Fornecedores de produtos médicos afirmam que hospitais e planos de saúde retêm o faturamento de R$1 bi
Fornecedores de produtos médicos afirmam que hospitais e planos de saúde retêm o faturamento de R$1 bi
A atual crise na saúde suplementar tem provocado grandes atritos
A atual crise na saúde suplementar tem provocado grandes atritos entre planos de saúde e hospitais. Com um prejuízo operacional de 11,5 bilhões acumulados pelas operadoras em 2022, de acordo com dados divulgados nesta semana pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), causado principalmente pelo alto custo da saúde, as negociações têm sido cada vez mais duras. Contudo, um novo capítulo foi adicionado a essa equação: a demora de liberar o faturamento de produtos médicos.
É o que aponta a Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraidi). De acordo com a entidade, planos de saúde e hospitais passaram a liberar o faturamento, em média, após 124 dias. O pagamento, no entanto, só é realizado 120 dias após o faturamento. Entre a utilização de um produto e o pagamento, o processo pode levar de 6 a 9 meses.
Essa retenção do faturamento é equivalente a 1,085 bilhão de reais, com um aumento de 50% em comparação ao ano anterior, de acordo com levantamento da Abraidi, o que tem tornado insustentável o trabalho das empresas do ramo. Ainda, existem R$ 864 milhões inadimplentes e R$ 145 milhões em glosas não justificadas. Ao todo, o rombo apontado pela entidade é de 2,1 bilhões de reais.
Por isso, a Abraidi irá entrar com uma denúncia junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra as empresas que têm capital aberto na bolsa de valores e possuem dívidas e retenções. Devido ao tamanho e a expressão na saúde suplementar, essas empresas são os maiores compradores de produtos médicos, e consequentemente, os maiores devedores.
“Quando você pega empresas com capital aberto, que possuem concessão na bolsa e consequentemente acionistas que investem nelas, no momento que não se fatura as compras, não existe a dívida. É como o caso das lojas Americanas. Mostra um valor e a dívida é maior, já que o que não foi faturado não está em lugar nenhum, além de não ter a sinistralidade registrada”, explica Sérgio Rocha, presidente da Abraidi.
A entidade tem realizado reuniões com advogados e a expectativa é que isso seja feito, de acordo com Rocha, nos próximos dias. Contudo, o presidente afirma que a associação e as empresas do setor estão abertas e dispostas a dialogar para resolver essa questão e encontrar soluções.
Procuradas, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS) e a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) não se pronunciaram sobre o tema.
Agravamento da situação para produtos médicos
“Essa situação pode prejudicar e muito a indústria nacional. Inclusive, aquelas empresas menores que dependem totalmente de vendas via distribuição, se ela não tiver um caixa para sustentar essa demora nos recebimentos, ela pode quebrar ou terá que ir a bancos, pagando juros, postergando a quebra para os meses seguintes. É muito difícil as empresas enfrentarem essa situação”, explica Paulo Henrique Fraccaro, CEO da Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO).
As empresas associadas da ABIMO trabalham, via de regra, através de distribuidores, que são associados da Abraidi. Por isso, a retenção de pagamentos provoca um efeito cascata em diferentes elos da cadeia. O mesmo vale para as glosas e, principalmente, as inadimplências.
Em 2022, a Abraidi realizava o levantamento dos valores inadimplentes apenas após 180 dias a partir do faturamento, o que resultava em 610 milhões de reais. Contudo, a entidade mudou a metodologia e agora contabiliza a partir do vencimento da fatura. Com isso, houve um aumento de mais de 40% em relação ao ano anterior.
Já as glosas também tiveram alta de 24,3%, mas essa situação acaba envolvendo outros fatores. Segundo Sérgio Rocha, da Abraidi, “a glosa é comum para os fornecedores e hospitais. Muitos planos pedem para faturar direto para eles, é uma coisa que só existe no Brasil. No mundo inteiro não é assim. O hospital sofre por parte do plano, e nós pelos planos e pelos hospitais, que muitas vezes alegam que foram glosados pelos planos. É uma cadeia”.
De acordo com Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), através do seu Observatório Anahp 2023, publicação que analisa os índices dos hospitais associados referente ao ano anterior, essa questão das glosas por parte dos planos de saúde também teve um aumento para eles e atualmente representam 4,55% da receita líquida. O prazo para pagamento também saltou de 66,95 dias em 2019 para 73,51 dias em 2022.
Questionado sobre como resolver esse imbróglio, o CEO da ABIMO, Paulo Henrique Fraccaro, é categórico: “Essa provavelmente é a pergunta que vale mais de 1 bilhão de reais”. Ele afirma que além do desconforto entre planos, hospitais e fornecedores, essa questão pode ainda chegar aos médicos.
“Com falta de dinheiro, os planos de saúde vão atrasar pagamentos e começar a glosar as contas dos hospitais e questionar valores. Os hospitais vão ter uma maior dificuldade na aquisição de produtos que vinham fazendo e vão tentar procurar produtos de custos mais baixos, enfrentando reação do corpo clínico. Realmente é um momento extremamente complexo”, analisa Fraccaro.
Outras consequências
A retenção do faturamento tem sido vista como a mais grave das causas no rombo das empresas de produção e distribuição de produtos médicos. Isso porque além da questão financeira, existem aspectos legais que podem acabar prejudicando as empresas. Um deles é o prazo de faturamento.
“Quando a empresa não fatura corre o risco tributário de receber multas. Existe uma lei que diz que tudo que é utilizado em um determinado mês tem que ser faturado no mesmo mês. Se um fiscal visitar a empresa e não achar no estoque, ele irá questionar o contador sobre onde está o faturamento do material faltando. Ele não vai querer saber se o plano ou hospital não deixou faturar, vai achar que estamos fazendo falcatrua para sonegar imposto”, explica Sérgio Rocha, presidente da Abraidi.
A multa pode variar de acordo com o valor que não foi faturado, o que em alguns casos pode inviabilizar o trabalho das empresas. Por isso, é urgente que todos os envolvidos cheguem a uma solução pacífica para o tema, mas a falta de diálogo tem sido a principal barreira.
A denúncia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é considerada a última cartada das empresas para pressionar operadoras e hospitais, mesmo com o medo de retaliação. Em relação aos inadimplentes, o presidente da Abraidi explica que os contratos com os fornecedores trazem cláusulas que proíbem que haja protestos de títulos e descontos em bancos, o que faz com que as empresas apenas acumulem as dívidas.
“Estamos abertos a conversar, sentar e trocar ideias. Não adianta mandar mensagem ou fazer nota no jornal. Vamos abrir o problema e discutir como resolver. A questão é burocrática? É manter fluxo de caixa? O que queremos é sentar com as entidades, planos de saúde e hospitais e conversar”, afirma Sérgio Rocha.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.