Levantamento mostra que brasileiros estão dispostos a pagar mais impostos sobre o álcool
Levantamento mostra que brasileiros estão dispostos a pagar mais impostos sobre o álcool
Em meio a discussão da Reforma Tributária, que visa incluir tributação para consumo de bebidas alcoólicas, pesquisa mostra que 91% dos brasileiros reconhecem o álcool como uma preocupação e 61% são a favor dos impostos
Um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização Mundial da Saúde (OMS) que o Brasil aderiu foi o de reforçar a prevenção e o tratamento do abuso de substâncias, como de drogas entorpecentes e uso nocivo do álcool. Este último elemento é responsável por 85 mil mortes a cada ano nas Américas, segundo a OPAS. O tema está presente na Reforma Tributária, que traz na proposta de regulamentação o Imposto Seletivo (IS) para desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde – dentre eles o álcool. E 61% dos brasileiros são a favor da tributação para as bebidas alcóolicas, segundo pesquisa divulgada na segunda-feira, 17, pela Vital Strategies.
O levantamento da organização sem fins lucrativos, que trabalha com base em dados, comunicação e fortalecimento de políticas na área da saúde pública, mostrou ainda que o álcool é reconhecido por 91% dos brasileiros como uma preocupação. Além disso, apontou que 67% disseram que são produtos baratos e 77% afirmaram que o governo é responsável pelo combate aos problemas associados ao álcool.
“A saúde geralmente paga a conta de outros setores. Se não tem uma regulação adequada do consumo de álcool no país, a saúde lida com o trânsito, com violência, com neoplasias, cânceres, doença hepáticas. O álcool é um caso emblemático por isso, porque é uma substância danosa à saúde, com muito menos repertório regulatório do que o tabaco e com o impacto da mesma ordem de grandezas”, comenta Pedro de Paula, diretor executivo da Vital Strategies.
Ainda de acordo com a pesquisa, 96% disseram que o álcool aumenta o risco de sinistros e lesões no trânsito, 95% o de violência doméstica e 85% de abuso infantil. O levantamento também entrevistou os participantes sobre demais medidas públicas para coibir os danos do álcool: 85% apoiam rótulos de advertência em produtos alcoólicos e 66% apoiam o aumento da idade legal para beber. Em outras perguntas aplicadas pelo questionário, a maioria dos participantes demonstrou que é contra veicular publicidade nas mídias e patrocínios de empresas de bebidas alcoólicas para eventos com jovens, como shows e campeonatos esportivos.
“Não existe consumo seguro de álcool, então o que queremos é permitir que as regulações e as políticas públicas sejam adequadas para que as pessoas tenham informação adequada para uma tomada de decisão bem-informada e com isso gerar os incentivos necessários para a redução de consumo e salvar vidas”, disse de Paula.
Em 2018, o consumo de álcool foi responsável por R$ 81,5 milhões dos gastos federais com o tratamento de câncer, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA). A pesquisa ainda estima que esse valor pode chegar a R$ 203 milhões em 2030, um aumento de 139%. De acordo com o instituto, se as pessoas não consumissem esse tipo de produto, 17 mil novos casos e 9 mil mortes por câncer poderiam ser evitados por ano.
Projeto de tributação do álcool
No fim de abril, o Poder Executivo apresentou à Câmara dos Deputados o projeto de regulamentação da Reforma Tributária (Lei Complementar 68/2024 que institui, dentre outras providências, o Imposto Seletivo (IS) sobre produtos nocivos à saúde). “Nessa proposta está previsto um sistema misto por valor para desincentivar. Quanto mais consumo, menos incentivo, porque você vai ter valor maior e uma parte do tributo do IS será feita por quantidade relativa de álcool”, comenta De Paula.
Para a OMS, uma dose padrão de álcool é de 10 gramas (g) – ou 12,7 mililitros (mL) – de etanol puro. Segundo o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), em 2023, 27,3% dos homens tomavam cinco ou mais doses em uma mesma ocasião. Para mulheres, a porcentagem fica em 15,2% com quatro ou mais doses.
“Nossa expectativa é que esse modelo misto seja mantido. Se isso for aprovado, a alíquota precisa ser feita de forma a desincentivar o consumo porque de fato o preço mexe com a escolha do indivíduo e o preço é impactado pelo imposto”, comenta o diretor executivo da Vital Strategies Brasil.
Outros países já adotaram o modelo de tributação para frear o consumo de álcool pela população e é, inclusive, uma medida que a OMS apoia publicamente. Em 2017, a organização divulgou uma pesquisa onde indicava que aumentar os impostos sobre bebidas alcoólicas em 50% poderia prevenir mais de 21 milhões de mortes ao longo de 50 anos e gerar cerca de US$ 17 trilhões em receita adicional.
“No Brasil hoje, a gente estima entre 70 e 90 mil pessoas morram de causas atribuíveis ao álcool. Isso sem falar de comorbidades, doenças que são evitáveis, sofrimento desnecessário que é muito maior. São bilhões de reais que vamos economizar de saúde pública”, defende de Paula.
Percepção dos brasileiros sobre o álcool
Além do levantamento, a Vital Strategies está estimulando a campanha “Quer uma dose de realidade?” para conscientizar a população e principalmente os parlamentares que fazem parte das discussões do PLP 68/2024. Com peças veiculadas em pontos estratégicos de Brasília, as publicidades focam na conscientização e sensibilização dos danos provocados pelo álcool à saúde.
A divulgação do levantamento neste momento também marca o apoio da população com as discussões sobre as regulações. “Tem uma clareza de percepção da imensa maioria da população que o álcool faz mal, que tem diversos efeitos maléficos na sociedade. Tem custo social alto, ele gera mais violência doméstica, mais violência contra criança, contra a mulher, insegurança no trânsito, custo gigantesco para a saúde, entre outros. A surpresa positiva é que a população entende com profundidade que o álcool tem danos muito sérios”, comenta de Paula.
A pesquisa quanto às percepções dos brasileiros sobre consumo e danos do álcool foi realizada com amostras representativas de brasileiros adultos com 18 anos ou mais, utilizando cotas estabelecidas para idade, gênero, região e educação. As entrevistas foram feitas por meio do sistema de Entrevista Telefônica Assistida por Computador (CATI), com 1.001 pessoas entre 8 de março e 11 de abril de 2024.
Este levantamento integra a iniciativa RESET Álcool da Vital Strategies, uma parceira que inclui governos, sociedade civil, organizações de investigação e líderes globais de saúde pública para promover as três “melhores práticas” do pacote SAFER da Organização Mundial da Saúde (OMS) para redução dos danos sociais e à saúde relacionados ao álcool. Dentre as práticas estão: aumentar a tributação do álcool, regular a disponibilidade e restringir a comercialização, focos que também se relacionam com o atual projeto de lei, PLP 68/2024.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.