No início da pandemia, em meados de marco 2020, eu estava na África (Tanzânia, Zanzibar e Quênia) de férias. Tive que enfrentar um retorno muito complicado, devido ao fechamento das fronteiras africanas com outros países. Eu, assim como várias outras pessoas, imaginava que a pandemia do novo coronavírus iria assolar o território africano. Não era algo tão improvável devido à falta de assistência em saúde, a escassez e profissionais e as limitações relacionadas à infraestrutura e à vigilância epidemiológica.
Mas, ao contrário do esperado, a África não apareceu nas manchetes catastróficas características desta pandemia.
O que está acontecendo por lá?
Será que eles souberam enfrentar a pandemia com barreiras eficazes, com isolamento sócio geográfico? Será que não estão relatando a realidade dos fatos?
Estudando o assunto e usando a África do Sul como exemplo, por ser um país melhor estruturado que a média dos países africanos, vemos várias hipóteses. Será que a população jovem, menor densidade populacional, clima quente e úmido poderia explicar os bons números da Covid no continente africano?
Uma mistura de características socioeconômicas, em combinação com menor densidade populacional, menor mobilidade, clima quente e úmido e idade mais jovem da população (60% têm menos de 25 anos de idade) são fatores que podem estar por trás da explicação. A título de comparação, a média de idade na Espanha é de 45 anos, e a do Quênia e Malawi, 18 e 20 anos, respectivamente.
Em relação aos números, a população no continente africano é 4 vezes maior que a população dos Estados Unidos. No entanto, o número relatado de pessoas que foram confirmadas com Covid-19 na África foi 5 vezes menor que nos EUA. Na África, foram cerca de 1,5 milhão de casos e aproximadamente 35.000 mortes. Nos EUA, foram mais de 7 milhões de infectados e 200.000 mortes.
Na minha opinião as medidas de saúde pública adotadas precocemente, com isolamento territorial dos países foi o principal fator. Quando eu caminhava pelos lugares longínquos no interior de Zanzibar, as crianças nos avistavam, e saíam correndo gritando: “Corona, Corona”. É uma cena dura para um visitante estrangeiro, porém totalmente justificada e importante para a proteção deles.
Além disso, precisamos lembrar que doenças como a obesidade e o diabetes são muito menos frequentes na população africana. Outro aspecto a ser considerado é a imunidade cruzada, previamente adquirida pelo contato com outro coronavírus. Soma-se a isso mais alguns elementos como a menor possibilidade de viagens, viver fora de casa, em ambientes abertos e ventilados, e a experiência prévia com outras pandemias. Ou seja, tudo junto poderia explicar o cenário por lá.
Baixa testagem é um fator preocupante
Há ainda que se refletir sobre a quantidade de testes aos quais a população foi submetida. A testagem baixa e heterogênea pelos países africanos pode ter impactado os baixos números documentados. Só para termos uma referência, na África do Sul, em outubro 2020 realizaram-se 74 testes a cada 1000 pessoas, Nigéria 2,7/1000 comparado ao Reino Unido e EUA 349/1000 e 381/1000 pessoas, respectivamente.
Dados sobre imunidade populacional nos deixam mais intrigados ainda. Estudo publicado com dados do Quênia mostra que 1 a cada 20 quenianos já apresentam anticorpos contra o novo coronavírus. Ou seja, estão imunes. Mas como? Será infecção passada?
Outro estudo feito em Malawi chega a números que de 500 profissionais da saúde assintomáticos, 12,3% testaram positivo, sendo que neste local houve somente 17 mortes registradas por Covid, um número 8 vezes menor que o esperado.
Em Moçambique, em uma localidade com 750.000 habitantes, estima-se que de 3% a 10 % da população testou positivo, mas no registro oficial constam apenas 300 casos e somente 16 mortes confirmadas pela Covid-19.
Como explicar este gap entre a presença de anticorpos e o número oficial de mortes?
Será que a média de idade jovem é o fator principal?
Será que infecção prévia por outros coronavírus, causadores de resfriado comum, poderiam conferir proteção cruzada?
Será que a exposição frequente a outros agentes infecciosos, como malária, poderia fazer um tipo de preparação do sistema imunológico para enfrentar outros patógenos novos? Serão fatores genéticos?
Nos últimos dias, a OMS tem relatado um substancial aumento do número de mortes relacionadas à Covid-19 na África, com aumento em 14% em relação a semanas prévias.
O fato é que temos ainda muitos mistérios a serem desvendados mas, inicialmente, fico feliz em saber que, apesar de todo o dano deixado pela pandemia até o momento, povos menos favorecidos economicamente como a população africana, estão apresentando “defesas alternativas” merecedoras de profunda reflexão.