda UBS tem o seu próprio sistema e ele continuará sendo utilizado. O que o DIAna faz é atuar na padronização da forma como esses dados chegam compilados ao MS. Estamos trabalhando num protocolo que transforma os dados antes de serem enviados, é como colocar um porteiro em um prédio, para organizar a entrada e saída de informações, com uma regra única de como distribuir e organizar os dados. O grande desafio, que precisará ser pensado em um segundo momento, é garantir que todas as instituições públicas de saúde tenham uma infraestrutura básica que permita que todos consigam participar.

Tudo caminha em direção de termos um bom ecossistema de dados no país e esse pode vir a ser o maior case de dados em saúde no mundo.

As perspectivas, então, são muito positivas?

Birajara Machado – A potencialidade é muito alta. Em gestão, por exemplo, conseguiremos saber se o paciente foi na UBS, se foi atendido, se fez algum exame laboratorial, se teve o medicamento prescrito e ainda se teve acesso ao medicamento. Os dados serão vivos e de mundo real, sendo possível identificar que determinada cidade está com déficit de algum medicamento. Se pensarmos na atenção primária, é possível melhorar e otimizar consideravelmente o atendimento e o impacto que ela tem na redução de internações, custo, etc. Hoje, entendemos que nenhuma tecnologia será tão impactante no SUS quanto um bom dado na mão do médico, nada vai ser tão eficiente. Às vezes temos ânsia em promover a implementação de projetos complexos de tecnologia, mas que no SUS ainda não tem como adaptar. A partir do momento que tivermos esse básico, poderemos pensar em outros projetos mais complexos. Felizmente, o arcabouço para que isso aconteça está sendo construído. É um trabalho que não se conclui do dia para a noite, pode demorar, mas tem que começar. E é o que estamos fazendo.

Ana Carolina Pereira

Jornalista formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao longo de sua carreira, passou por veículos como TV Globo, Editora Globo, Exame, Veja, Veja Saúde e Superinteressante. Email: ana@futurodasaude.com.br.

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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