PL das pesquisas clínicas é aprovado na Câmara e tem potencial para ampliar acesso e negócios
PL das pesquisas clínicas é aprovado na Câmara e tem potencial para ampliar acesso e negócios
Regulamentação das pesquisas clínicas dá suporte jurídico à indústria farmacêutica e pode tornar o Brasil mais atrativo no cenário global
Depois um longo tempo sem grandes avanços, o projeto de lei que regulamenta as pesquisas clínicas no Brasil (PL 7082/2017) foi aprovado na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (29). Após o deputado federal Pedro Westphalen (PP-RS), relator do PL das pesquisas clínicas, entregar uma nova versão do relatório na terça-feira com apreciação das emendas apresentadas nas comissões, o texto foi analisado pelos parlamentares da casa e agora segue para o Senado.
“O Brasil entra em uma nova era a partir de agora”, disse o deputado ao Futuro da Saúde, logo após a aprovação. “Destravamos o processo de pesquisa clínica no Brasil e vamos para patamares internacionais”, completou. Segundo Westphalen, é um avanço principalmente para reduzir as inequidades no país. A votação terminou com 305 votos a favor e 101 contra.
O tema é visto pelo setor como essencial para que o país possa ampliar o número de estudos realizados no seu território, com potencial de aumentar o acesso a medicamentos inovadores e alavancar os negócios das farmacêuticas, hospitais e operadoras de saúde. A estimativa da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) é que o número de pesquisas no Brasil dobre, fazendo o país saltar da 20ª para a 10ª colocação no ranking mundial, com um investimento de 3 bilhões de reais. Atualmente, apenas 2% dos estudos são realizados no Brasil, o que deixa o país atrás de mercados menos expressivos para o setor, como Taiwan, República Tcheca e Hungria.
A indústria farmacêutica aponta que o país não possui uma regulamentação definitiva que traga de forma clara as diretrizes para as pesquisas clínicas no país. Por isso, o projeto de lei pode trazer mais segurança jurídica.
Dentre os principais pontos que geraram posicionamentos contrários estava a criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, órgão que seria vinculado ao Ministério da Saúde. Atualmente, a aprovação das pesquisas é feita através do sistema formado pela Conep, ligada ao Conselho Nacional de Saúde (CNS), e pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEP).
O relator do PL acatou uma emenda que removia a proposta do texto, por “solucionar um problema relacionado à constitucionalidade”, já que interferia na estrutura do Governo Federal, mas manteve apenas a existência dos CEP ligados às instituições de pesquisa diretamente.
Potencial brasileiro nas pesquisas clínicas
Por ser um país com grande variedade genética e uma enorme mistura de raças e nacionalidades, o Brasil é visto como um importante campo de pesquisa clínica para novos medicamentos. Isso porque realizar estudos com populações variadas é essencial para demonstrar a eficácia de um produto para pacientes de diferentes regiões.
Contudo, estima-se que o Brasil tenha participado de 183 estudos clínicos em 2022, dos cerca de 6 mil pesquisas que foram patrocinadas pela indústria farmacêutica em todo o mundo. O Reino Unido, por exemplo, que possui um sistema de saúde universal semelhante ao SUS, realizou 548 estudos, atrás apenas de Espanha, Estados Unidos e China.
“O ponto que nós chegamos não é só por uma falta de uma regulamentação. Um sistema jurídico e regulatório seguro, que mantém de fato a ética, proteção do paciente e garante o rigor científico é importantíssimo, mas ele precisa ser semelhante com os modelos de outros países do mundo. Se a gente ficar para trás nas regras, a gente já saí atrás”, afirma Renato Porto, presidente da Interfarma.
Um dos pontos defendidos pela entidade para essa equiparação da regulamentação através do projeto de lei, e que também gera discussão sobre saúde, é a redução do prazo para fornecimento de medicamentos aos participantes dos estudos clínicos. Atualmente, após o fim do estudo, a indústria farmacêutica é obrigada a fornecer tratamento vitalício ao voluntário. A ideia seria reduzir esse prazo para 5 anos após entrar no mercado ou até ser incorporado ao SUS.
De acordo com Porto, esse período é semelhante ao utilizado no resto do mundo, o que poderia atrair novas pesquisas para o Brasil, uma vez que as empresas conseguiriam estimar o custo desse fornecimento e teriam uma economia em relação ao que é feito hoje. Em sua análise, o período de 5 anos é considerado razoável para que os sistemas público ou privado incorporem o tratamento e passem a fornecer aos pacientes.
Atualmente, a aprovação em duas estâncias para a realização da pesquisa, através do sistema CEP/Conep, também é visto pela indústria como uma burocratização desnecessária que causa demora ao início dos estudos. Com a proposta do projeto de lei de ser avaliado em instância única pelo CEP, a expectativa é que haja mais celeridade. Estima-se que leva 215 dias atualmente para a aprovação, de acordo com a Interfarma, enquanto o ideal seria de no máximo 180 dias.
PL das pesquisas clínicas pode impulsionar negócios
“Nós estamos há muito tempo desperdiçando empregos, investimentos e inovação pela falta de uma melhor regulamentação para o exercício da pesquisa clínica no Brasil. Os hospitais e a Anahp entendem que esse projeto de lei pode marcar um novo tempo em termos de inovação e de investimentos em inovação na área de saúde no Brasil”, analisa Antônio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).
A entidade se juntou à Frente Parlamentar em Defesa dos Serviços de Saúde, formada por diferentes associações e federações do setor, e tem se posicionado a favor do projeto de lei. Com 122 hospitais associados, a Anahp reúne instituições que realizam pesquisas clínicas, como o A.C.Camargo Cancer Center e o Hospital Israelita Albert Einstein.
Britto explica que, atualmente, a receita proveniente dos estudos são inexpressivas, mas o principal ganho para o país está no acesso da população a terapias inovadoras e o conhecimento que traz para as instituições. Ainda, reforça que qualquer hospital de renome no mundo conta com braços de assistência médica, estudo e pesquisa.
“À medida que aumentar o número total, as pesquisas não vão ficar centralizadas em poucos hospitais. Até porque a pesquisa de um medicamento para uma doença tropical, por exemplo, se volta para a Amazônia. O tipo de doença acaba gerando uma demanda por diferentes tipos de populações, climas e cultura”, afirma Britto.
Estratégia de sustentabilidade e acesso
Na mesma linha de pensamento, a Hapvida NotreDame Intermédica tem trabalhado com as pesquisas clínicas. A operadora de planos de saúde tem construído centros de pesquisa pelo país, com o intuito de levar tratamentos inovadores aos seus beneficiários. Isso contribui não apenas com a assistência, mas com a redução no números de processos, onde beneficiários buscam na Justiça a possibilidade de que a empresa cubra tratamentos ainda não aprovados.
“Para nós, pesquisa não é o negócio principal. Para uma organização onde você tem a assistência como foco central, a nossa ação principal é atender o segurado. Mas a estratégia para apoiarmos o PL está em precisar dar acesso ao beneficiário a diferentes tipos de tratamento”, afirma Kenneth Almeida, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Hapvida.
Atualmente, a operadora possui 4 centros de pesquisas, localizados em São Paulo, Recife, Fortaleza e Ribeirão Preto. A meta para 2024 é dobrar o número, focando nas regiões Norte e Centro-Oeste. Além de serem lugares onde há um menor número de unidades que realizam estudos clínicos, Kenneth explica que também são regiões com doenças endêmicas específicas, o que pode colaborar com o avanço dos tratamentos e no oferecimento de terapias aos beneficiários.
Com isso, a operadora acaba atuando na sustentabilidade financeira, já que pacientes que não têm o tratamento adequado acabam custando mais. Por outro lado, o diretor explica que apesar de aumentarem os centros e a participação em estudos, a operadora não tem como objetivo ter uma grande receita nessa área.
“É um negócio sustentável, mas não é uma área que tem um superávit. Ela se paga. Hoje temos uma série de profissionais dedicados e fazer pesquisa não é barato no Brasil. As pesquisas clínicas impactam os resultados”, explica Almeida, que aponta que a Hapvida possui cerca de 40 profissionais envolvidos nesse trabalho.
Expansão para o Norte e Nordeste
A Hapvida tem desenvolvido pesquisas com farmacêuticas como a Eurofarma, Eli Lilly e BeiGene. Atualmente, 12 estudos estão sendo desenvolvidos com cerca de 100 participantes, com foco principal em oncologia e doenças neurodegenerativas. A meta para 2024 é chegar a 300 pacientes envolvidos.
“Muitas vezes o próprio paciente nos procura ou judicializa, e isso despertou em nós a necessidade de estruturar melhor a área de pesquisa. Saímos de um pequeno centro em São Paulo, com pesquisas reconhecidas, e passamos a montar uma estratégia nacional, em que o modelo é propagado para outros centros”, explica Kenneth, que aponta que a operadora também atua com dezenas de centros parceiros em regiões estratégicas.
Com 16,1 milhões de beneficiários de saúde e odontologia, a maior operadora do país é também um grande campo para estudos clínicos, já que concentra grupos de pacientes para todos os tipos de doenças, e que interessam às indústrias farmacêuticas para realizar estudos específicos, principalmente em patologias onde é difícil encontrar participantes.
A expansão para o Norte e Nordeste é uma estratégia da empresa para levar os tratamentos em fase de pesquisa para os beneficiários de todas as regiões do país, assim como ampliar a variedade genética dos estudos. Também há um foco em evidências de mundo real, que tem se tornado parte importante do processo de aprovação de medicamentos.
Por isso, o projeto de lei em tramitação é visto como essencial para ampliar ainda mais a capacidade de pesquisa no país. “O PL das pesquisas clínicas é um projeto desenhado há muito tempo. No Brasil, pesquisa hoje faz 2,4% da captação de recursos do mundo para a pesquisa, muito pouco para um país que o consumo de medicamentos farmacêuticos chega a 8%. Teremos capacidade para fazer 4 vezes mais pesquisas se tivermos uma legislação um pouco mais afeita a isso”, conclui o diretor.
Renato Porto, da Interfarma, explica que caso o projeto de lei seja aprovado e o país tenha uma regulamentação para as pesquisas clínicas, o Brasil pode chegar ao 10º lugar no ranking mundial, atualmente ocupado pela Itália, que realiza 4,5% de todos os estudos clínicos no mundo. Ele aponta que países que fizeram essa transição passaram a se destacar no cenário global:
“Entre 2017 e 2020 a Argentina mudou a regulamentação e reduziu os tempos de análise em até 57%. Em contrapartida eles aumentaram 40% a quantidade de estudos clínicos registrados. Estamos falando de fato de uma ostensiva mudança do cenário de pesquisa clínica por uma adequada regulamentação que foi apresentada”.
Recebar nossa Newsletter

NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.