ANS aprova criação de planos de consultas e exames em ambiente regulatório experimental
ANS aprova criação de planos de consultas e exames em ambiente regulatório experimental
Revisão dos planos ambulatoriais era demanda das operadoras, que pediam por novo modelo exclusivo de planos de consultas e exames.
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou, em reunião nesta segunda-feira, 10, a criação de planos de saúde de consultas e exames. O novo produto estará em um ambiente regulatório experimental por dois anos para avaliar a viabilidade e os impactos.
Demanda antiga das operadoras, o novo produto surge a partir da revisão do plano ambulatorial e vem para competir com os cartões de descontos. A expectativa da ANS é que 10 milhões de novos beneficiários sejam acrescidos ao setor, já que o plano de consultas e exames terá menor preço ao consumidor.
Do lado das operadoras, o movimento pode trazer mais receita, principalmente por ter uma menor sinistralidade, já que exclui atendimento em pronto-socorro, cirurgias e internações. Terapias de todos os tipos foram excluídas, como oncológicas, diálises e para o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“A necessidade da população, limitada pela capacidade de atendimento de 153 milhões de brasileiros, consolidou um mercado paralelo, sem regulação, composto pelos cartões de descontos e clínicas populares, que se resolveu denominar como ‘terceira via’ da saúde. Pessoas que não conseguem atendimento pelo SUS, não possuem um plano de saúde, mas têm condições de pagar por algum serviço na rede privada, normalmente com o objetivo de antecipar prazos de atendimento e não ter que esperar filas”, argumentou Alexandre Fioranelli, diretor da ANS, durante a reunião.
Entre as principais características do produto, o plano será coletivo por adesão, com carência, sem portabilidade, podendo utilizar mecanismos de porta de entrada e hierarquização do acesso. Ainda, poderá ser adotado o modelo de coparticipação, limitado a 30%. A ANS também aponta que haverá concessão de bônus para beneficiários que participarem de linhas de cuidado e por permanência, além de integração de dados com o SUS Digital.
O tema passará por participação social, com audiência pública em 25 de fevereiro. Nesta quarta-feira, 12, a ANS publicou no Diário Oficial da União (DOU) a abertura da consulta pública, que ocorrerá de 18 de fevereiro a 4 de abril. Além da norma da proposta, um edital também será publicado para apreciação.
“Trazer esse mercado de produtos de consultas e exames para o mercado regulado é bom, porque todo mundo trabalha debaixo das mesmas regras. São regras importantes, mas que têm que alcançar todo mundo. Estamos há anos discutindo plano de saúde, evoluímos muito nesse mercado, mas a população coberta não passa de 25% Hoje, temos condições de discutir a ampliação de acesso de fato”, celebrou Marcos Novais, diretor executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Por outro lado, o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) se posiciona contra a proposta apresentada pela ANS, apontando que já houve tentativas no passado de conseguir aprovar esse modelo. “São serviços que estão em desacordo com a lei de planos de saúde e, na prática, não vão cumprir justamente o que eles pretendem e dizem defender, que é justamente permitir que o consumidor acesse alguns produtos e serviços para tratamento de saúde”, argumenta Marina Paulelli, advogada do programa de Saúde do Idec.
Reações sobre os planos de consultas e exames
As primeiras reações das operadoras de planos de saúde foram favoráveis às propostas. Por ser um produto com menor sinistralidade e baixo risco, há potencial de contribuir com a sustentabilidade das carteiras e melhora do cenário econômico-financeiro. Por isso, era um pedido antigo do setor.
“As operadoras veem de forma positiva. Inclusive, já tínhamos nos posicionado favoráveis à proposta na tomada pública. E vamos contribuir na consulta pública, nos aprimoramentos que entendemos também serem importantes”, afirma Novais, da Abramge, que reforça que vai ser preciso trazer informações consistentes aos clientes sobre o produto que estão comprando caso a proposta avance.
Em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) afirma que “a medida abre a possibilidade de ser oferecida mais uma alternativa de assistência aos beneficiários, preservando todas as demais opções de planos hoje disponíveis. Considera ainda que coberturas mais focadas, como a proposta pela ANS, podem contribuir para tornar os planos de saúde mais acessíveis e ampliar o acesso dos brasileiros à saúde de qualidade que as operadoras propiciam”.
As operadoras também cobravam um novo produto para competir com os cartões de descontos, que não são regulados pela ANS e não precisam cumprir os mesmos requisitos que os planos de saúde. Estimativas apresentadas pela ANS apontam para 50 milhões de consumidores nesse setor.
“Gosto da forma como está sendo feito, um projeto-piloto dentro de um sandbox regulatório. É bastante viável. O papel da agência é dialogar com a sociedade, testar produtos antes de colocar para a grande massa. Se for bem implementada, com mais clareza, transparência e testes, vai trazer benefícios para o mercado”, observa Rogério Scarabel, ex-diretor presidente da ANS e sócio do M3BS Advogados.
Já as entidades de defesa do consumidor, assim como sanitaristas e pesquisadores da saúde pública, historicamente são contra a proposta, afirmando que “planos acessíveis” podem sobrecarregar o SUS, além de descaracterizar o conceito de plano de saúde, com cobertura integral. “Em 2024, o Idec fez contribuições para a proposta do sandbox regulatório com algumas sugestões para, por exemplo, não incluir itens relacionados à cobertura no experimento. Ao longo dos anos, o Idec se colocou de forma contrária a medidas como essa, que reduzem a cobertura dos planos de saúde”, afirma Marina Paulelli, do Idec.
Outras características e pontos de atenção
A revisão dos planos ambulatoriais foi objeto de tomada pública de subsídios organizada pela ANS, ao longo de outubro de 2024. A proposta surgiu a partir do ex-diretor-presidente da agência, Paulo Rebello, que também foi um entusiasta do sandbox regulatório como ambiente de testes para trazer possíveis soluções e inovações ao setor.
“Uma opção regulada, superior ao cartão de desconto, que garante a partir de uma mensalidade bem mais acessível, a cobertura de todas especialidades médicas e assistenciais, assim como os exames definidos no rol da ANS, exceto exames que exigem internação hospitalar, regime day clinic e exames genéticos. Essa lista de exames oferecidos vai ser mais ampla que o SUS”, disse o diretor Alexandre Fioranelli.
O plano de consultas e exames poderá ser rescindido unilateralmente por fraude, inadimplência ou no aniversário do contrato, sendo a operadora obrigada a apresentar as motivações, envolvendo toda a carteira de beneficiários. A rescisão imotivada é vedada por parte dos planos. Já os beneficiários, poderão rescindir a qualquer momento.
Ao término dos dois anos, caso a ANS avalie que este produto tenha apresentado bons resultados e aprove a continuidade, as operadoras poderão encerrar o produto ou continuar oferecendo ao mercado, já que estão dentro de um ambiente regulatório experimental. Isso pode contribuir com a segurança jurídica ao setor.
Rogério Scarabel alerta que é preciso ficar atento aos riscos de downgrade em planos de saúde, apontando que empresas podem trocar os planos médicos-hospitalares por planos com consultas e exames. Isso pode trazer impacto para hospitais e indústrias farmacêuticas. “A agência pode fazer uma cláusula sobre isso. No entanto, é preciso testar para ver qual vai ser esse impacto. Por outro lado, se conseguir fazer um desenho que ao invés do downgrade traga um novo público, que está fora dos planos de saúde, seria importante”, afirma o advogado.
A ANS irá elaborar instrumentos normativos e edital que serão postos em consulta pública. Ainda, a agência afirma que poderão ser identificadas lacunas a serem corrigidas durante o processo. A participação social também pode trazer alterações à proposta inicial que será apresentada.
“Um tema por mais complexo e controverso como esse necessita sim ser aprofundado e debatido para a formação da nossa convicção decisória. Esse é o espírito da agência reguladora, firme no seu propósito de regular, monitorar e fiscalizar, mas primando pelo diálogo e escuta da sociedade”, disse Carla Soares, diretora-presidente interina da ANS, durante a aprovação.
Na véspera da reunião da ANS, críticas sobre o processo de elaboração da proposta surgiram na mídia, por não ter passado por análise técnica de servidores da agência. Contudo, Rogério Scarabel explica que não há necessidade, podendo um diretor junto a seus assessores realizarem a elaboração da proposta. O assunto teve repercussão na reunião, com comentários da diretora Eliane Medeiros, afirmando que notícias e informações erradas levam os consumidores ao erro.
Argumentos da ANS
A escassez de planos de saúde individuais e familiares foi um dos argumentos utilizados pela ANS para aprovar a proposta da criação de planos de consultas e exames em ambiente regulatório experimental. Por terem regras mais rígidas, não sendo permitido a rescisão unilateral e reajuste controlado pela ANS, as operadoras deixaram de comercializar.
Dados apresentados na reunião da Diretoria Colegiada mostram que em 24 dos 27 estados brasileiros, esse tipo de plano representa menos de 10% da comercialização. Esse cenário, de acordo com a agência, acaba dificultando trabalhadores informais, desempregados ou consumidores idosos a contratarem planos de saúde.
No entanto, a agência apresentou que o novo plano de consultas e exames será vendido na modalidade coletivo por adesão com regras flexíveis, o que chamou a atenção de especialistas do setor, já que contradiz a ampliação de planos individuais. O tema deve ser ponto de debate durante a consulta pública e a audiência pública.
“Quem está em um plano de adesão é um profissional de uma categoria específica, não é um trabalhador comum ou uma pessoa que está fora do sistema. E o plano de adesão, por si só, é um gerador de barreiras. Quando a agência faz a apresentação e diz que uma das causas são as barreiras existentes, me parece que ela não ataca essa barreira. Tem que aguardar e observar, porque talvez seja um teste com uma população pequena”, afirma Rogério Scarabel.
Outro argumento utilizado pela ANS para a proposta foi a sobrecarga ao SUS. A ideia seria trazer consumidores que são atendidos pela saúde pública e atuar na atenção primária e secundária, com consultas e exames. Assim, reduziria o impacto nesses segmentos, e o Ministério da Saúde poderia direcionar recursos para outras áreas.
“Sendo um produto em um esquema ambulatorial que só garante direito à menor complexidade, no momento em que o consumidor precisar de algo mais urgente ou complexo, esse acesso não vai existir. Ou ele vai ter que fazer uma contratação ou dispender um valor muito grande para conseguir o seu tratamento. Ainda, pode ser direcionado ao SUS, e a fila é justamente maior nos procedimentos de média e alta complexidade”, afirma Marina Paullelli, do Idec.
A integração com o SUS Digital, através da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), foi colocada pela ANS como uma das características. O Ministério da Saúde não se manifestou quando questionado se está a par da proposta e em parceria com a agência para esta integração.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.