Como o mundo se prepara para novas pandemias
Como o mundo se prepara para novas pandemias
Cientistas afirmam que pode não demorar muito para novas pandemias acontecerem, mas órgãos mundiais e instituições privadas já adotam ações para se preparar
Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o cenário de Covid-19 uma pandemia global. Quase quatro anos após o anúncio, foram mais de 20 milhões de mortes no mundo. Mais recentemente, um surto de pneumonia na China também entrou nos noticiários e acendeu alertas. Especialistas em doenças infecciosas, epidemiologistas, analistas e instituições internacionais de saúde não têm dúvidas: não demorará muitos anos até que o mundo viva novas pandemias. Por isso, instituições como a própria OMS, governos e até mesmo empresas têm se debruçado em desenvolver iniciativas para mapear as possíveis novas ameaças e iniciar ações de forma organizada e que preservem a equidade.
O tema está até mesmo na pauta do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que ocorre de 15 a 19 de janeiro. A ministra da Saúde, Nisia Trindade, participou de um painel sobre o assunto. “Não sabemos quando nem qual será a próxima emergência sanitária, mas devemos nos preparar para ela. O tempo da resposta política é decisivo”, afirmou em seu perfil na rede X. “Eventos climáticos extremos têm impacto amplo e grave na saúde. Devemos preparar os sistemas de saúde não apenas para emergências sanitárias, mas também climáticas”, completou.
Com a possibilidade de novas situações assim, fica a pergunta: os sistemas de saúde estão preparados para uma nova pandemia? Isso porque a primeira do Século XXI abriu uma janela de oportunidade para repensar a forma como os países se preparam para crises de saúde pública. Embora tenha sido devastadora, a Covid-19 também trouxe oportunidades para explorar as lições que podem ser aprendidas com os erros cometidos no tratamento dessa crise sanitária, a fim de que a sociedade esteja preparada para o futuro.
Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), acredita que a preocupação com uma nova pandemia é mundial. Segundo ele, a OMS vem trabalhando exatamente em cenários e modelagens para “conseguir identificar mais rapidamente esses novos riscos e principalmente atuar em prol de fazer uma contingência ou mitigar os riscos de disseminação e mortalidade”.
Por outro lado, Celia Landmann Szwarcwald, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), salienta ser uma tarefa difícil se preparar para surtos de doenças infecciosas, principalmente quando os meios de transmissão são desconhecidos: “A preparação para o controle de epidemias é baseada no desenvolvimento de equipamentos de proteção e produção de novas drogas e vacinas”.
Ela lembra que, mesmo quando os meios de transmissão são conhecidos, doenças como a tuberculose e a dengue ainda não foram eliminadas em vários países, inclusive no Brasil: “A epidemia de HIV surgiu há mais de 40 anos e ainda não foi controlada em grande parte do mundo”, exemplifica.
Ampliação das redes de vigilância
A organização para futuras epidemias e pandemias considera uma abordagem diversificada, centrada em vários agentes patogênicos, intervenções e populações. Conforme Chebabo, uma das alternativas, já realizadas no cenário mundial, é ampliar as redes de vigilância, utilizando mecanismos de detecção precoce e de vigilância em laboratórios preparados para esse fim:
“Isso tem acontecido principalmente nos Estados Unidos, mas a OMS tem tentado fazer o mesmo em outros países para detecção mais precoce de circulação viral, assim como investir em vigilância de redes sociais onde se consiga detectar mais rapidamente os rumores de novas doenças e surtos que estejam”.
Outro exemplo é a vigilância genômica – onde o genoma do vírus é sequenciado e monitorizado quanto às alterações –, essencial para identificar mutações que possam prejudicar as medidas de controle da doença, incluindo a eficácia da vacina. Ela emerge como uma ferramenta crucial para identificar surtos em estágios iniciais.
O Brasil possui infraestrutura adequada para essa vigilância, com instituições como a Fiocruz e os Lacens (Laboratórios Centrais de Saúde Pública do Ministério da Saúde) prontas para realizar o monitoramento genômico, como lembra Vagner Simões, country manager da Illumina Brasil. Apesar dessa capacidade, um desafio que persiste é a testagem em massa: “A ausência de testagem generalizada dificulta a identificação precisa do agente patogênico, comprometendo o tratamento adequado em casos mais graves e a dificuldade no monitoramento eficaz de um possível aumento no número de infecções.”
Simões acredita ser fundamental que os especialistas de saúde estejam atentos à possibilidade de surto e defende a realização de testes, diagnósticos precisos, vigilância genômica e tratamentos adequados para hospitalizados.
Ele ainda indica que empresas do setor de saúde e tecnologia busquem dialogar com o governo para apresentar as tecnologias disponíveis e discutir maneiras de contribuir, fornecendo ferramentas que possam aprimorar a detecção e monitoramento de surto: “Essa colaboração entre setor privado e público pode desempenhar um papel crucial na melhoria da resposta do país a eventos epidemiológicos”.
Como exemplo, Celia Landmann Szwarcwald afirma que nos EUA os testes e a vacinação de Covid-19 são feitos gratuitamente nas farmácias. No Brasil, os primeiros testes de anticorpos eram feitos apenas no setor privado e com valores elevados, além de não serem cobertos pelos planos de saúde. Os testes rápidos de PCR são feitos nas farmácias, mas são pagos: “O setor privado poderia ter tido uma colaboração maior no Brasil”, sinaliza.
O Brasil está preparado para outra pandemia?
O Índice Global de Segurança Sanitária de 2021 conclui que nenhum país “está verdadeiramente preparado para a próxima pandemia”. Outro estudo, da Airfinity, empresa de informação e análise científica sediada em Londres que trabalha com governos, investidores, empresas farmacêuticas e meios de comunicação, e desenvolve estudos preditivos, fala que a probabilidade de uma pandemia pelo menos tão mortal como a da Covid-19 possa ocorrer nos próximos 10 anos é de 27,5%.
Com essas reflexões em pauta, no Brasil, o Ministério da Saúde está colocando em prática uma inovação no campo da inteligência epidêmica que busca colocar o Brasil em condições de detectar em tempo possíveis surtos, pandemias e endemias. O Centro Nacional de Inteligência Epidemiológica, vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), utiliza tecnologias para detecção precoce, alertas, trocas de informações e planejamento de ações diante de possíveis riscos para a saúde pública. O Centro já saiu do campo das ideias e está sendo implantado em Brasília com uma sala de monitoramento, com vários painéis com atualização permanente de dados e ocorrências.
A pasta informou, em nota, que “a SVSA, por meio do Departamento de Emergências em Saúde Pública (DEMSP), atua em três eixos: a preparação, a vigilância e a resposta às emergências em saúde pública”.
Um exemplo dessas ações é o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz, o Bio-Manguinhos. Ele vai se tornar um laboratório de prontidão para produção de vacinas em situações de emergência sanitária. A partir da associação a uma rede formada pela Organização das Nações Unidas (ONU), o laboratório brasileiro será acionado para fornecer vacinas até mesmo para outros países, especialmente na América Latina, em caso de epidemia ou pandemia.
Iniciativas globais contra novas pandemias
No mundo, a Assembleia Mundial da Saúde – órgão de decisão da OMS formado pelas delegações de todos os seus 194 Estados Membros – definiu ainda em 2021 o estabelecimento do Órgão de Negociação Intergovernamental (INB) para redigir e negociar uma convenção, acordo ou outro instrumento internacional para fortalecer a prevenção, preparação e resposta a pandemias – como Futuro da Saúde já noticiou. Nessa mesma data foi anunciado que as conclusões desse órgão seriam submetidas à consideração da 77ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio de 2024.
Atualmente, os governos dos Estados Membros da OMS continuam seu trabalho de negociar e redigir o acordo. Em nota, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) disse que a “mais recente reunião do Órgão de Negociação Intergovernamental terminou em 6 de dezembro de 2023, ocasião em que os governos concluíram a revisão do texto de negociação do acordo sobre a pandemia apresentado pela Mesa do INB nomeada pelos Estados Membros”. O próximo encontro está previsto para fevereiro.
Nesta reunião, as delegações dos Estados Membros da OMS discutiram uma vasta gama de elementos críticos, incluindo a vigilância da pandemia e da saúde pública, a abordagem de Uma Só Saúde (também chamada de “Saúde Única”) e o reforço da preparação, prontidão e resiliência. A entidade ainda informou que “é preciso aplicar as lições aprendidas com a pandemia e abordar ativamente as atuais vulnerabilidades para estar mais bem preparado para enfrentar novas ameaças à medida que elas surjam”.
Outro ponto que está em pauta é a relação entre mudanças climáticas e pandemia. À medida que as alterações climáticas se elevam, aumentam as chances de novas pandemias, uma vez que o aquecimento global afeta os ecossistemas e pode provocar o surgimento de novos vírus pelas alterações nas interações entre os seres, por exemplo. Na abordagem de Uma Só Saúde, especialistas chamam essa relação de interligação entre a saúde humana, a saúde animal e a ambiental.
O Ministério da Saúde ainda revelou que outras propostas para ampliar a sensibilidade da captura de informações relevantes para emergência em saúde pública estão em andamento, com destaque para dois projetos relevantes: “Vigilância de águas residuais para detecção de patógenos com potencial de causar epidemias; e vigilância sindrômica, que consiste em monitorar, por meio de busca ativa nas unidades de saúde, diversos perfis de adoecimento da população atendida, como síndromes respiratórias e hemorrágicas”, informou a nota.
Um olhar para o futuro
Diante desse contexto, a Illumina lançou a Iniciativa Global de Acesso à Saúde, que pretende ampliar o acesso ao sequenciamento genômico para países emergentes. A ideia é fornecer insumos e tecnologias com preços reduzidos para uma série de aplicações, como sequenciamento genômico, incluindo perfis de resistência a medicamentos na tuberculose, sequenciamento do genoma completo de vírus emergentes e reemergentes para monitorar a evolução do vírus e apoiar a resposta a surtos, doenças respiratórias, detecção para vigilância de doenças semelhantes à gripe, águas residuais e outras aplicações de vigilância ambiental para rastrear patógenos e resistências antimicrobianas em nível populacional.
“O objetivo da iniciativa é estabelecer um quadro robusto e duradouro em termos de logística, preços, serviços, apoio e formação que promova a utilização coordenada da genômica para reforçar os sistemas de saúde e promover a saúde pública em escala global”, comenta Simões.
Outro aprendizado da pandemia foi lembrado por Celia Landmann Szwarcwald em relação à Fiocruz: “Foi criada a plataforma MonitoraCovid para monitoramento dos casos de Covid-19 por Estados, que foi extensamente usada pela mídia para mostrar a situação da epidemia para a população”. Celia ressalta que foram feitas pesquisas sobre as mudanças socioeconômicas e na situação de saúde dos brasileiros. Após o surgimento das vacinas, a participação da Fiocruz foi essencial para a produção nacional dos imunizantes.
Ainda sobre a prevenção para futuras pandemias, Chebabo, da SBI, afirma que a instituição tem tentado trazer o tema em alta na mídia e mantém conversas com os entes públicos: “Temos participado de algumas câmeras técnicas dentro do Ministério da Saúde em que a gente tem representatividade e trabalhado para tentar construir esse plano de contingência, de avaliação e vigilância no Brasil”.
Os especialistas ouvidos na reportagem também destacam a atuação em conjunto com o governo. De acordo com Simões, além das iniciativas privadas, é essencial um esforço conjunto do Congresso e do Senado para promover mudanças e aprimorar as políticas públicas relacionadas à prevenção, detecção e ao tratamento de surtos.
“Não sabemos quando ou como o próximo vírus, bactéria ou outro patógeno causador de uma pandemia pode surgir. Portanto, é imperativo investir na vigilância genômica de patógenos. Monitorar ativamente e compreender a diversidade genômica desses agentes possibilitam uma resposta mais ágil e eficaz diante de emergências de saúde, contribuindo para a proteção global contra ameaças inesperadas”, analisa.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.