Operadoras de autogestão querem ampliar possibilidades de novos beneficiários e prestar serviços ao setor

Operadoras de autogestão querem ampliar possibilidades de novos beneficiários e prestar serviços ao setor

ANS realiza tomada de subisídios para construir proposta de revisão da regulamentação de operadoras de autogestão.

By Published On: 17/04/2024
Operadoras de autogestão propõe alterações para revisão da regulamentação.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) receberá até 27 de maio contribuições para construir uma proposta de revisão da regulamentação das operadoras de autogestão. Presente na Agenda Regulatória 2023-2025, a proposta buscará melhorar as regras e o cenário desse segmento e deve ter uma conclusão até o último trimestre de deste ano.

Com um público de pessoas idosas acima da média do mercado, ocupando cerca de 27,4% das carteiras, e com perda constante de beneficiários, as operadoras de autogestão têm buscado alternativas para se manterem relevantes, mesmo com os altos custos da saúde, baixa adesão e uma enorme concorrência com operadoras de mercado.

“O mercado de saúde suplementar teve queda de beneficiários apenas nos anos de 2015 e 2016. A partir de 2017, mesmo com uma leve diminuição de consumidores, o setor começou a se estabilizar e em 2018 voltou a ter um acréscimo de beneficiários. Já as autogestões apresentaram queda de beneficiários desde meados de 2010 e, diferente da média do setor, atualmente os números de beneficiários da modalidade continua a diminuir. Apenas o segmento de filantropia apresenta uma situação semelhante”, afirma relatório ANS.

Os dados do relatório da ANS também apontam para um encolhimento do segmento, que possuía 291 operadoras de autogestão em 2006. Atualmente, são 145 empresas nessa modalidade, que representam 12,9% do mercado. Em número de vidas, contam com menos de 8% do setor, com 3,9 milhões de beneficiários. 

A sinistralidade também está acima da média. Até o 3º trimestre de 2023, a saúde suplementar possuía um sinistro de 88,2%, enquanto nas operadoras de autogestão esse índice é de 94,5%, dentro dos mais de 20 bilhões de reais em receita. Sem fins lucrativos e focadas em atender os colaboradores das empresas, esses planos de saúde buscam alternativas para melhorar o quadro.

Para isso, buscam junto a ANS mudanças em relação ao compartilhamento de rede, possibilitando atender em seus serviços outros segmentos de operadoras, e ampliar as possibilidades de inclusão de beneficiários, atendendo duas ou mais empresas que estejam próximas, mesmo que de segmentos diferentes. A Agência elenca esses temas como prioritários na regulamentação.

“São propostas que vão poder viabilizar novos negócios e crescimento maior no nosso setor. A ANS coloca muito isso no relatório, da preocupação com o minguar das autogestões. Nós comemoramos que a saúde suplementar cresceu 2,5 milhões de vidas, mas as autogestões perderam vidas. É preciso que a Agência equilibre as forças para não se extinguir o segmento”, afirma Anderson Mendes, presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS).

Cenário das operadoras de autogestão

“Embora as autogestões tenham 8% das vidas, em volume financeiro representam 11% das despesas assistenciais totais das operadoras. Nosso ticket médio está em torno de 4.800 reais por trimestre, sendo o segundo maior, menor apenas que as seguradoras. As cooperativas são 3 mil reais, filantropia 2.100 reais e medicina de grupo 2.400 reais. Isso é importante para o sistema de saúde como um todo: hospitais, clínicas, laboratórios e empregos. As autogestões despejam grandes recursos nesse setor”, afirma João Paulo dos Reis Neto, diretor-presidente da Caixa de Previdência e Assistência dos Servidores da Fundação Nacional de Saúde, a CAPESESP.

A operadora tem 59,4% da sua carteira com pessoas com mais de 60 anos, frente a 14,9% do setor. Por ser uma população que em geral custa mais aos planos de saúde, existe uma tendência no mercado de elas não conseguirem entrar em outros planos ou terem um alto custo da mensalidade. Ainda, mesmo após aposentados podem permanecer no plano de saúde. Esse cenário se repete em outras operadoras de autogestão e é observado, inclusive, pela ANS.

“Em 2001 as autogestões já apresentavam uma maior proporção de beneficiários com mais de 60 anos quando comparada às demais operadoras médico hospitalares. Ao longo desses 20 anos, a situação se acentuou. Isso porque, apesar de ao longo da série histórica ter havido um aumento do número de beneficiários idosos como um todo, observa-se um crescimento mais acelerado na modalidade autogestão”, escreveu a Agência na Análise de Resultado Regulatório sobre o tema.

A Resolução Normativa 137, que rege as operadoras de autogestão, foi estabelecida em 2006. Nela, se define o segmento como “pessoa jurídica de direito privado que, por intermédio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado, opera plano privado”, exclusivo aos funcionários, aposentados e seus dependentes.

“O mercado tem uma legislação bem antiga, apesar de ela sofrer algumas alterações. A base dela é de 2000. Entendemos que precisa ter uma atualização não só para autogestão, mas para o mercado inteiro. Especificamente sobre a RN 137, que rege as autogestões, a última atualização substancial faz 10 anos, e o modelo de saúde hoje já mudou muita coisa”, afirma Anderson Mendes, da UNIDAS.

Redução dos beneficiários

Em 2002, as operadoras de autogestão possuíam cerca de 5,3 milhões de beneficiários, em um cenário com 35,4 milhões de vidas na saúde suplementar. Enquanto houve um crescimento do setor, as autogestões perderam, nos últimos 22 anos, cerca de 1,4 milhão de beneficiários. 

“Há 20 anos, o Banco do Brasil tinha 140 mil funcionários. A cada um que se aposentava, realizava-se um novo concurso e oxigenava a carteira da Cassi, a caixa de assistência dos funcionários do Banco do Brasil. Hoje, os bancos são digitais. O BB tem pouco mais de 75 mil funcionários. Não tem como receber novos beneficiários e manter o mutualismo”, explica Mendes. 

Por isso, existe demanda das operadoras para ampliar as possibilidades de novos beneficiários. A principal delas é que uma autogestão possa ser financiada por mais de uma empresa, recebendo os colaboradores delas como beneficiários. Isso ajudaria a ter um aumento no número de vidas.

“Imagina uma mineradora que está em uma região no interior do Estado e é muito forte, mas também existem uma indústria de forjaria e uma empresa de cargas que atendem essa mineradora. Por que não criar uma autogestão que atenda as três companhias? Claro, participando da gestão, mas não ficando restrito apenas à mineradora. Muitas pessoas ficam de fora e dependem do SUS, até porque muitas operadoras de mercado não querem oferecer planos de saúde nessas regiões, porque a oferta de serviço é pequena”, analisa o presidente da UNIDAS.

O diretor-presidente da CAPESESP, João Paulo dos Reis Neto, explica que esse cenário de perda de vidas também afeta a operadora. Segundo ele, mais de 100 mil beneficiários deixaram o plano de saúde. Além da falta de concursos públicos, já que é uma operadora exclusiva de servidores públicos ligados à saúde, ainda houve mudanças na administração pública.

“No passado, os servidores públicos federais só poderiam ser vinculados às autogestões, como GEAP, CAPESESP e ASSEFAZ, que eram operadoras grandes. Mas governos passados resolveram que ao invés de repassar o dinheiro direto à autogestão, repassaria no contracheque do servidor, para ele contratar a operadora do mercado que quisesse”, explica João Paulo.

Atualmente, a entrada de novos beneficiários está restrita a órgãos como o Ministério da Saúde, Anvisa, Fundação Nacional da Saúde e algumas universidades, mas existe uma discussão da operadora para a obtenção de convênio único, onde qualquer um dos servidores públicos federais pudessem aderir ao plano de saúde. O diretor-presidente afirma que estão pleiteando junto ao Governo, sendo essa a possibilidade de voltar a crescer em números de vidas. Atualmente, são cerca de 17 mil pessoas na carteira da CAPESESP.

Também existe uma discussão para deixar claro algumas normas. Atualmente, empresas do mesmo ramo de atividade ou grupo econômico podem criar uma autogestão patrocinada, mas Anderson Mendes, da UNIDAS, explica que não existe definição clara sobre o que é considerado grupo econômico. Por isso, requer uma revisão da regulamentação. Da mesma forma, também há a necessidade de incluir os diferentes patrocinadores no conselho da operadora, tema que será abordado pela ANS.

Compartilhamento de rede

Apesar de as operadoras de autogestão já terem experiências com o compartilhamento de rede, como um centro de infusão compartilhado de Minas Gerais, onde CEMIG SAÚDE, COPASS SAÚDE e FUNDAFEEMG utilizam os serviços e dividem custos e receitas, a UNIDAS defende que é preciso ampliar as possibilidades.

“A resolução possibilita o compartilhamento da rede entre as autogestões, mas queremos ter o mesmo direito que as outras operadoras. Podemos usar a rede de qualquer plano, é muito comum uma autogestão usar serviços da Unimed. Mas outras operadoras não podem usar nossos serviços, somente de autogestão. Mesmo sendo planos sem fins lucrativos, são empresas privadas que estão no mercado para prestar serviços de saúde. A cessão de rede é um negócio dos planos”, afirma o presidente. 

No relatório da ANS que avaliou a regulamentação, a Agência afirma que “possibilitar o compartilhamento de rede por autogestões às demais operadoras, além de outras autogestões, poderia trazer efeitos positivos para a concorrência do setor. É irrefutável que quanto maior a dinâmica concorrencial de um setor, maiores os ganhos para a sociedade em termos de preço e qualidade”.

Essa possibilidade é uma das formas das operadoras de autogestão conseguirem outras receitas além da mensalidade dos beneficiários, já que prestariam serviços de saúde para outras operadoras em uma estrutura já existente. Mendes avalia que pode ser uma possibilidade para investir em novos negócios.

Para o diretor-presidente da CAPESESP,  João Paulo dos Reis Neto, com a perda no número de beneficiários, os serviços têm espaço para atender outros públicos de fora da carteira. “A limitação de rede fazia sentido na época, porque de alguma forma garantia que os beneficiários estariam recebendo atenção completa à saúde, e não seria simplesmente uma terceirização dessa rede. Hoje em dia não faz sentido, pois torna as nossas operadoras menos competitivas”, afirma ele.

Além dessas pautas, Anderson Mendes, da UNIDAS, aponta que existem outras questões que devem entrar na discussão: “Entendemos que às vezes temos questões financeiras e de solvência que poderiam ter alguma visão diferenciada pelas características de autogestão. A questão territorial entendemos que algumas normas que cobram garantia de atendimento deveriam ter uma flexibilização. As normas são feitas para o Brasil, mas uma visão de grande cidade, não pensando em regiões de interior ou remotas”, afirma. 

Rafael Machado

Jornalista com foco em saúde. Formado pela FIAMFAAM, tem certificação em Storyteling e Práticas em Mídias Sociais. Antes do Futuro da Saúde, trabalhou no Portal Drauzio Varella. Email: rafael@futurodasaude.com.br

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NATALIA CUMINALE

Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.

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