Operadoras de autogestão adotam modelo de remuneração baseado em valor
Operadoras de autogestão adotam modelo de remuneração baseado em valor
A discussão sobre novos modelos de remuneração entre as operadoras
A discussão sobre novos modelos de remuneração entre as operadoras de saúde e os prestadores de serviços tem ganhado cada vez mais alcance. A União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (UNIDAS) deu um novo passo nesse sentido e implementou um sistema de medicina baseada em valor (Value Based HealthCare – VBHC, em inglês) em 8 operadoras de autogestão ligadas à entidade.
Ao contrário do fee for service, modelo de remuneração mais utilizado no Brasil e que paga por cada item utilizado e procedimento feito, o que abre espaço para desperdícios e estímulo ao volume, o VBHC remunera pelo tratamento completo e o desfecho clínico, analisando a qualidade de vida do paciente após a alta hospitalar.
“Se você tem uma pessoa que está com dor nas costas, por exemplo, o que importa é como você cessa essa dor, como essa pessoa volta a trabalhar e tem sua vida normal. Não importa se ela fez cirurgia, se ela fez uma um tratamento mais conservador, como fisioterapia ou se foi tratamento com medicamento. O que importa é qual benefício o paciente possui a partir desse tratamento de saúde”, explica Anderson Mendes, presidente da UNIDAS.
Com o objetivo de reduzir desperdícios e melhorar os desfechos clínicos de pacientes, a entidade pretende ainda divulgar os indicadores dos hospitais para cada um dos tratamentos, o que pode contribuir com a escolha do beneficiário e uma melhor alocação de recursos por parte das operadoras.
Mais eficiência e acesso
Mendes aponta que as estimativas sobre a ineficiência do sistema de saúde giram entre 30% e 40% dos investimentos. Por isso, a expectativa da UNIDAS com esse projeto é que as operadoras reduzam os custos e desperdícios em 20%, o que pode contribuir para dar mais acesso à população, aumentando o número de beneficiários em planos de saúde.
Esse é um primeiro passo da entidade para mostrar ao mercado que a remuneração por VBHC é interessante para todos, e a meta é expandir para outras das 120 operadoras de autogestão associadas. Juntas elas possuem cerca de 4,3 milhões de beneficiários, funcionários de empresas que optam por criar sua própria operadora de saúde.
“A UNIDAS trabalha com a demanda das próprias operadoras. Era um projeto delas, mas a proposta da UNIDAS foi diferente porque a gente se propôs a fazer de uma forma aberta. Qualquer operadora, indústria farmacêutica ou hospital que quiser vir conhecer o nosso projeto, como a gente pontuou esses indicadores, pode. O que a gente quer é uma transformação de mercado. Não adianta VBHC só para as autogestões”, conta o presidente.
Sem fins lucrativos, as operadoras de autogestão são formadas para dar assistência de saúde aos funcionários ou servidores de uma empresa, mesmo aqueles que se aposentaram, o que leva os planos de saúde dessa categoria a terem beneficiários com faixa etária acima da média do mercado. Com tratamentos cada vez mais inovadores e o aumento da expectativa de vida, surge a necessidade do setor buscar alternativas para tornar-se mais eficiente e sustentável.
Primeira fase do projeto com operadoras de autogestão
Nessa primeira etapa, as operadoras CASSI (dos funcionários do Banco do Brasil), Saúde Petrobras, Cemig Saúde, Pasa, Fundação Copel, Abertta Saúde, Capesesp e Vivest adotaram o VBHC como modelo de remuneração para o tratamento de câncer de próstata. Do lado dos prestadores, o Instituto Orizonti, de Belo Horizonte/MG, é o primeiro hospital a acreditar nessa mudança, mas outros hospitais estão em negociação e devem ser incluídos em breve.
“Já temos hospitais implantando o VBHC junto com a UNIDAS e com essas filiadas, e agora a gente vai ampliar. Temos a segunda onda em 2023 trazendo mais operadoras, mais linhas de cuidado e mais hospitais”, explica Anderson Mendes. Outras condições de saúde, como doenças cardiovasculares e diferentes tipos de câncer, também estão na mira para propor esse modelo de remuneração.
Através de um sistema da 2iM, empresa especialista em gestão de saúde e parceira no projeto, vai ser possível analisar a pontuação de cada hospital para cada tratamento, acordado com os próprios prestadores. Segundo o presidente da UNIDAS, não há necessidade de novos funcionários, já que os próprios colaboradores responsáveis por lançar e auditar as contas das operadoras farão esse trabalho.
A construção desses indicadores irá contribuir, de acordo com Anderson Mendes, para a melhor escolha dos beneficiários, que hoje optam por um plano que tenha hospitais considerados “de grife”. “Você não tem nenhuma informação precisa e técnica que diga que o hospital A, mesmo sendo de grife e o mais famoso do Brasil, entregue em uma cirurgia melhor que um hospital B. Ele pode até entregar em alguns casos, mas provavelmente ele não vai ser melhor em tudo”, defende o presidente.
Da mesma forma, vão servir para que se compare a eficiência desses hospitais — o que pode levar a casos em que hospitais menos populares ou especializados consigam realizar, com um menor custo, tratamentos tão bons quanto esses hospitais. Mendes afirma que no primeiro momento essa divulgação será interna às entidades associadas, mas a meta é apresentar aos beneficiários.
Tendência de mercado
A discussão sobre os custos da saúde e a sinistralidade dos planos de saúde correram ao longo de 2022 e devem continuar pelos próximos anos. Com a insatisfação de todos os envolvidos, novos modelos de remuneração ganham espaço. Se no passado havia uma resistência dos hospitais em firmar novos acordos, agora há uma movimentação nesse sentido.
“Muitos não conhecem os seus resultados e têm medo. Hoje a gente está com poucos prestadores parceiros, mas todos receberam muito bem e muitos querem entrar. Nessa segunda onda a gente vai ampliar os prestadores, porque eles estão entendendo que precisam se conhecer, é uma questão de sobrevivência”, aponta Anderson.
Ele defende que esses indicadores podem inclusive aumentar a competitividade do mercado, e aqueles que não acompanharem os seus resultados e buscarem melhorias de desfechos, podem acabar ficando para trás. Operadoras poderão, através dessas informações, escolher quais serão os seus parceiros no cuidado com a saúde dos beneficiários.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem desenvolvido estímulos para o setor adotar novos modelos de remuneração baseados em valor, com debates e um edital para apoiar 16 projetos inovadores de operadoras, com inscrições até o dia 28 de fevereiro. Os projetos aprovados e contínuos podem ganhar pontuação junto ao Programa de Qualificação Operadoras no Índice de Desempenho da Saúde Suplementar – PQO/IDSS.
“A maior força do VBHC é a transparência no resultado em saúde, as pessoas entenderem o que podem esperar naquela jornada de tratamento daquele serviço e também trazer uma mudança de incentivo na cadeia produtiva. Ele tira o incentivo de gastar cada vez mais, que quanto mais eu gasto mais eu recebo, e coloca um incentivo de qualidade e de gastar menos porque gastar menos vai melhorar a minha forma de valor”, conclui o presidente.
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NATALIA CUMINALE
Sou apaixonada por saúde e por todo o universo que cerca esse tema -- as histórias de pacientes, as descobertas científicas, os desafios para que o acesso à saúde seja possível e sustentável. Ao longo da minha carreira, me especializei em transformar a informação científica em algo acessível para todos. Busco tendências todos os dias -- em cursos internacionais, conversas com especialistas e na vida cotidiana. No Futuro da Saúde, trazemos essas análises e informações aqui no site, na newsletter, com uma curadoria semanal, no podcast, nas nossas redes sociais e com conteúdos no YouTube.