Ministério pactua regulamentação da Política Nacional do Câncer, mas entidades cobram divulgação de portarias

Ministério pactua regulamentação da Política Nacional do Câncer, mas entidades cobram divulgação de portarias

Em reunião da CIT, Ministério, Conass e Conasems aprovam três portarias que regulamentam a Política Nacional do Câncer

By Published On: 05/02/2025
Entidades criticam divulgação pela metade sobre a regulamentação da Política Nacional do Câncer.

José Barreto apresenta durante a CIT o cenário do câncer no país e as portarias que foram pactuadas (Foto: Mateus Vidigal/CONASEMS)

O Ministério da Saúde avançou no processo de regulamentação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC). No último dia 30, três portarias relacionadas a ela foram pactuadas com estados e municípios, no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite (CIT). Contudo, apesar de ser considerado um passo importante, representantes de sociedades médicas e de entidades de pacientes aguardam a publicação definitiva das portarias no Diário Oficial da União (DOU) para realizar uma avaliação. Não há divulgação por parte do Ministério da Saúde sobre quando isso deve ocorrer, o que gera incerteza sobre os próximos passos.

A pactuação foi celebrada como uma vitória pelo secretário de Atenção Especializada à Saúde, Adriano Massuda, e pelo coordenador-geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer do Ministério da Saúde, José Barreto. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais  de Saúde (Conasems) não mostraram divergências. 

Segundo apresentação do Ministério, três das quatro portarias previstas no âmbito da regulamentação já estão finalizadas. Além da PNPCC, elas tratam da criação da Rede de Prevenção e Controle do Câncer (RPCC) e do Programa Nacional de Navegação de Pessoas com Diagnóstico de Câncer no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A operacionalização do acesso a novas tecnologias de medicamentos oncológicos ainda não foi concluída e segue em discussão.

“É muito bom ver o interesse do Ministério, o empenho que estão fazendo pra tentar fazer com que a lei aconteça na prática. Mas ainda não há o que comemorar. O que temos até hoje são discussões sobre o que deve ser feito. Coisas que são perfeitas no papel, mas que podem não funcionar na prática. A coisa mais importante agora é acompanhar para ver o que vai acontecer com os pacientes”, observa Nelson Teich, ex-ministro da Saúde e membro do Comitê de Políticas Públicas da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

A regulamentação da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer também foi pauta de audiência pública ocorrida nesta terça-feira, 4, Dia Mundial de Combate ao Câncer, na Câmara dos Deputados. A pasta esteve presente e apresentou o slogan utilizado na divulgação da regulamentação, “Tempo é vida”.

“Essa é uma política que vai consolidar, integrar e deixar o SUS dentro da oncologia e a oncologia dentro do SUS. A oncologia cresceu um pouco fora do SUS por conta de uma rede que tinha uma atenção na doença crônica. Agora temos uma rede específica, capaz de enxergar todos os aspectos”, disse José Barreto, durante a audiência pública.

Contexto da Política Nacional do Câncer

Sancionada em dezembro de 2023, a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer foi considerada um marco para a oncologia no país. Isto porque trouxe um direcionamento para o país estruturar um sistema que colabore com o diagnóstico precoce, tratamento e cuidados paliativos

Estimativas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) apontam que o país terá, entre 2023 e 2025, 704 mil casos novos de câncer por ano. A doença deve se tornar a primeira causa de morte no Brasil até 2030, ultrapassando as doenças cardiovasculares. Com o envelhecimento da população e a falta de estrutura pública para atendimentos, além de outros fatores genéticos e de estilo de vida, há pressão da sociedade para que haja mais investimentos na oncologia do país.

“É a primeira vez que o próprio Ministério da Saúde assume uma política para levar para dentro das secretarias como algo que vai direcionar todo o trabalho. Isso já é algo que julgo muito positivo e faz com que nós, da organização civil, cumpramos nosso papel de fiscalizar. Agora vamos acompanhar o que efetivamente vai acontecer na vida das pessoas”, avalia Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida.

Apesar da lei ter entrado em vigor em junho de 2024, 180 dias após sua publicação, o Ministério da Saúde só trouxe a público o andamento da regulamentação na última semana. Ao longo do ano passado, ocorreram reuniões do Conselho Consultivo da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer e do Instituto Nacional de Câncer (Consinca), que tratou, entre outros temas, sobre a regulamentação.

Contudo, entidades representativas que participaram das reuniões não tiveram acesso ao conteúdo das portarias que irão regulamentar a Política, o que tem gerado críticas de especialistas, que cobram participação social na prática. Os textos também não foram colocados em consulta pública.

“Os membros do Consinca não sabem o que consta no texto. Foi uma construção muito fechada e não está aproveitando a inteligência dispersa na sociedade. Isso já é sintoma de um grande problema gerencial. Torço para estar errado e no futuro parabenizar por ser uma regulamentação extraordinária, mas sigo muito descrente de que isso vai acontecer”, afirma Tiago Farina Matos, advogado sanitarista e conselheiro de advocacy de entidades da saúde.

De acordo com especialistas ouvidos pelo Futuro da Saúde, as apresentações do Ministério da Saúde na CIT e na Câmara dos Deputados sobre a regulamentação não trouxeram os detalhes necessários para entender como se dará esse processo. Por isso, é preciso que as publicações sejam feitas para haver uma melhor avaliação.

“A regulamentação é que direciona os caminhos corretos para a implementação efetiva da lei. Sem ela, a política não se reverte em benefício para a população. A previsão é de que seja implementada por meio da criação da Rede de Prevenção e Controle do Câncer no SUS, junto a um Programa de Navegação e outro, ainda pendente, de acesso à medicamentos em oncologia. Mas as portarias ainda não foram publicadas”, avalia Maira Caleffi, presidente e fundadora da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama).

Críticas ao processo

Além de críticas sobre as portarias não terem sido publicadas ou mesmo divulgadas, o atraso no debate sobre a operacionalização do acesso às novas tecnologias de medicamentos oncológicos, assim como a atualização do Componente da Assistência Farmacêutica em oncologia (AF-Onco) também chamam atenção dos especialistas.

Isso porque é considerado parte essencial da discussão, já que existem diversos medicamentos incorporados pelo Ministério da Saúde que não estão disponíveis aos pacientes, por falta de atualização nos valores, nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) ou nos códigos no Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (SIGTAP).

“O ideal é que tivesse sido resolvido logo, mas tem uma grande discussão sobre o tema e é preciso alinhar União, estados e municípios. Óbvio que quanto mais rápido tivesse sido organizado, melhor. Mas se sair no mês que vem, temos alguma coisa adicional e seguimos. O mais importante é ver o que vai acontecer na prática. Saíram três das quatro portarias, vamos acompanhar pra ver o que está acontecendo”, observa Nelson Teich.

Para Tiago Farina Matos, a portaria que não foi pactuada ainda era exatamente a mais importante, já que tem potencial de trazer soluções práticas para problemas atuais. Por isso, considera essencial que os temas sejam tratados de forma conjunta, além da divulgação sobre o conteúdo das portarias.

“A regulamentação do artigo 10 da lei fala que a compra vai ser centralizada e descentralizada, quem vai pagar para que o paciente realmente tenha acesso, entre outros fatores. Mas temos uma lista de mais de 10 medicamentos oncológicos que foram incorporados e não estão chegando ao paciente, porque ninguém resolve”, argumentou o conselheiro de advocacy.

Entre os entrevistados, ainda não há clareza de como vai funcionar a política na prática, se o Ministério usará as estruturas existentes no SUS para adaptar os serviços, mudando a abordagem dos profissionais em todos os níveis de atenção, ou se serão construídas novas estruturas. Mesmo o anúncio da Rede de Prevenção e Controle do Câncer não trouxe informações suficientes ao público.

“Tenho um pouco de dificuldade de entender esse desenho que o Ministério está fazendo. Acredito que quando isso estiver em funcionamento vamos conseguir enxergar um pouco melhor. Quando esse detalhamento vier nessa publicação das portarias também a regulamentação vai ser a alma de tudo isso”, observa Marlene Oliveira.

A presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida observa que houve um atraso para essa regulamentação sair, mas que entende que a máquina pública tem suas burocracias. Ela defende que é preciso tornar os processos mais ágeis: “A força do Legislativo é quem muitas vezes pressiona essa máquina. Se não fosse o Legislativo trabalhar para que saísse essa lei, não teríamos hoje o câncer como uma prioridade nacional. Ainda não chegamos a esse estágio, mas estamos trabalhando para que seja em breve.”

Próximos passos

Sendo uma lei com grande impacto para a saúde pública, os especialistas cobram que seja colocada em prática o quanto antes, já que os resultados podem demorar a aparecer, reduzindo a mortalidade, ampliando o diagnóstico precoce e trazendo mais qualidade de vida aos pacientes.

Para o ex-ministro Nelson Teich, somente no decorrer da aplicação da lei, após a publicação das portarias e execução dos programas, será possível não só avaliar, mas também fazer adaptações, principalmente porque envolve diferentes atenções à saúde. “Não tem como achar que um projeto desse vai sair perfeito de início. Não vai. O que importa é que ele não pode morrer. Não pode não acontecer. Esses projetos, quando não dão certo, acabam e realmente prejudicam os pacientes. É óbvio que é um programa complexo e muito difícil de fazer acontecer. Ele é um programa de Estado e não estamos conseguindo ter nem programas de governo”, avalia.

Por meio do acompanhamento da nova política, a expectativa é que a sociedade civil conseguirá se mobilizar para questionar pontos específicos junto ao Ministério, oferecendo sugestões e subsídios. “Não vamos ter grandes resultados em 2025, mas grande parte do processo tem que acontecer. Não dá para esperar mais”, afirma Marlene Oliveira, do Instituto Lado a Lado pela Vida.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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