Paulo Rebello, da ANS: “Não há sistema de saúde no mundo que analise a incorporação de novas tecnologias em prazo tão curto”

Paulo Rebello, da ANS: “Não há sistema de saúde no mundo que analise a incorporação de novas tecnologias em prazo tão curto”

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ganhou notoriedade esse […]

By Published On: 07/09/2022
Diretor presidente da ANS fala sobre as mudanças em torno dos planos de saúde.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ganhou notoriedade esse ano para além do setor da saúde. Isso porque o chamado “Rol da ANS”, a lista de procedimentos que os planos de saúde devem cobrir aos beneficiários, foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Congresso Nacional. No primeiro órgão, a decisão foi pelo “taxativo, mas com exceções”. Já no legislativo, um projeto de lei – que aguarda sanção presidencial – foi pela via oposta e obriga as operadoras a cobrirem terapias fora da lista. Em entrevista exclusiva, Paulo Rebello, diretor-presidente da ANS, falou sobre esse e outros tópicos ao Futuro da Saúde.

Com pressão social ou não, fato é que nos últimos meses algumas mudanças têm ocorrido em temas que envolvem a ANS. A redução no tempo de revisão do rol, ampliação da cobertura e aprovação de novas tecnologias são alguns exemplos. Ao longo da entrevista Rebello abordou também o panorama sobre a saúde suplementar e como a sociedade, agência e operadoras vêm trabalhando para ampliar o acesso da população. Leia a entrevista na íntegra.

Recentemente, a ANS determinou que os planos não podem mais limitar sessões e consultas de psicologia, fonoaudiologia e fisioterapia. O mesmo aconteceu com as regras de coberturas para o tratamento de transtornos globais do desenvolvimento. As duas ações estão interligadas? O que motivou essa decisão? 

Paulo Rebello – As duas ações resultam de um trabalho permanente da ANS no que diz respeito à atualização das coberturas obrigatórias para os usuários de planos de saúde. Só este ano, já fizemos 30 inclusões de tecnologias, além da ampliação das regras de cobertura para tratamento de transtornos globais do desenvolvimento e do fim do limite para consultas e sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas. Importante destacar que as discussões técnicas sobre as terapias para tratamento do espectro autista já vinham acontecendo internamente, em um grupo de trabalho criado em 2021 e formado por representantes de quatro das cinco diretorias da Agência. Com base nessas discussões e considerando o princípio da igualdade, decidimos estabelecer a obrigatoriedade da cobertura dos diferentes métodos ou terapias não apenas para pacientes com TEA, mas para usuários de planos de saúde diagnosticados com qualquer transtorno enquadrado como transtorno global do desenvolvimento. No mesmo mês, em julho deste ano, decidimos acabar com os limites de consultas e sessões com profissionais de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia para pacientes com qualquer diagnóstico, cabendo ao médico assistente definir a quantidade necessária. As duas decisões foram tomadas para garantir igualdade de direitos aos usuários da saúde suplementar, sejam eles portadores de algum transtorno global de desenvolvimento ou não.  

Há algum tempo, o setor de saúde suplementar está no centro do debate nacional. Isso aconteceu com a quimio oral e agora com a decisão pelo rol taxativo. Como o senhor avalia a participação da sociedade nesse tipo de discussão? 

Paulo Rebello – A participação social é fundamental. A ANS está sempre atenta aos anseios da população e o processo de revisão do rol permite manifestações em diversos momentos e de várias formas. Desde 2021, qualquer pessoa interessada pode enviar – a qualquer momento – propostas de atualização das coberturas. As discussões técnicas são feitas com representante de segmentos de toda a sociedade por meio da Cosaúde (Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar), formada por representantes da ANS, de pacientes, de estabelecimentos de saúde, de órgãos de defesa do consumidor, de operadoras, de sociedades médicas, de ministérios. É o que chamamos de participação social dirigida. E há ainda a participação social ampliada, que é a possibilidade de contribuir por meio das consultas e audiências públicas que a ANS promove. 

As tecnologias e os novos tratamentos estão disponíveis cada vez mais rápido. O que pode ser feito para ter mais celeridade na tomada de decisões? A ANS tem isso no radar? E como contemplar a demanda frequente por inclusão de novas terapias? 

Paulo Rebello – Sim, a importância da celeridade na incorporação de tecnologias está no nosso radar e posso garantir que já evoluímos muito nesse aspecto. Saímos de um processo de revisão que acontecia a cada dois anos para um processo no qual o recebimento e a análise de propostas acontecem de forma contínua e as inclusões podem ser feitas a qualquer momento. Hoje, o prazo de análise das propostas é de 180 dias + 90 dias. As tecnologias para o tratamento de câncer levam entre 120 dias e 60 dias para serem analisadas. E aquelas tecnologias que já tiverem sido aprovadas para incorporação no SUS passam pela análise da ANS em, no máximo, 60 dias. Não há sistema de saúde no mundo que analise propostas de incorporação de novas tecnologias em saúde em prazo tão curto quanto esse. 

Qual sua avaliação sobre a judicialização na saúde nos últimos anos e o que tem sido feito para reverter essa questão? 

Paulo Rebello – Antes de mais nada é importante lembrar que o acesso ao judiciário é um direito do consumidor – trata-se de um princípio consagrado na Constituição. No setor de saúde, o volume de processos é realmente grande, proporcional à relevância do tema. Quando se trata de planos de saúde, a ANS é o principal canal de recebimento de reclamações de usuários e atua fortemente na intermediação de conflitos entre os consumidores e as operadoras através da Notificação de Intermediação Preliminar (NIP). Por meio dessa ferramenta, as reclamações registradas nos canais de atendimento da Agência são automaticamente enviadas às operadoras responsáveis, que têm até cinco dias úteis para resolver o problema do beneficiário nos casos de queixas sobre cobertura assistencial e até 10 dias úteis se as demandas não forem relacionadas ao atendimento (não assistenciais). Com essa mediação, a ANS tem resolvido mais de 90% das reclamações dos consumidores, de forma ágil e evitando a abertura de processo administrativo e judicial. Outra iniciativa relevante para reduzir a judicialização é o programa Parceiros da Cidadania, que promove a aproximação da Agência com órgãos do Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Atualmente, temos 45 acordos de cooperação técnica com instituições de todo o Brasil, inclusive com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Esses acordos agilizam a troca de informações técnicas e de experiências sobre casos relacionados a planos de saúde, viabilizando a agilização de processos em andamento e a redução de demandas judiciais. 

Como o senhor avalia a questão do entendimento do rol ser taxativo ou exemplificativo ter chegado ao STJ, e mais recentemente ao Congresso? Essa interferência entre os poderes pode ser prejudicial à saúde suplementar e aos beneficiários? 

Paulo Rebello – A Lei nº 9.961/2000, que criou a ANS, atribuiu a ela a competência de elaborar o rol, ou seja, de definir quais procedimentos deveriam ter cobertura obrigatória. E assim tem sido feito, com o aprimoramento do processo de revisão das coberturas obrigatórias e a ampliação da participação social na definição dos procedimentos e eventos a serem incluídos ou excluídos da lista. Os debates no Supremo e no Congresso são importantes e a ANS está sempre disponível para o diálogo e para o debate. O que precisamos destacar nessa questão é que o processo de revisão já avançou muito – como já disse, não há sistema de saúde no mundo que analise propostas de incorporação de novas tecnologias em saúde em prazo tão curto quanto o nosso – e que não podemos prescindir de uma análise criteriosa, com base na Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), antes da inclusão de qualquer procedimento na lista de coberturas obrigatórias dos planos de saúde. Essa análise precisa considerar fatores como a segurança do paciente – há comprovação científica de que aquele medicamento ou tratamento funciona, é eficaz? – e a disponibilidade do procedimento – tal exame pode ser realizado em qualquer lugar do país? Não podemos esquecer que a ANS regula as operadoras que atuam no Brasil inteiro, de Norte a Sul, e sabemos que há realidades bem diferentes. Há ainda o impacto que tal inclusão pode ter nos valores pagos pelos consumidores: muitas vezes, uma tecnologia mais nova pode ser tão eficaz quanto uma mais antiga, só que com o preço muito mais alto, o que vai pesar no bolso de quem paga mensalmente pelo seu plano de saúde. 

Estamos caminhando para um novo período da relação entre os planos de saúde e a sociedade? 

Paulo Rebello – A pandemia trouxe provocações e questionamentos quanto ao futuro da saúde como um todo. No âmbito da saúde suplementar não poderia ser diferente. Tivemos a expansão da telemedicina e da inteligência artificial, mas sem perder de vista o debate sobre cuidado humanizado do paciente. O momento é oportuno para o estímulo ao autocuidado por meio dos programas de promoção e prevenção da saúde e aplicar o conceito de medicina baseada em valor e com isso avançarmos nessa mudança de modelo tão importante para o futuro sustentável do setor.  

As operadoras têm sido mais ativas com a ANS, tanto em relação à discussão sobre o rol de procedimentos e avaliação de novas tecnologias, quantos em outras questões?  

Paulo Rebello – As operadoras sempre tiveram participação ativa nas discussões sobre os temas da saúde suplementar, da mesma forma que os demais integrantes do setor, como os prestadores de serviços de saúde e os órgãos de defesa do consumidor, por exemplo. E essa participação é incentivada pela ANS, que lidera diversos fóruns para discussão de temas pertinentes ao setor de planos de saúde, como a Câmara de Saúde Suplementar, a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (Cosaúde), o Comitê de Padronização das Informações em Saúde Suplementar (COPISS), CATEC, entre outros. 

O setor de saúde suplementar tem vários desafios como o envelhecimento da população, a necessidade de acesso e o foco em prevenção. Como o senhor vê essas questões nos próximos cinco anos?  

Paulo Rebello – Os desafios do setor são proporcionais às suas dimensões: são quase 50 milhões de usuários em planos de assistência médica e 30 milhões em planos exclusivamente odontológicos, 940 operadoras ativas e com beneficiários e uma produção assistencial que atingiu 1,6 bilhão de serviços de saúde em 2021, entre consultas, exames, terapias e cirurgias nos segmentos médico-hospitalar e odontológico. Ter um setor sustentável, com operadoras economicamente viáveis e capazes de entregar o que foi contratado, com prestadores de serviços de saúde atendendo com qualidade e com consumidores tendo acesso aos planos a preços que possam suportar é o que a ANS vem buscando com a regulação. O envelhecimento da população é um fato que exige a reorganização dos sistemas de saúde. Nesse sentido, a Agência estimula a adoção de medidas que promovam a organização do cuidado no setor. Investir na atenção primária – orientando a jornada do paciente, adotando medidas de prevenção de doenças e acompanhando de perto os doentes crônicos, por exemplo – melhora os resultados em saúde, evita desperdícios e reduz custos. Na questão do acesso, buscamos criar condições para o aumento da concorrência no mercado e para a oferta de melhores condições aos consumidores, ampliando o acesso e viabilizando a permanência do beneficiário na saúde suplementar. Está na nossa agenda o aprimoramento do Guia de Planos de Saúde, que é a ferramenta que possibilita a consulta de planos disponíveis para contratação e troca de plano com portabilidade de carências. A ideia é dar ainda mais informações para que o consumidor tome decisões bem embasadas, considerando suas necessidades e seu poder de pagamento. Consumidor informado, conhecedor das regras do setor, de informações sobre as operadoras e seus planos, faz escolhas conscientes. Se não estiver satisfeito, troca de plano. 

Entidades de planos de saúde defendem a possibilidade de mudanças sobre os planos ambulatoriais, retirando a obrigatoriedade do tratamento oncológico e atendimento emergencial. É possível fazer essa alteração, visando a criação de planos acessíveis? 

Paulo Rebello – A discussão sobre acesso estará sempre em debate na ANS. A legislação atual já permite que as operadoras comercializem planos com formatos que os tornem mais baratos, como segmentação ambulatorial, abrangência geográfica municipal ou regional, rede hierarquizada, coparticipação do beneficiário no pagamento de serviços de saúde utilizados. Estaremos à disposição para aprofundar o debate sobre esse ou qualquer outro tema.  

Recentemente, o secretário-executivo do Ministério da Saúde disse em entrevista que um novo sistema de portabilidade de planos de saúde está previsto para os próximos meses. Como a ANS tem participado desse processo e quais os possíveis ganhos aos planos e beneficiários? 

Paulo Rebello – A portabilidade de carências, que é o direito que o usuário de plano de saúde tem de trocar de plano levando com ele os períodos de carências já cumpridos, é um importante instrumento de estímulo à concorrência que foi regulamentado pela ANS em 2009 e ampliado em 2018. Para permitir a consulta e a comparação de planos disponíveis no mercado para contratação e troca com portabilidade de carências, a ANS desenvolveu um sistema chamado Guia de Planos de Saúde. O aprimoramento do Guia, com a inclusão de mais informações para embasar a escolha do consumidor, foi uma das propostas do grupo de trabalho criado para discutir a implementação de um modelo de Open Health no Brasil. Esse grupo foi formado por representantes do Ministério da Saúde, da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, da ANS e do Banco Central. Nosso objetivo é ampliar a disponibilização de dados relevantes para o mercado e para os consumidores, aprimorar as ferramentas para consulta desses dados e resguardar as informações de saúde dos beneficiários, de acordo com as leis vigentes, e impedindo a discriminação/seleção de riscos daqueles beneficiários com maior frequência de utilização do plano. Vamos avançar cada vez mais nesse tema, de forma segura e que seja benéfica ao consumidor.

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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