Parcerias público-privadas na saúde caminham para novos modelos que avaliem indicadores de saúde da população
Parcerias público-privadas na saúde caminham para novos modelos que avaliem indicadores de saúde da população
Em 1990, o Sistema Único de Saúde foi criado com
Em 1990, o Sistema Único de Saúde foi criado com base no texto da Constituição de 1988, que garantia a saúde como um direito de todos os cidadãos e como dever do estado. De acordo com os mais recentes dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 75% da população brasileira utiliza os serviços de saúde oferecidos de forma gratuita. Mas nem sempre o poder público tem as condições necessárias para gerenciar de forma ideal os serviços de saúde. É nesse cenário que entram as parcerias público-privadas na saúde.
Bons exemplos disso são a criação do modelo de contratos de gestão e termos de colaboração – no qual Organizações Sociais de Saúde (OSS) e instituições filantrópicas gerenciam serviços de saúde pública, em parceria com secretarias municipais e estaduais – e outras iniciativas como o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), uma aliança entre hospitais considerados de excelência pelo Ministério da Saúde (MS) para apoiar e aprimorar o SUS.
Em tese, nesses moldes, é encontrado o cenário ideal: o sistema público continua oferendo assistência gratuita para a população fazendo uso das ferramentas privadas de gestão, que podem aumentar a eficácia e qualidade dos serviços prestados. De outro lado, as instituições privadas também aprendem com as práticas do SUS – como o programa Estratégia Saúde da Família – e expandem seu potencial de preparar profissionais para um olhar de saúde integral.
O futuro das parcerias público-privadas na saúde
Guilherme Schettino, diretor do Instituto Israelita de Responsabilidade Social (IIRS) do Hospital Israelita Albert Einstein, lembra que essas parcerias ainda são relativamente novas – a primeira realizada entre o Einstein e a Secretaria de Saúde de São Paulo foi em 2001 – e que estão sendo aperfeiçoadas com o tempo, com potencial de avanços e modernizações:
“Quando a parceria dá certo e cria-se uma relação de confiança, fica mais fácil evoluir os modelos de contratação. Hoje, nós temos acordos específicos: preciso fazer tantas internações, cirurgias e consultas. Isso é importante, mas é fundamental também avaliar se a qualidade do atendimento foi adequada e se os resultados foram dentro do esperado. É preciso medir as taxas de complicações, infecções, reinternações e de satisfação do usuário, e entender se foram aceitáveis ou não. Hoje, os contratos olham pouco para isso. Um modelo de contrato modernizado que olhe não só para a produção e a prestação de contas, mas que incorpore melhores indicadores de qualidade é o caminho ideal”.
Para o futuro das parcerias público-privadas na saúde, o diretor vai além: enxerga como tendência modelos de contratos mais parecidos com aqueles feitos nos setores de infraestrutura, em que a iniciativa privada é apta a fazer o investimento necessário para construir ou equipar uma unidade de saúde e ficar à frente daquela operação por um período de tempo mais prolongado.
“Da mesma forma como é feito com rodovias, portos e aeroportos, a tendência é que as parcerias permitam uma margem financeira que remunere o investimento que a entidade privada fez no projeto. Já começaram a aparecer alguns casos, inclusive. Isso é importante porque o Estado tem limitações de recursos para investimentos. É uma forma de trazer melhorias, afinal, aquele bem seguirá sendo público, independentemente da administração”.
Mais qualidade e eficiência no sistema público
Schettino acredita que, nessas parcerias, as instituições privadas levam para o sistema público profissionais qualificados, que seguem protocolos de atendimento da saúde suplementar, além da cultura de qualidade, segurança, atendimento humanizado e eficiência operacional:
“Conseguimos fazer um bom uso do recurso público disponível. Mesmo sendo financeiramente limitado, buscamos uma produção máxima sempre olhando para a eficiência operacional e isso é um ganho para o SUS, definitivamente”.
Ele ressalta os resultados de um comparativo de modelos de gestão em saúde, feito pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, que apontou que o desempenho de um hospital público, cuja gestão é feita por uma entidade privada, costuma ser melhor – em relação aos serviços de saúde, levando em consideração os insumos e recursos disponíveis.
Também o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross), em 2022, em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), o Instituto Ética Saúde e a Organização Nacional de Acreditação (ONA), reconheceu as instituições do SUS mais eficientes, bem avaliadas por usuários e que oferecem qualidade e segurança aos pacientes e, das 17 instituições que ocupam as 10 primeiras posições (com alguns empates), 15 têm gestão privada, de uma OSS ou filantrópica.
Dois hospitais, em São Paulo, que são administrados pelo Einstein, estão nessa lista. Hoje, o Einstein faz a gestão de 14 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 4 Centros de Atenção Psicossocial (Caps), 3 Assistências Médicas Ambulatoriais (AMA), 1 AMA Especialidades, 2 Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e 2 Residências Terapêuticas – que abrigam pacientes com transtornos mentais avançados, que saíram das internações psiquiátricas, em São Paulo. Em Aparecida de Goiânia, em Goiás, a organização também administra um hospital. Os contratos são firmados com as secretarias municipais.
Os entraves da gestão pública
De acordo com Schettino, esse resultado não significa necessariamente que falta competência do sistema público em gerir as unidades de saúde, mas ele explica que a saúde pública tem uma série de amarras e burocracias que precisam ser seguidas e que acabam sendo contraproducentes.
“Na gestão pública, para comprar um insumo qualquer, muitas vezes é necessário fazer uma licitação. Eu entendo os motivos para isso, mas, ainda assim, esse processo consome tempo, recurso humano e, às vezes, é referente a um valor muito baixo. Isso faz com que o sistema seja menos ágil. Quando a gestão é privada, há uma autonomia maior. Os órgãos de controle seguem monitorando, é preciso prestar contas, mas a burocracia é um pouco menor”, diz.
O diretor ressalta, inclusive, que a instituição não tem um ganho financeiro com essas gestões, apenas recebe de repasse o que comprovadamente custou a operação das unidades. Segundo ele, os motivos que levaram o Einstein a fechar essas parcerias com a saúde pública são muitos, a começar pelo propósito da instituição de prover vidas mais saudáveis de forma igualitária – não importando se os usuários entrem pela porta privada ou pública –, por contribuir com a equidade e oferecer um tratamento de saúde adequado para o que o paciente precisa.
“Um bom exemplo disso é o centro de oncologia Bruno Covas, do Hospital Municipal da Vila Santa Catarina. Ele é voltado ao atendimento de alta complexidade e atende cerca de 300 novos pacientes por mês. Lá, nós não temos equipamentos de radioterapia, por exemplo, mas os pacientes vêm para o Einstein para fazer as sessões por aqui. Também fizemos uma reforma no centro cirúrgico e disponibilizamos um robô para a realização de alguns procedimentos cirúrgicos específicos. Então, os pacientes do hospital público gozam da mesma infraestrutura dos pacientes que utilizam o serviço privado”, relata.
Junto ao Proadi-SUS, o processo é diferente: o programa permite que alguns hospitais privados, reconhecidos como Hospitais de Excelência pelo MS, desenvolvam projetos para o SUS com recursos próprios, com valor equivalente à imunidade tributária oferecida a eles, conforme a constituição.
“O próprio MS demanda os projetos, que podem envolver capacitação de profissionais, avaliação e incorporação de tecnologias, apoio à gestão, pesquisas e assistência de alta complexidade, que é onde o SUS tem mais dificuldade”, afirma. “A entrega de todos esses projetos fica de legado para o sistema público de saúde”.
Os benefícios para as instituições privadas
A parceria, contudo, não é vantajosa apenas para um dos lados. Os benefícios, para a rede privada, incluem, principalmente, o aprendizado adquirido, segundo Schettino: “Atuando no SUS, aprendemos a trabalhar com uso racional dos recursos, por exemplo, e a dar mais ênfase à atenção primária – que o SUS faz desde seu dia zero e que agora está ganhando muito espaço na saúde suplementar”.
Isso se reflete também na formação de profissionais de saúde: as unidades públicas acabam se transformando em um campo prático de estágio para o desenvolvimento de profissionais da saúde, e já fazem parte do programa de residências médicas e multiprofissionais do Einstein.
“Temos a oportunidade de formar mais profissionais para os dois sistemas, o que, a longo prazo, traz benefícios para a saúde da população. Alguns profissionais que fazem residência em São Paulo, por exemplo, depois voltam para suas cidades e estados de origem e levam esse conhecimento para mais regiões do país. Esses profissionais um dia também serão gerentes e diretores de unidades de saúde e poderão atuar nos dois cenários – público e privado – com uma visão do sistema mais abrangente e integrada, levando os aprendizados que são importantes”, afirma Schettino.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.