Perfil de profissionais de saúde muda e exige recrutamento com avaliação global
Perfil de profissionais de saúde muda e exige recrutamento com avaliação global
Novos métodos permitem testar habilidades técnicas e interpessoais e podem ser uma alternativa para alta rotatividade de profissionais em algumas áreas
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O mercado de trabalho na saúde tem mudado bastante nos últimos anos, principalmente após a pandemia. Saúde mental, propósito pessoal e flexibilidade passaram a fazer parte das prioridades dos profissionais. Neste novo cenário de desafios para atração e retenção de talentos, empresas do setor estão aprimorando seus processos de recrutamento e incorporando novas ferramentas.
O objetivo é conhecer melhor os candidatos e avaliar não apenas as habilidades técnicas, mas também as interpessoais. “A área da saúde é muito dependente de pessoas. São pessoas cuidando de pessoas. Então, tudo que está relacionado à parte comportamental, de soft skills, é muito importante”, enfatiza Miriam Branco, diretora executiva de Recursos Humanos do Hospital Israelita Albert Einstein.
Para ela, mesmo com o avanço de novas tecnologias, o foco na escolha de profissionais com habilidades interpessoais deve se manter – ou até aumentar nos próximos anos. Até porque o mercado de trabalho no setor da saúde cresce uma média de 5,3% ao ano, segundo o Panorama Setorial da Saúde de 2024, da consultoria Robert Half. Sem contar os mais de 4 milhões de trabalhadores já atuantes em instituições de saúde públicas e privadas do país em 2024, de acordo com o Cadastro Nacional do Estabelecimento de Saúde (CNES), e os cerca de 560 mil médicos inscritos em Conselhos Regionais de Medicina (CRM).
A simulação realística nos processos seletivos
Neste contexto, novas metodologias aliadas à tecnologia podem ajudar a área de recursos humanos a fazer essa seleção de forma mais eficiente e certeira. No campo do RH, o uso de inteligência artificial já está consolidado há algum tempo nas etapas iniciais de seleção, como a triagem de currículos. Agora, é a vez do método de simulação realística, que passa a ser introduzida em etapas intermediárias desses processos.
Nos últimos anos, o Einstein inovou ao trazer, para o seu processo seletivo, a abordagem já usada em seus treinamentos internos, cursos de graduação e pós desde 2007, quando construiu o Centro de Simulação Realística. Na época, o objetivo era ampliar os horizontes de formação e capacitação de profissionais. Em 2024, o método passou a ser aplicada também nos hospitais geridos pelo Einstein em Goiás e na Bahia.
Joyce Barreto, gerente de ensino do Centro de Simulação Realística (CSR) da instituição explica que a decisão de implementar o método parte de uma demanda da instituição de enfrentar a alta rotatividade de profissionais em algumas áreas – relacionada, diretamente, à falta de habilidades socioemocionais: “Existem pesquisas que reforçam que as pessoas normalmente são contratadas por habilidades técnicas, mas são desligadas por habilidades socioemocionais. E aí tivemos a ideia de explorar o uso da simulação realística nesse contexto de seleção.”
O desenho da simulação é feito de acordo com a especialidade do candidato a ser avaliado. São estruturados cenários baseados em casos reais, simulando desde um ambiente de pressão até situações imprevisíveis. Isso tudo serve para testar a capacidade de adaptação do profissional a dificuldades reais do ambiente de trabalho da saúde. No final, a avaliação fica por conta de um time multidisciplinar. “É um processo muito rico. Enquanto RH e o gestor observam as competências comportamentais, por exemplo, temos junto professores e especialistas que dominam as habilidades técnicas”, conta Branco.
A experiência tem estimulado, inclusive, os avaliadores a refletirem sobre os critérios essenciais para a admissão de profissionais. “Já aprendemos que algumas deficiências técnicas, como o manuseio de algum equipamento, podem ser facilmente revertidas com o treinamento junto a um mentor. Agora, as questões socioemocionais são mais complexas, porque dificultam o dia a dia”, diz Barreto.
O próximo passo é mensurar os resultados da simulação realística na seleção através de indicadores, diz Mariana Alecrim, coordenadora do CSR. Isso será feito por meio do cruzamento da avaliação do desempenho funcional dos colaboradores admitidos por processos dessa natureza com dados de retenção, promoção e melhora do cuidado em saúde.
Mudança no perfil do profissional de saúde
Esta demanda por novas habilidades dos profissionais de saúde é fruto também da mudança do perfil dos pacientes, que desejam cada vez mais fazer parte das decisões sobre seu cuidado. Com isso, a figura do médico que toma as decisões apenas as repassando ao paciente dá lugar a um profissional capaz de oferecer empatia e boa comunicação, com compartilhamento de cuidado.
Além disso, com a incorporação de tecnologias no dia a dia e a pressão pelo entendimento de como funciona uma instituição de saúde – e seus respectivos desafios de ordem de recursos e eficiência –, também entram em cena outros atributos. Trabalho em equipe, integração multiprofissional, capacidade de firmar boas relações, consciência situacional e capacidade de tomada de decisão são alguns deles.
Mas não são só os candidatos que passam por uma avaliação. Os avaliadores também passaram a ser questionados. “Às vezes, os candidatos fazem mais perguntas ao longo do processo seletivo do que o recrutador”, salienta Eliane Ramos, presidente da diretoria executiva da Associação Brasileira de Recursos Humanos Brasil. “Como é a diversidade e inclusão? Quantas mulheres há em cargos de liderança? Porque como mulher, quero saber se vou ter obstáculos para avançar na minha carreira.”
Barreiras na área de recrutamento
A inclusão de simulação realística, IA e realidade virtual nos processos seletivos têm demonstrado resultados empíricos positivos, mas há barreiras na expansão do uso destes recursos. A primeira é a questão do tempo demandado, já que o método exige dedicação para a elaboração de provas, cenários e casos, além da avaliação posterior. Nesse caso, segundo Miriam Branco, a expectativa é que o tempo economizado na triagem, feita de forma automatizada, seja dedicado à etapa da simulação.
Para Alecrim, outro desafio passa pelo apoio da liderança na adesão a novos modelos de processos seletivos: “Quando fizemos o primeiro processo utilizando a simulação, ficamos naquela tensão de entender como seria esse modelo, mas tivemos apoio e isso foi fundamental.”
As especialistas destacam ainda a importância de manter o contato humano ao longo da jornada do candidato, mesmo com o uso das tecnologias. “A tecnologia vem para nos tirar do modo automático. Com isso, o profissional de RH tem mais tempo para pensar e desenvolver atividades estratégicas, para cuidar do engajamento do time da instituição e garantir que esse candidato tenha uma boa experiência ao longo da seleção”, aponta Ramos.
Além disso, a personalização surge como uma forma de ajustar o processo seletivo às particularidades dos candidatos – o que ganha espaço no contexto que valoriza a diversidade. Um exemplo é o de olhar com mais cuidado para processos seletivos que envolvam candidatos diagnosticados com algum tipo de neurodivergência. Neste sentido, Ramos defende que o papel do ser humano na definição do processo ainda é fundamental para promover a igualdade de oportunidades.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.