Avanços da RNDS, integração de dados e interoperabilidade são prioridades do Datasus
Avanços da RNDS, integração de dados e interoperabilidade são prioridades do Datasus
Com fama de estar atrasada no processo de transformação digital, […]
Com fama de estar atrasada no processo de transformação digital, a saúde corre atrás do tempo para conseguir evoluir em suas ferramentas, trazendo mais eficiência no cuidado e controle de desperdícios. No entanto, a quantidade e complexidade das informações fazem com que esse seja um trabalho complicado, mesmo para um país como o Brasil que possui o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, o Datasus, responsável por assuntos como sistemas, prontuários e dados já há alguns anos, antes até da criação da Secretaria de Saúde Digital no começo de 2023.
Nos últimos anos, criaram-se grandes expectativas para as ações do Datasus, em especial por conta da popularização da tecnologia e da necessidade do SUS em avançar nessa área, mas em um cenário de aumento de demanda, diversas possibilidades tecnológicas e orçamento apertado, é preciso escolher frentes prioritárias de atuação.
Futuro da Saúde conversou com especialistas para entender quais devem ser essas prioridades frente às necessidades da saúde e as dificuldades para conseguir avançar no tema. Eles também fizeram um balanço sobre o trabalho do Datasus até aqui, com seus erros e acertos.
A integração dos dados e sistemas, a interoperabilidade com a saúde suplementar, a regulamentação de terminologias, a busca por inovação e a disponibilização de informações para o uso de pesquisadores e cientistas estão no topo da lista. O diálogo entre o mercado e os órgãos públicos também é um ponto que deve ser perseguido pelo Ministério da Saúde.
Essas, inclusive, foram questões elencadas pela Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS) e entregues à equipe de Transição do Governo Federal, o que mostra que há uma consonância sobre as demandas. Outras entidades do setor também entregaram documentos com propostas semelhantes, onde a aceleração do processo de transformação digital foi ponto comum.
Com um convênio com o Ministério da Saúde para ser o elo entre a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) e o mercado, toda a cadeia produtiva e desenvolvedores de software, a SBIS aguarda uma reunião com o Datasus para alinhamento, o que pode contribuir com o tema da interoperabilidade e a integração de dados.
“A gente já tem esse acordo de cooperação, com duração pra cinco anos e que foi firmado no final do ano passado. É isso que a gente precisa alinhar com as novas lideranças do governo. Já encaminhamos uma solicitação de audiência, então em breve nós devemos sentar para discutir esse acordo”, afirma Luis Gustavo Kiatake, diretor de Relações Institucionais da SBIS.
Retomada da qualidade e avançar na RNDS
“O Datasus tem sido um grande exemplo para outros países em desenvolvimento, em relação à qualidade e a completitude dos dados que historicamente coletam. Os nossos dados de nascimento e dados de óbito são considerados referência para vários países do mundo, com uma cobertura de mais de 95%. Muitos países mais desenvolvidos e menores que o Brasil não conseguem atingir”, afirma Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho, diretor do diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) e professor de machine learning em saúde na Universidade de São Paulo (USP).
No entanto, esses dados deixaram de ser atualizados com a precisão de antes, sendo 2020 a informação mais recente disponibilizada. Por conta da pandemia de Covid, ataques hackers e cortes orçamentários, houve dificuldades na publicação dessas informações, assim como uma redefinição de prioridades.
Por isso, Chiavegatto aponta que um dos principais pontos que merecem atenção é a retomada da qualidade e divulgação desses dados, importantes para a construção de políticas públicas no país. A partir daí, outros avanços importantes serão possíveis, como a ampliação da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS).
Considerada um dos principais marcos da transformação digital na pandemia, a RNDS integra os dados de saúde da população brasileira. Com a Covid-19, essa rede focou no registro de exames e vacinas aplicadas contra a doença, que foram disponibilizados através do ConecteSUS. O fortalecimento da RNDS faz parte da Estratégia de Saúde Digital 2020-2028, plano de ação brasileiro para a transformação digital na saúde pública.
“A Estratégia não mudou do governo anterior para esse. Eles tomaram uma decisão muito sábia de ir adiante com esse projeto, que já tinha sido cozinhado na gestão anterior. Isso foi muito bom, porque há muitos ganhos de visão e que não deve mudar. O governo anterior, aliás, simplesmente acabou não sendo reconhecido, apesar de ter feito um trabalho muito interessante nesse aspecto”, aponta Guilherme Zwicker, diretor executivo da HL7 Brasil e chief medical informatics officer (CMIO) da CTC.
Integração de dados e sistemas no Datasus
Um estudo elaborado em 2021 por pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entre eles Giliate Coelho Neto, ex-diretor do Datasus, apontou que a atenção primária na saúde pública utiliza cerca de 31 sistemas diferentes, dos quais apenas 12 deles estão integrados ao prontuário eletrônico.
A integração desses sistemas e uma consequente unificação dos dados é outra prioridade. Isso poderia colaborar com o atendimento ao paciente, com um melhor aproveitamento do tempo dos profissionais da saúde e uma redução de desperdícios. Essa integração precisa estar ligada à RNDS, onde médicos e enfermeiros possam consultar o histórico de saúde da população para uma maior assertividade.
“É preciso pensar no futuro e ampliar o tipo de divulgação, coleta e registro de informação de saúde, começando pelo prontuário eletrônico integrado, onde cada paciente tem o seu prontuário eletrônico e o médico responsável consegue acessar, independentemente do hospital que ele está. Obviamente, sempre com muito cuidado em relação à privacidade dos pacientes”, aponta o diretor do Labdaps, Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho.
Chiavegatto ainda aponta que o avanço no uso de prontuário eletrônico para a coleta de informação é um ponto que contribuiria nessa área. Apesar de não ser fácil, em razão de sistemas antigos que necessitam de mais atenção para efetivar essa comunicação, essa integração na esfera pública é possível. Requer, no entanto, recursos e priorização.
Interoperabilidade
Essa integração no próprio SUS não é a única prioridade quando falamos de dados de saúde. A interoperabilidade de informações com a saúde suplementar também é vista com urgência e compõe um dos pilares da Estratégia Saúde Digital, mas é considerada mais complexa. Isso porque requer diálogo e participação de diferentes players, incluindo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
“Existem vários interesses que nem sempre são compatíveis. Você vai ter que lidar com os interesses das operadoras de saúde, dos hospitais, dos profissionais de saúde e dos pacientes, que muitas vezes são conflitantes. Esse vai ser o principal desafio, articular isso e garantir que todo mundo vai contribuir para o objetivo final, que é melhorar a saúde dos brasileiros”, explica Chiavegatto.
Para Guilherme Zwicker, diretor executivo da HL7 Brasil, o caminho poderia ser semelhante ao que ocorreu nos Estados Unidos, onde foi criado um núcleo envolvendo fabricantes, desenvolvedores e o governo americano para a construção de uma política que definisse as regras para o compartilhamento de informações, que culminou na 21st Century Cures Act, a lei que rege acesso de dados de saúde. A HL7 teve participação ativa no processo.
“O Datasus avançou algumas questões estratégicas de um núcleo de interoperabilidade dentro de alguns requisitos, como o de vacinas. A gente já tem ali algum prenúncio do que deve ser o BR CORE, como os núcleos de artefatos de interoperabilidade para que a informação seja processada de maneira mais fluida, sem esquecer questões de consentimento e segurança”, explica Zwicker.
Ele explica que o papel do Datasus nesse momento seria estabelecer requisitos para a troca de informação, assim como as terminologias que devem ser utilizadas para cada item da saúde e que devem ser preenchidos. Hoje cada sistema utiliza suas próprias nomenclaturas e definições, o que torna inviável, sem uma tradução e organização das informações, a interoperabilidade dos sistemas.
Zwicker aponta ainda que até houve tentativas nesse sentido, como a criação de um modelo informacional de Registro de Atendimento Clínico (RAC), que explica de forma teórica quais campos e informações são indispensáveis para o preenchimento durante uma consulta, mas não foi disponibilizado um modelo computacional, isto é, disponível para download e utilização das empresas. Sem diálogo e ações nesse sentido, o mercado não deve adotar tais modelos.
“Você precisa dar os instrumentos para que os fabricantes de software se sintam à vontade com aquilo e usem os recursos que estão disponíveis. Isso não existe hoje. O maior gap hoje é que o regulador, o Datasus ou quem quer que seja se sente em par de igualdade e numa conversa franca com aqueles que vão adotar o que estão publicando”, conclui.
Disponibilidade de dados para pesquisa e IA
Com o avanço das ferramentas de inteligência artificial no auxílio ao diagnóstico, tratamento e gerenciamento da saúde, surge a demanda para que o Datasus, em parceria com o Departamento de Inovação, inicie um processo de fomento a essas tecnologias, que podem auxiliar profissionais da saúde em todo o sistema.
Para Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho, “à medida que coletamos tantos dados na saúde e esses dados estão digitalizados no prontuário eletrônico, você aumenta o potencial de uso do aprendizado desse algoritmos para auxiliar em decisões difíceis, principalmente nas áreas mais remotas do Brasil, onde você às vezes só tem um único médico na região inteira, mas que não tem o especialista para encaminhar esse paciente”.
Esses dados também devem ser disponibilizados para empresas e pesquisadores realizarem testes de ferramentas inovadoras, visto a quantidade de informações e o tamanho da população, e que possam contribuir com o SUS e a saúde de forma geral. No entanto, é preciso garantir a segurança, a privacidade dos pacientes e criar uma regulamentação própria para o tema.
A integração de dados e a disponibilidade de acesso da população a eles, via Conecte SUS, pode inclusive ser o caminho para que a própria pessoa tenha autonomia para liberar suas informações para serem utilizadas em pesquisa. Essa demanda, inclusive, foi sinalizada por Guilherme Zwicker. Ele aponta que mesmo na construção das políticas relacionadas ao Datasus a participação do usuário ainda é muito limitada e precisa ser ampliada, principalmente por meios digitais.
Sob nova direção e o papel da Secretaria
A criação da Secretaria de Saúde Digital foi celebrada pelo mercado, pesquisadores e gestores, assim como a nomeação de Ana Estela Haddad para assumir a pasta. O Datasus passa a estar ligado à Secretaria, o que pode contribuir com o espaço que o tema ocupa no Ministério da Saúde, ganhando visibilidade e força para a formação de políticas e a conquista de recursos.
“Finalmente teremos um direcionamento para a saúde digital. Essa área está transformando a saúde de vários países e tem um potencial de melhorar decisões, desde o primeiro momento que o paciente chega em relação a triagem e encaminhamento até questões de decisões clínicas, diagnóstico e intervenções”, comemora o diretor do Labdaps.
Contudo, o anúncio de Sérgio Rosa como novo diretor do Datasus não provocou a mesma empolgação, principalmente pelo fato de ser desconhecido no setor. Rosa foi diretor do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e é servidor aposentado do próprio Departamento que assume agora.
Na visão de Guilherme Zwicker, com a criação da Secretaria de Saúde Digital, ela deve assumir o papel de dialogar com outros órgãos públicos e com o mercado, que antes poderia ser do diretor do Datasus. “Aí você cobra os requisitos técnicos para um burocrata. Nessa estrutura que está organizada hoje não vejo problemas no diretor ser um técnico, que não tenha holofotes sobre ele, que inclusive pode trabalhar mais tranquilo”, defende.
Recebar nossa Newsletter
NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.