Pós-Covid: como será o amanhã depois da pandemia?

Pós-Covid: como será o amanhã depois da pandemia?

Como será o amanhã? É hora mesmo de abolir as

By Published On: 25/03/2022

Como será o amanhã? É hora mesmo de abolir as máscaras? Quantas doses de vacina ainda teremos pela frente? O amanhã pós-Covid nunca mais será como ontem. Será sempre cercado de incertezas e com a presença quase real do fantasma de novas epidemias ou pandemias, devido ao provável surgimento de novos vírus, novos rearranjos genéticos, novas variantes e novos desafios.

Por outro lado, o amanhã pós-Covid será muito melhor em relação às novas tecnologias e às novas possibilidades de prevenção, por meio de vacinas, de vários microrganismos, como citomegalovírus (vilão dos transplantados e das gestantes), o vírus sincicial respiratório (vilão das bronquiolites nas crianças), entre outros.

Neste momento, estamos observando no nosso meio uma diminuição importante e desejada do número de hospitalizações, mortes, de positividade dos testes, ou seja, da circulação do vírus entre nós. Porém, quando olhamos para o continente europeu e asiático, observamos um fenômeno que, infelizmente, corremos o risco de ter por aqui. A sub variante da Ômicron, chamada de BA.2, está em muitos países da Europa, aumentando exponencialmente o número de casos e se tornando, inclusive, dominante em vários países, como a Dinamarca.

Já na Ásia, temos observado uma avalanche do número de casos da própria variante Ômicron, que não havia passado naquele continente antes. Eu, com mais de 30 anos de infectologia, nunca vi um microrganismo com uma capacidade tão robusta de disseminação e transmissão como a variante Ômicron, portanto acho impossível falar de zero casos de Covid. Temos que lidar, na verdade, com o objetivo de minimizar o impacto dessa variante, principalmente hospitalizações e mortes.

Abolir as máscaras ou não?

Máscara N95. Amanhã pós-covid.

E é exatamente nesse contexto, olhando para fora, para o aumento do número de casos, e, olhando para dentro, com uma diminuição do número de casos, que muitas capitais brasileiras resolveram abolir o uso da máscara. Usar ou não usar máscara? Eis a questão!

A máscara se mostrou um dos escudos mais importantes que tivemos durante esses últimos dois anos, em especial no primeiro ano, em 2020, onde não tínhamos nenhuma outra forma de proteção farmacológica, as vacinas. A máscara funcionou e continua funcionando como uma excelente barreira de proteção, tanto para você não se infectar como para não infectar os outros. 

Abolir a máscara em ambientes abertos eu sou totalmente favorável. Sabemos que o risco de contaminação no ambiente aberto não chega a 5%. Porém, pensar em abolir a máscara de uma forma universal, incluindo ambientes fechados, onde você passa mais horas no mesmo ambiente, como escolas, comércio com muita gente – farmácias, bancos, locais onde tiver aglomeração de pessoas e não tiver ventilação no local –, eu acho extremamente precoce e gostaria de mais cautela em relação a essa determinação.

Ao deixar opcional para a população, é claro que muitos vão preferir não usar. Com isso, as pessoas podem se expor e, principalmente, expor os outros, em especial com a possibilidade dessa sub variante da Ômicron, a BA.2, ainda poder chegar no nosso país.

Fazendo um paralelo com a pandemia de HIV, há mais de 30 anos, hoje é praticamente impossível a gente falar que sexo desprotegido é isento de riscos. É possível fazer o mesmo paralelo com a máscara. Não consigo me imaginar entrando, por exemplo, em um voo internacional sem o uso desse dispositivo. E não estou pensando só no coronavírus, mas também em outros possíveis microrganismos respiratórios que possam ser transmitidos. 

O uso das máscaras vai virar uma rotina entre nós, um hábito que nós olhávamos nos asiáticos e estranhávamos muito. As pessoas não vão estranhar, porque a decisão vai ser individual em muitos locais e obrigatória em outros locais. Creio que ainda por muito tempo.

Quantas doses de vacina vamos tomar?

Em relação ao número de doses de vacinas contra a Covid-19 que já tomamos e ao número que ainda virá pela frente, eu faria outro paralelo, dessa vez com o vírus da Influenza, da gripe. Se eu te perguntar hoje se está tomando a oitava, nona, décima ou 20ª dose da vacina da gripe, possivelmente você não vai saber responder.

Creio que a vacina da Covid-19 seguirá a mesma linha. Julgo que o mais importante será estar com as doses de reforço atualizadas, principalmente enquanto não tivermos vacinas mais novas, mais específicas e com respostas mais duradouras. Portanto, será, sim, rotineiro a gente tomar as vacinas de reforço.

E espero que essas atualizações considerando mudanças e rearranjos genéticos sejam frequentes. Afinal, sabemos hoje que a indústria tem uma capacidade de atualizar uma vacina, se necessário, em no máximo quatro meses. Não só atualizar, como produzir uma quantidade bastante suficiente para parte da população. 

Outro aspecto importante para discutirmos hoje, mas de olho no amanhã, é que teremos uma parte da população formado por transplantados, vivendo com HIV ou que de alguma maneira não responde a qualquer vacina, inclusive a de Covid-19, que continuará mais vulnerável a essa doença. Para tanto se faz obrigatório o uso e aprovação de novos medicamentos, principalmente os antivirais como molnupiravir e paxlovid, no sentido de termos acesso a drogas que sejam orais e que possam ser usadas precocemente até o quinto dia do início dos sintomas, exatamente para essas pessoas que têm um risco maior de evoluir para uma forma mais grave da doença.

Estamos aguardando a Anvisa liberar essas novas drogas e, mais importante do que a liberação, é termos através do Ministério da Saúde o acesso universal delas para as pessoas que se beneficiarão com seu uso. Creio o melhor caminho para essas definições será estabelecer protocolos bem definidos, guias terapêuticos em relação a qual paciente vai se beneficiar com essas drogas, fazendo uma análise de custo-efetividade.

Vacinas evoluem, mas cobertura vacinal está baixa

Mesmo com todo esse cenário de pandemia e a atenção que foi dada à importância da vacinação, estamos assistindo a uma queda sem precedentes na cobertura vacinal. Se hoje temos uma expectativa de vida mais longa, é graças à biotecnologia. E dentro da biotecnologia, eu destacaria a imunização, as vacinas. Mas a cobertura tem diminuído, o que pode implicar no retorno inimaginável a essa altura para várias outras doenças.

Estou me referindo a casos de poliomielite, recentemente descritos inclusive em um país como Israel. Lembrando que a poliomielite, a paralisia infantil, é uma doença mutilante, que pode levar à morte. É uma doença que pode levar a sequelas permanentes, causada por um poliovírus totalmente controlável através do simples gesto da vacinação.

Da mesma maneira estamos muito preocupados com a real possibilidade da recirculação do vírus do sarampo aqui nas Américas. Justamente devido à baixa busca da vacinação infantil.

Desafios para 2022 e o amanhã pós-Covid

O fato de nestes últimos dois anos termos tido menos convívio social, em especial as crianças, fazem com que o nosso sistema imune tenha “esquecido” de como lidar com alguns vírus como influenza, vírus sincicial respiratório, e tantos outros. Portanto, temos para 2022 a possibilidade de casos mais intensos e em maior número de algumas doenças que tivemos muito menos contato nestes últimos dois anos. 

Assim, teremos em 2022 um ano desafiador por vários motivos. O primeiro, econômico. O segundo, saúde mental, tão abalada durante a pandemia. E terceiro, em relação a resgatar a confiança na prevenção de doenças através da vacinação, incluindo a gripe.

Mas voltando à pergunta inicial desse artigo, como será o amanhã pós-Covid? No amanhã, teremos uma geração, que hoje são crianças, muito mais ligadas em relação à prevenção, à importância de higienizar as mãos, de passar álcool, de usar uma máscara, de deixar de beijar os avós, se necessário. Uma geração que viveu a realidade de uma pandemia sem precedentes e que deve ter como legado para o seu futuro um mundo melhor.

E no geral, vai depender do que nós fizermos hoje. De que as decisões sejam tomadas muito mais baseadas na ciência do que no momento político. O amanhã poderá ser muito melhor que o hoje. Temos condições para isso. O problema é que ainda não percebemos que o amanhã só depende de nós.

Rosana Richtmann

Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

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Infectologista do Instituto Emílio Ribas, Chefe do Departamento de Infectologia do Grupo Santa Joana e Membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia, de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização e do Comitê Permanente em Assessoramento de Imunização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É graduada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e possui Doutorado em Medicina pela Universidade de Freiburg, na Alemanha

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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