Pesquisa clínica: como funciona e a importância para a ciência brasileira
Pesquisa clínica: como funciona e a importância para a ciência brasileira
Entre a desinformação gerada pelas fake news e o acompanhamento […]
Entre a desinformação gerada pelas fake news e o acompanhamento diário das notícias sobre o desenvolvimento das vacinas contra Covid-19, popularizou-se também a ideia de participar de estudos clínicos. Mas, se por um lado há uma boa parcela de pessoas interessadas em integrar este processo de pesquisa clínica, “ainda falta o conhecimento para a população em geral do quanto isso é importante para a melhora de vida da sociedade como um todo”, de acordo com a coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEPSH), do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Camila Squarzoni Dale.
Todos os medicamentos, vacinas e demais tecnologias da área da saúde necessitam testes com pessoas. Assim, é possível estipular quais os benefícios e os riscos de um novo produto, além de direcionar para quem aquele produto deve ser de fato destinado. Um exemplo prático e atual: as vacinas contra a Covid-19 agora estão passando por uma nova fase de acompanhamento para a indicação para crianças e adolescentes. Nesse contexto, o gerente executivo da Associação Brasileira das Organizações Representativas de Pesquisa Clínica (Abracro), Fernando Francisco, reforça que qualquer medicamento, seja uma aspirina para dor de cabeça ou outro fármaco, necessita passar por uma pesquisa clínica.
Segundo o gerente, o grupo mais expressivo de pessoas que opta por participar de pesquisas são os pacientes. São convidados nos hospitais e vêem na possibilidade de novo medicamento uma chance de cura para seu problema de saúde. Mas, além disso, o altruísmo é também um motivo frequente. Nesses casos, os participantes reconhecem que os estudos são uma forma de ajudar o avanço da ciência e da sociedade. “Os pacientes gostam e querem participar das pesquisas”, conta Fernando.
Como funciona
Antes de tudo, é bom compreender as fases que compõem um estudo. A primeira seria a pré-clínica. Serve para compreender como funciona a substância estudada e qual seu potencial para ser solução daquilo que os cientistas almejam. Nessa etapa, os testes ocorrem em laboratório, em equipamentos ou animais. Na segunda etapa, que já é de fato um estudo clínico, o objetivo é garantir que a substância seja segura para o organismo humano. Na terceira, um grupo de centenas ou milhares de pessoas participam para confirmar a eficácia do tratamento, monitorar os efeitos colaterais e, principalmente, comparar o novo medicamento ao tratamento que já existe e está disponível (se existir).
Segundo o gerente executivo da Abracro, há entusiasmo em participar dos estudos, mas às vezes existe também uma grande dificuldade em encaixar as pessoas nos critérios necessários, que contam com uma lista rigorosa de elementos de inclusão e exclusão. Por essa razão, o paciente deve realizar alguns exames e cumprir os requisitos do estudo.
O tempo de um estudo é variado, podendo ir de algumas semanas ou durar anos. A frequência de participação pode ser semanal, mensal, bimestral ou anual, e vai depender do propósito da pesquisa e da situação de saúde do paciente. Em casos de doenças crônicas, a presença pode ser necessária durante mais tempo, mas tratando-se de doenças agudas, a participação pode ser mais urgente, pois é também uma forma de tratamento.
Participantes
Os participantes não arcam com custos, sendo então responsabilidade dos centros de pesquisa cuidar do deslocamento e da alimentação. Apesar disso, a lei não permite remuneração para integrar uma pesquisa clínica, como ocorre nos Estados Unidos, por exemplo. O participante de um estudo é livre e, apesar dos consentimentos, pode desistir a qualquer momento e independente do motivo – até mesmo cansaço ou perda de interesse.
Para uma substância ser classificada de fato como segura, é necessário a conclusão dos estudos da mesma. Mesmo assim, há uma série de cuidados para garantir que o voluntário do estudo não sofrerá prejuízos. Começando com as regras baseadas em ética e que hoje são reforçadas pela LGPD.
Ética e LGPD em pesquisa clínica
O primeiro passo para um estudo com pessoas ser aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) — e demais comitês de universidades e outros centros de pesquisa —, é que as possibilidades de benefícios para os voluntários sejam sempre superiores aos riscos à saúde. Após este elemento ser verificado, seus participantes devem ter conhecimento total de seus direitos. Também devem compreender sobre como suas informações serão usadas e oferecer o consentimento para cada análise proposta. Esse propósito precisa ser esclarecido logo no início. Caso os pesquisadores queiram utilizar os dados para responder outras questões, é necessário um novo consentimento das pessoas e do comitê de ética.
Os elementos de ética são baseados no Código de Nuremberg, que surgiu em 1946, após a Segunda Guerra Mundial. Ele estabeleceu princípios básicos para que os estudos não fossem danosos para os participantes. Após esse momento, regras rigorosas regem a ciência desde 1996, devido à regulação normativa 466 que foi implementada na época.
Apesar de Nuremberg, Squarzoni acredita que “antes de 1996, as pessoas faziam o que achavam certo”. Isso porque a pesquisa clínica é baseada na curiosidade do cientista. “Ele vê uma doença, coleta uma amostra de sangue, olha uma característica, vai em um congresso, comenta com as pessoas… Mas nessa época começou no Brasil a discussão de que precisamos ter certeza do que estamos fazendo, que a pessoa está sendo submetida à menor quantidade de procedimentos para a análise feita e entre outros pontos”.
Pesquisa clinica em expansão
Desde então, a ciência brasileira tem crescido e participado cada vez mais de pesquisas clínicas. Mesmo ainda em expansão, o Brasil tem sido uma boa referência no que tange às práticas científicas dentro da ética. São raras as vezes onde são vistos erros. “Foi um longo caminho trilhado, mas hoje temos um cenário de cientistas muito comprometidos”, afirma a coordenadora. Em situações de erros ou práticas inadequadas, o estudo é denunciado para o CONEP e deve ser bloqueado. Isso junto às demais sanções que cada caso exigirá.
Para garantir a ética e que a sociedade compreenda melhor sobre os estudos, os comitês também contam com a participação de pessoas da comunidade. Ao longo do ano, são realizados programas informativos que devem ajudar pessoas leigas no assunto e usuários do SUS a compreender a seriedade dos estudos e seu funcionamento.
Futuro da Saúde
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.
Gostei bastante do artigo, me pergunto após ele, se as pesquisas realizadas para tratamento de covid com cloroquina por partes do corpo médico pode ser considerado ilegal tendo em vista a comprovação de sua ineficiência. Além disso, alguns médicos ainda utilizam desse medicamento e outros para tratar a covid, nesse caso também é possível denunciar para a CONEP? Desde já agradeço o esclarecimento de minhas dúvidas.